(Espíritos 2)
Chang
e Eng Bunker nasceram unidos pelo tórax em 1811, na Tailândia,
denominada, àquela época, de Siam ou Sião. Como foram os irmãos
xifópagos mais famosos do mundo, tornou-se comum usar a expressão
"irmãos siameses" para designar este tipo de teratologia. A xifopagia
foi vista, durante muito tempo, como uma aberração perigosa, pois
encarada como maldição. Pela sua condição de nascença, Chang e Eng
foram condenados à morte pelo Rei Rama II, mas salvos pelo sucessor
Rama III, tornando-se atração em Bangcoc. Graças ao comerciante Robert
Hunter e ao capitão Abel Coffin, eles passaram a se apresentar em
espetáculos por todo o mundo e acabaram nos Estados Unidos, onde se
transformaram em personagem de circo de horrores, tal qual o homem
elefante, tão bem retratado em filme por David Lynch.
Os dois
eram ligados por um tecido de seis polegadas e compartilhavam o mesmo
umbigo e fígado. Eles ficavam um de frente para o outro até que um
médico lhes ensinou a esticar o tecido de ligação para ficarem de lado.
Os dois se casaram com as irmãs Sally e Adelaide Yates, tendo, juntos
(não me perguntem como), 21 filhos. Morreram aos 63 anos com diferença
de algumas horas.
Chang e Eng são mencionados, de passagem, em
"Espíritos 2 — Você nunca está sozinho" ("Faet", Tailândia, 2007).
Dirigido por Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom, "Espíritos 2"
retrata a história das irmãs Pim e Ploy (Masha Wattanapanich), que,
como os irmãos Chang e Eng, nasceram coladas pelo tórax. Com roteiro
dos próprios diretores, assinado também por Sophon Sakdapisit e
Aummaraporn Phandintong, o filme parece ser uma homenagem aos famosos
irmãos siameses. Pelo menos, deve ser inspirado neles.
Em 2004,
Pisanthanakun e Wongpoom dirigiram "Espíritos — A morte está ao seu
lado", que nada tem a ver com "Espíritos 2", a não ser o terror, o
estilo oriental para o gênero e a marca dos dois. Pim e Ploy crescem
coladas, juram nunca se separar e se apaixonam por Wee (Namo
Tongkumnerd, aos 15 anos, e Vittaya Wasukraipaisan, adulto). O coração
do rapaz, no entanto, pulsa por Pim. O amor motiva a separação das
xifópagas, o que resulta na morte de uma delas. A vivente se casa com
Wee e o casal vai morar na Coréia do Sul até que a mãe dela (Ratchanno
Bunchootwong) sofre um derrame e obriga os dois a retornarem à
Tailândia.
Começa, então, a fase assombrada do filme. A gêmea
morta aparece para a viva quase sempre em situações de duplo ou de
replicação. Já na Coréia do Sul, uma amiga de Pim lê a sua sorte nas
cartas e, diante de uma dama do baralho, ligada pela parte de baixo,
como se sabe, à outra idêntica, a exemplo de um reflexo n'água, prevê a
visita de uma pessoa que voltará para lhe cobrar algo. A marca das duas
irmãs era o símbolo do infinito, um oito deitado, como dois círculos
iguais ligados lateralmente, a representar as xifópagas. A irmã que
morreu usava óculos, objeto também parecido com o oito deitado. As
primeiras aparições da morta para a viva ocorrem em espelhos.
Aconselhada
a descansar por um psiquiatra amigo de seu marido, Pim retira-se para
uma praia. Ao caminhar descalça na areia, ela olha para trás e vê as
marcas de quatro pés. Sozinha num elevador de duas portas que se fecham
automaticamente no meio, ela vê sua imagem numa e a da irmã noutra,
como se ainda estivessem ligadas. Sua sensação é a de sempre estar
acompanhada. Nos filmes de terror oriental, este é um traço peculiar:
mesmo não sendo vistos, os espíritos estão sempre presentes. No terror
ocidental, eles se refugiam em algum lugar ou saem dele para apavorar
os vivos, mas não ficam com eles o tempo todo.
A abordagem
especular de Pisanthanakun e Wongpoom confere ao filme um traço
marcante, embora passe despercebido. Os dois cineastas tailandeses
revigoram o gênero terror, já extremamente cansado no ocidente. Até com
relação ao terror oriental, eles evitam as meninas de cabelos pretos,
lisos e compridos a tapar metade do rosto, bem como aquelas criaturas
bizarras que correm feito aranhas. Mais que "Espíritos", "Espíritos 2"
especula sobre a possibilidade de as visões serem um caso de
subjetividade característico de psicose, e não de objetividade
sobrenatural. Ainda que a trilha sonora advirta quanto à iminência de
aparições, elas não deixam de assustar o espectador. E, além de
aparições, há revelações que prendem a atenção até o final.
Bem
a propósito, mas por mera coincidência, "Espíritos 2" entra em cartaz
no momento em que uma novela tratando do bem e do mal por gêmeas está
em seus últimos capítulos.
- Edgar Vianna Andrade
- Arthur Soffiati