Considerando a divisão do mundo atual entre um punhado de países exploradores/opressores e a imensa maioria de países explorados/oprimidos, a questão do desenvolvimento tem se tornado ao longo dos séculos uma crucial batalha para estes países dominados. Mormente depois que a Organização das Nações Unidas, através da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), apresentou uma série de estudos e recomendações, supostamente com vistas ao desenvolvimento da região, as quais não resultaram, efetivamente, em qualquer mudança de profundidade na vida da maioria das populações residentes nestes países. E, muito menos, eliminaram a contradição países dominantes x países dominados. Muito ao contrário, as agravaram aperfeiçoando e evoluindo as formas das travas anacrônicas que garroteiam esses países no continente.
O professor Bautista Vidal, em entrevista ao AND nº 01, identificou nas recomendações da CEPAL a imposição de pacotes tecnológicos responsáveis pela manutenção da relação de dependência:
"Nós estamos vivendo uma tirania financeira que vem de longe, que começou antes de 1964, mas que o Roberto Campos aprofundou e que, até hoje, ninguém tirou essa turma dos tecnocratas financeiros formados em Harvard, Denver, etc. Foi num crescendo, embora, em uma fase anterior esse modelo dependente, por causa do desenvolvimentismo, da substituição de importações, era encarado como uma coisa positiva porque deixava de importar os produtos e se produzia aqui. Surgiram a indústria automobilística e a indústria eletrônica, todas elas com essa característica. Essas corporações vieram primeiro como montadoras e toda produção de componentes era da indústria de capital nacional. Mas, isso já é coisa do passado. A empresa de capital nacional, que participou do processo, foi excluída porque não tinha condição de sobreviver no processo competitivo, dependia completamente dos pacotes tecnológicos que eram comandados pelas montadoras e corporações estrangeiras."
O PAC SERVE AO IMPERIALISMO
Passados mais de sessenta anos da implementação das teses cepalinas, a sua essência ressurge com todo o vigor, embutida numa campanha de cunho "desenvolvimentista" com a denominação de Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O PAC foi criado em janeiro 2007 com o fito de acelerar o crescimento econômico a partir de grandes obras de infraestrutura em áreas como energia, saneamento, recursos hídricos, habitação e transporte. Embalado no discurso da retomada da surrada e velha conhecida "intervenção estatal" e do "desenvolvimentismo", o programa que se propunha a reunir investimentos públicos e privados passou a ter, como sempre, e agora pior que nunca, no BNDES o seu principal esteio ao subsidiar os grandes grupos financeiros nacionais e transnacionais formadores dos consórcios administradores das grandes obras.
Tais obras tem recebido uma verdadeira enxurrada de críticas partidas de vários setores da sociedade. Além dos ambientalistas, organizações de defesa dos camponeses ribeirinhos e dos povos indígenas têm denunciado os prejuízos causados por estes empreendimentos. O agravamento da situação tem mostrado que o caminho da luta, organizando manifestações, protestos e ações de destruição contra a espoliação de suas terras e de seu habitat, é que pode barrar a sanha devastadora.
O mega projeto de exploração da Amazônia é demonstrado na Nota técnica nº 8 do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), no item intitulado de "A corrida por Megawatts", onde fica claro a dimensão dos interesses em jogo e as terríveis consequências para o povo da região:
"O PAC II deu continuidade aos projetos hidrelétricos do PAC I na Amazônia e ampliou os projetos e estudos de novas hidrelétricas. O balanço do 1° ano do PAC II divulgado em março de 2012 detalha o estado atual das UHEs em implantação, planejadas ou em fase de estudo de viabilidade na Amazônia. Segundo este balanço são: 10 (dez) UHEs em fase de implantação, três das quais com obras já concluídas; 4 (quatro) UHEs planejadas; 13 (treze) projetos em fase de estudos de viabilidade ou ação preparatória para implantação de UHE."
No mesmo caminho, o Portal EcoDebate traz um artigo, publicado em 01/02/2013, que reforça o argumento da devastação e dos prejuízos: "basta olhar os projetos econômicos existentes. Além de Belo Monte e outras cinco usinas hidrelétricas em construção, o governo desenvolvimentista brasileiro planeja instalar pelo menos 23 novas hidrelétricas na Amazônia. Ao todo, essas 29 hidrelétricas devem gerar 38.292 MW, quase metade dos 78.909 MW produzidos pelas 201 usinas hidrelétricas em operação hoje no país. Sete delas, como as das bacias do Tapajós e do Jamanxim, serão feitas no coração da Amazônia, em áreas de floresta contínua praticamente intocadas. Outras estão em áreas remanescentes importantes de floresta amazônica, como o conjunto de sete hidrelétricas planejadas nos rios Aripuanã e Roosevelt, no Mosaico de Apuí, com impacto direto em 12 unidades de conservação de proteção integral e terras indígenas".
