DIAS DE TROPA DA ELITE

O país vive seus dias de tropa de elite enquanto a "tropa da elite" invade os morros e miseráveis aglomerados urbanos. A intimidação por meio da força continua, também as torturas e as execuções sumárias.
 
Onze milhões de pessoas assistiram ao longa-metragem "Tropa de Elite" antes que o mesmo fosse exibido nos cinemas. Talvez haja mudanças para grande tela, mas é bem provável que sua larga distribuição pirateada se deva a dois motivos antagônicos e complementares.
 
O primeiro é que o conteúdo do filme, da maneira que foi produzido, nunca chegaria à população. Confirma a corrupção da polícia carioca, do governo, e sugere o envolvimento de ONG's com o tráfico. Provocaria a ira de dirigentes que se oporiam ao filme.
 
O segundo é que a distribuição tenha partido de uma jogada de marketing pesado de setores interessados em desmantelar o Estado Democrático e de Direito. Setores da extrema-direita criam um novo herói nacional – o Bope – alimentando a existência de um inimigo real acobertado pelos miseráveis e pela corrupção governamental – o traficante. Afirma que o regime e constituição do Estado brasileiro baseado em concepções de esquerda não pode controlar a situação.
 
Da mesma forma que o filme afirma que nem mesmo Israel possui policiais como o Bope, é de salientar que as estatísticas asseguram uma polícia violenta. A rádio CBN em um dos noticiários (23/10/07) acusou a morte de 961 pessoas de janeiro a outubro pela polícia do Rio de Janeiro – média de 7 pessoas/dia. É de se afirmar que nenhum outro país em conflito armado tenha os índices do Brasil.
 
O que impressiona no filme é que o Estado deve transformar seres humanos em monstros para combater um problema que criou. O treinamento do Bope é idêntico ao treinamento fornecido pelos agentes da CIA aos militares e policiais brasileiros nos anos da ditadura militar.
 
O longa-metragem faz uma leitura simplista da obra "Vigiar e punir" de Foucault. Mas, ainda nos direciona ao fato de que: "a polícia continua sendo cachorro do Estado, a mando das elites". Existem policiais honestos, de modo que existem corruptos. A função constitucional é proteger e auxiliar a população no cotidiano. Mas, o despreparo fez do policial, o que prevê a regra de sobrevivência das elites: um cão feroz alimentado pela raiva e fome.
 
E se o combate ao narcotráfico é uma guerra, é porque também, os filhos da alta-sociedade alimentam os traficantes. Fazem com que a droga seja um produto sempre procurado, adorado pelos hedonistas, e por aqueles que, o mais das vezes, se utilizam do sistema para a continuidade do sistema.
 
Que o código penal e processual penal precise ser revisto, não há dúvidas. A lei penal brasileira é uma cria do fascismo: regras que exigem adaptação a uma sociedade mecânica e tecnológica. Leis que priorizam a propriedade e não a vida, que salientam um regime de vigilância e punição.
 
Na rediscussão da lei penal para seu avanço, estão os constitucionalistas e os adeptos das teorias do labelling approach ou teoria do rótulo ou etiquetamento social. O criminoso não nasce ou adquire uma doença, mas é produto do meio que a ele atribui uma condição de ser inumano.
 
O filme desvia o foco central do problema que é a marginalização da população pobre. Provoca, perante o mito do herói, o medo na população. Com o novo herói (re)nasce a idéia do combate ao tráfico por meio da força bruta. O traficante se mistura ao povo das favelas que é rotulado como "bandido", "agressivo", "sujo", "anormal".
 
Não se está defendendo o tráfico. Pelo contrário. Lembra-se que as "velhas" da ditadura estão utilizando força máxima contra o Estado Democrático de Direito. E se valem sempre de um fator especial: a alienação do povo. Como diria Brecht, o "analfabeto político".
 
Quem leu "O cortiço" de Aluízio Azevedo saberá que a favelização do Rio de Janeiro é antiga. O termo favela, surge após a violência de Canudos. Favela era o nome de uma pequena elevação de terra no arraial de Canudos que abrigava casebres de pau-a-pique. A violência no Rio de Janeiro tem enfoque especial no chamado "branqueamento" da população para instauração de uma cultura à francesa. Tanto a guerra do Paraguai como a revolta da vacina tiveram como pano de fundo uma limpeza étnica de índios, negros, mestiços, e estrangeiros que não pertenciam a elite luso-brasileira.
 
O Brasil ainda é um semifeudo. Nossa experiência democrática é jovem demais para afirmar que o texto constitucional assegure o que nele está escrito e ratificado pelo Congresso. Resta um desafio implícito e incondicional: que nossas frágeis instituições, sobreviventes de uma época de barbárie institucional, consigam resguardar os direitos e garantias fundamentais do ser humano, ainda que precisem rediscutir princípios legais e valores sacramentados em séculos de caminhada humana. As instituições precisam de um reexame profundo, mas sair por aí afirmando que não temos tempo pra isso chega a ser ridículo.
 
Em última análise, o filme mostra à população que o ser humano deve ser reduzido a uma condição atroz e insofismável. Enquanto a elite desse país arrota champanha e caviar, vivendo em redomas de vidro protegida por muros altos, guardas, cães, e câmeras de alta resolução, os mais pobres continuam vegetando em condições subumanas. O êxodo rural continua. Também as tomadas de decisões simplistas. A ignorância que abunda, e a mediocridade que afasta de nós um estágio de evolução nesse planeta.
 
* William Wollinger Brenuvida é escritor e poeta, autor de O Menino e as estrelas (Univali, 2003). Bacharel em Direito e Especializando em Processo Penal. Integrante da Academia de Letras de Governador Celso Ramos (SC); membro titular da Apremag – Associação de Preservação do Meio Ambiente de Governador Celso Ramos e do CBHRT – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tijucas. Foi Diretor da Vigilância em Saúde do município de Governador Celso Ramos (2005/2007).

 

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