Em seu terceiro longa metragem, Monique Gardenberg não se sai melhor que em Jenipapo (1996) e em Benjamim (2003). De fato, Ó pai, ó (2007) – expressão baiana que significa "olha para isto, olha" – não conseguiu se definir nem como comédia (sua classificação oficial) nem como drama. Ela mesma, Gardenberg, escreve o roteiro tomando por base uma peça teatral de Márcio Meirelles. Caetano Veloso e Davi Moraes entram com a música e a música entra demasiada e inoportunamente no filme em certos momentos. A fotografia de Eduardo Miranda não compromete, mas também não traz novidades.
A história se passa em Salvador, mais precisamente no Pelourinho, em torno de um cortiço pertencente à Dona Joana (Luciana Souza), lugar em que mora uma miscelânea de pessoas. Dona Joana é evangélica à moda baiana e tem dois filhos menores infratores. Uma enfermeira trabalha com aborto e adota crianças. Um homossexual é travesti. Um taxista casado se relaciona com mulheres e gays. Uma prostituta de luxo vem da Suíça passar o carnaval com a irmã no cortiço. Um compositor também mora ali, bem perto de sua oficina mecânica.
O filme coloca muitos temas em discussão: machismo, racismo, homossexualismo, prostituição, invasão das denominações evangélicas num contexto de candomblé e de catolicismo popular, menores infratores, extermínio de menores e pobreza. E nenhum deles é bem trabalhado. A comédia resvala para o drama, sem, contudo, levá-lo adiante. O humor, que deveria caracterizar a comédia, acaba por resumir-se a cenas bizarras e a ditos chistosos. Espero não estar cometendo injustiça ao dizer que, em certos momentos, a história descamba para a chanchada, como, dentre outros, o caso da rebelião dos moradores contra a dona do cortiço a fim de que ela abra o registro da água para o prédio.
Há de se ressaltar o desempenho de Lázaro Ramos (Roque), cada vez mais convincente em seus papéis, além de se revelar bom cantor. O mesmo se pode dizer de Wagner Moura (Boca), no papel de um pequeno mafioso do Pelourinho. Stênio Garcia (Seu Jerônimo), como dono de uma loja de antiguidades, dispensa comentários. Dirá Paes (Psilene), como prostituta internacional, está com os trejeitos de Solineuza, do seriado televisivo A Diarista.
A relação entre filme e música também está muito mal resolvida. Em algumas passagens, não se sabe se estamos diante de um musical, de uma comédia ou de um drama. Duas cenas, em especial, comprometem o filme e nos remetem às antigas chanchadas da Atlântida. No bar da lésbica Neuzão da Rocha (Tânia Tôko), de repente, sem mais nem menos, os freqüentadores passam a dançar olodum numa coreografia ensaiada, tirando todo o clima de improviso. No mesmo bar, Rosa (Emanuelle Araújo), a bela e sensual sobrinha da dona, pede a Roque que cante. Em troca, ele pede que ela dance. Nos dois momentos, é como se o filme cessasse e cedesse lugar a dois clipes. As cenas, exageradamente artificiais, fazem-nos lembrar de uma outra, inserida em Orfeu (1999), de Cacá Dieguez. Em meio à tragédia grega encenada numa favela, Caetano Veloso aparece cantando e tocando violão na laje de um barraco, assim, gratuitamente, como se o diretor quisesse estampar para o público o autor da trilha sonora.
Apenas uma cena transmitiu alta voltagem dramática. Wagner Moura e Lázaro Ramos se confrontam na oficina do segundo. Wagner pede a Lázaro para pagar apenas uma parte por um serviço encomendado. Os dois discutem e, para encerrar o bate-boca, Wagner chama Lázaro de negro. Numa única palavra, fica expresso todo o racismo. Apenas num substantivo usado como adjetivo. Como substantivo, negro equivaleria a branco e a amarelo. A pele negra é apenas diferente de outras peles, mas não inferior. Nada há de racismo em caracterizar uma pessoa de negra, de branca ou amarela. No entanto, adjetivada, ela passa a ser uma ofensa. "Você é negro, não passa de um negro". A frase revela todo nosso passado escravista e todo nosso presente racista. Tanto assim que a maioria das pessoas usa as expressões "moreno", "pessoa de cor", "escurinho", quando querem referir-se a um negro, temendo incorrer em insulto. "Neguinho", "negão", "nega", "pretinho" têm conotação carinhosa. "Negro" só é usado por aqueles que vencem o racismo ou por aqueles profundamente racistas. Vai depender do tom.