LUZ E FORÇA AO CAPITALISMO BUROCRÁTICO
A crítica ambientalista, que muitas vezes serve aos interesses imperialistas, tem suas limitações por não mostrar que estes empreendimentos, longe de servirem ao povo brasileiro, estão a serviço do desenvolvimento do capitalismo internacional – imperialismo – que engendra nas colônias e semicolônias um capitalismo de tipo burocrático – tanto as plantas industriais quanto a infraestrutura que lhe dá suporte são instrumentos da espoliação e exploração do povo, isto, independente de sua propriedade ser da grande burguesia local, das transnacionais ou do próprio Estado. Neste tipo de capitalismo os recursos extraídos do suor e do sangue da população mais os recursos naturais da nação são drenados para as burras do imperialismo, via remessa de lucros, pagamento de juros escorchantes, royalties, subfaturamentos, superfaturamentos, corrupção e outras formas "criativas" de roubar o povo.
Na revista Contra Corrente encontramos dois artigos que comprovam com bastantes elementos como o pseudo "desenvolvimentismo" alardeado por Luiz Inácio e seguido por Dilma Rousseff estão em perfeita sintonia com os interesses do imperialismo, não só no Brasil como em toda a região da América do Sul. Na primeira edição da Revista, em janeiro de 2009, o jornalista Carlos Tautz desnuda toda a farsa do "desenvolvimentismo" petista, ao afirmar que suas origens estão em uma proposta conhecida como IIRSA (Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), e de cujo "alvo principal é dotar a Amazônia de infraestrutura econômica de tal modo que ela seja transformada em uma grande plataforma de fornecimento de insumos básicos, no campo da energia e da alimentação, para centros consumidores nos Estados Unidos, zona do Euro, China e Japão".
O autor destaca ainda o papel do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) na coordenação técnica, política e financeira da IIRSA e atribui ao BNDES o decisivo aporte financeiro às obras na Amazônia brasileira: "Este Banco tem, por exemplo, apostado todas as suas fichas nas obras consideradas peças-chave da Iniciativa: as usinas Jirau e Santo Antonio, no Rio Madeira, em Rondônia". Conclui, ainda, que "As usinas do Madeira são um laboratório em que os agentes econômicos internacionais, com predominância dos brasileiros, tentam estabelecer novos marcos de desrespeito à legislação ambiental e de amplo favorecimento financeiro às empresas envolvidas no projeto. São uma espécie de cabeça de ponte para estabelecer novos parâmetros de atuação do Estado, que tende a suavizar suas obrigações regulatórias".
Na edição de novembro de 2009, Luiz Fernando Novoa Garzon aporta mais elementos para o desmanche do "desenvolvimentismo" de Dilma Rousseff. Usando praticamente os argumentos que elencamos acima para caracterizar o capitalismo burocrático no Brasil, Novoa prefere adotar a denominação de imperialismo de aluguel ou subimperialismo. Aí ele destaca que:
"O empenho do governo brasileiro no G20 (grupo das vinte maiores economias do planeta) para reciclar a governabilidade da globalização e sua meta de tornar factível a Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA), replicando sua lógica no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), não deixa nenhuma margem de dúvida sobre a opção que o País adotou acerca de sua projeção externa. O BNDES, ao mesmo tempo em que se vai se tornando o principal esteio das obras do PAC, vai cumprindo o mesmo papel com relação aos corredores da IIRSA, deslocando o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de sua posição matricial originária.
A IIRSA não deve ser vista como um pacote de projetos físicos. Mais do que isso, ela é uma ferramenta política do imperialismo que, por dentro dos Estados nacionais sulamericanos, de forma coordenada, impulsiona acordos econômico-políticos, para aumentar a escala dos atuais corredores de exportação e criar novos, especialmente na Amazônia, onde o jogo político é mais visível com o desmonte da regulamentação ambiental, com a imposição de restrições às territorializações impeditivas (dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos) da territorialização única dos grandes negócios, e com a regularização da grilagem e do latifúndio e de todas suas práticas e modos criminosos". Conclui.