O capitalismo traz de volta a pré-história. Viva o capitalismo!

Nada mais primitivo que o capitalismo. Cria natural e bastarda do mercantilismo, onde o Estado ainda tinha parcela do comando, o capitalismo seguiu seu curso predatório desde a Revolução Industrial britânica, marcado pela intensa exploração da força de trabalho, passando pelo liberalismo, keynesianismo, fordismo e agora pelo liberalismo exacerbado – o neoliberalismo – caracterizado pelo endeusamento do mercado, considerado como uma força da natureza a ser reverenciada e temida. Sua doutrina única é buscar devotos para consumir em quaisquer circunstâncias. 

Como num palco de teatro, Estado, capital e trabalho se travestem para representar seus papéis fictícios: de agente de controle e gestor do processo de distribuição de benefícios, o Estado passa a ser controlado; de coadjuvante e indutor do progresso social, o capital assume ares de Estado, passando a concentrar e comandar, a seu modo, o processo às avessas; de objeto do crescimento social, a força de trabalho se submete e espera, cada vez mais miserável e passiva, as benesses prometidas no "script". 

Finda a peça, não há platéia nem aplausos. Chegou-se a um estágio do capitalismo (provavelmente terminal) em que se perderam seus objetivos, restando a ameaça de sua auto-extinção por força de sua própria essência: a concentração superlativa. 

Fruto dos avanços nas ciências físicas, na pesquisa e de maciços investimentos, o capitalismo de hoje prescinde cada vez mais da força de trabalho humana em seu processo produtivo. A incessante busca da eficácia produtiva e da maximização dos ganhos determinou este caminho. Computadores e robôs executam atualmente tarefas até aqui exclusivas da força de trabalho treinada, qualificada, disciplinada e assalariada. Apertar parafusos, projetar e montar circuitos eletrônicos, soldar, planejar, produzir petróleo, aço, plásticos e alimentos dispensa a atividade humana. Já há até mesmo robôs que fabricam robôs! 

Com isto, encolhe o universo dos que demandam as mercadorias do capitalismo. Surge aí o primeiro golpe no modelo: sua própria lei maior, a que determina que a oferta e a demanda determinam o preço dos bens no mercado, fará reduzir a demanda e, em conseqüência, o preço das mercadorias e o lucro do capital. Para reequilibrar a balança, o capital fará recuar a produção e a oferta. Produção menor implica obrigatoriamente em impactos na cadeia produtiva, com redução de renda de outros capitalistas produtores de insumos e ainda consumidores. Este será o segundo golpe no modelo. 

No limite, teremos uma meia dúzia de capitalistas residuais demandando automóveis totalmente automatizados, televisores tridimensionais cujas imagens invadirão o ambiente, envolvendo os espectadores, todos projetados por computadores de sétima geração e fabricados por robôs aos quais só falta um coração. O golpe final ocorrerá com o desemprego até mesmo dos computadores e robôs por absoluta falta de sua razão de existir: o extinto mercado. 

Os últimos capitalistas melancólicos, amedrontados e acovardados, do interior de seus "bunkers", observarão das janelas as multidões lá fora dançando livres, leves e soltas, em volta de fogueiras e cantando louvores aos totens do neolítico revisitados. São gente finalmente liberada da escravidão ao mercado e em paz com a natureza a ser reconstruída, como os verdadeiros seres humanos, cantados em prosa e verso pelos humanistas de todas as eras. 

Este retorno às origens é fruto e obra do capitalismo que, ao final das contas, não foi tão inútil assim.

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