É bastante evidente que a matriz energética mundial se prepara para sofrer algumas alterações estruturais. Há consenso sobre os males que o emprego descontrolado até aqui de fontes de energia de origem fóssil causaram ao ambiente em que todos vivemos – pobres e ricos.
Embora as instâncias decisórias do sistema prossigam fazendo concessões, ainda por algum tempo ao modelo atual baseado em petróleo, gás e carvão, os lucros desses grupos vão ter que migrar para outras bandas, já que queimar petróleo e carvão vai se tornar cada vez mais maldito e caro.
É neste contexto que surge o Brasil como precursor de um sistema baseado em energia renovável, gerada a partir da combustão de biomassa – cana de açúcar, babaçu, mamona, dendê e outras oleaginosas e que pretende substituir o modelo atual a médio prazo.
Aproveritando o ensejo, o Presidente da República tem saído pelo mundo afora a proclamar aos quatro ventos a competência brasileira na produção dos biocombustíveis.
Entretanto, a professora Maria Aparecida de Moraes Silva, doutora em sociologia pela Universidade de Paris I e docente da Universidade Estadual Paulista pede, em artigo publicado no dia 2 de outubro passado, na Folha de São Paulo, um “dedinho de prosa com o presidente da República para falar de “coisinhas simples”, referentes ao cotidiano de trabalho e da vida de alguns brasileiros”.
Revela o artigo alguns dados intoleráveis num país governado por ex-trabalhadores (sic). Os cortadores de cana nos canaviais paulistas estão comendo o pão que o diabo amassou. A jornada de trabalho não tem limite de tempo, mas de tarefa: “são obrigados a cortar em torno de dez toneladas de cana por dia”. Para cada tonelada, segundo informa a pesquisadora, eles “são obrigados a desferir cerca de mil golpes de facão”, causadores de dolorosas cãimbras.
O salário é pago por produção à base de R$ 2,50 por tonelada. Ou seja, depois de dez mil golpes de facão, restará ao suplicante a quantia de R$ 25,00 como ganho diário pelo trabalho estafante. Com um agravante: “livre” da senzala, o escravo moderno é quem custeia a sua “bóia fria” e o fétido alojamento nas cidades-dormitório dos arredores das “plantations”. Na era da escravatura oficial, os antigos senhores eram mais generosos com suas “peças”.
Os atuais escravos são jovens brasileiros, entre 16 e 35 anos, que estão sendo esfolados vivos. Não é por bala perdida, nem por vício, estão morrendo por conta de um regime desumano e cruel de exploração do trabalho. Segundo afirma a pesquisadora, “minhas pesquisas em nível qualitativo na macrorregião de Ribeirão Preto apontam que a vida útil de um cortador de cana é inferior a 15 anos, nível abaixo dos negros em alguns períodos da escravidão”. Sem dúvida, em pleno século 21, na região mais rica do Brasil, uma informação estarrecedora.
Os magnatas supremos do capitalismo ensandecido estão eufóricos com as oportunidades de negócios que se abrem com esta nova fonte de energia renovável. Um novo ciclo de prosperidade para os donos do poder, montado na devastação do solo envenenado por agrotóxicos, na concentração ainda maior de terras e rendas, na exploração e morte dos trabalhadores. Por considerar normal e inevitável semelhante absurdo, o presidente Lula tornou-se garoto-propaganda dessa empreitada, até mesmo porque conheceu de perto, em tempos idos, as agruras da vida dos trabalhadores.
Engana-se o Presidente se pensa que serão apenas os subsídios agrícolas do Primeiro Mundo que impedirão o avanço desta “nova era”. Qualquer sociedade minimamente decente se recusará a consumir combustíveis “limpos” ou não se produzidos nas condições de total indignidade que o “agrobusiness” brasileiro frise-se, com apoio governamental, impõe aos seus trabalhadores.