Salário mínimo: mentiras e verdades

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Iniciado 2013, o salário mínimo nacional passou de R$ 622 a R$ 678 – um aumento nominal de 9% e "real" de 2,73%, caso se considere o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) expressão da realidade, como manda uma lei diariamente desmentida na roleta do ônibus ou na prateleira do supermercado.
Como de costume, repetiu-se a cantilena das agências oficiais (IBGE, IPEA) e dirigentes sindicais oficialistas acerca da suposta valorização do salário mínimo levada a cabo pelos governos do PT desde 2003 (para alguns, ela teria começado com FHC).

Ao contrário, porém, do que se supõe em certos meios, uma mentira repetida mil vezes não se torna verdade. É preciso examinar mais detidamente essa questão – e este é um bom momento para fazê-lo, já que ela constitui uma das chaves para qualquer balanço honesto do decênio petista.

Qual é o valor do salário mínimo?

Quem disser R$ 678 acertou – mas só em parte. Este é, na realidade, o salário mínimo do trabalhador sem filhos, a minoria de nossa população assalariada. Para calcular o salário mínimo de pais e mães, é necessário levar em conta o valor do salário-família. Isso é o que o IBGE, IPEA, FGV e mesmo o DIEESE não fazem. Muito menos o farão, obviamente, O Globo, a Folha de São Paulo ou a Veja. AND o faz, na tabela abaixo, para famílias com até 4 crianças com idade inferior a 14 anos.

Tabela 1


Ano
Valor SM sem SF (R$) Valor SF (R$) SM + SF
(1 filho)
SM + SF
(2 filhos)
SM + SF
(3 filhos)
SM + SF
(4 filhos)
2003 240 13,48 253,48 266,96 280,44 293,92
2004 260 20 280 300 320 340
2005 300 21,27 321,27 342,54 363,81 385,08
2006 350 22,33 372,33 394,66 416,99 439,32
2007 380 23,08 403,08 426,16 449,24 472,32
2008 415 24,23 439,23 463,46 487,69 511,92
2009 465 25,66 490,66 516,32 541,98 567,64
2010 510 27,64 537,64 565,28 592,92 620,56
2011 545 29,43 574,43 603,86 633,29 662,72
2012 622 22 644 666 688 710
2013 678 23,32 (*) 691,32 714,64 737,96 761,28
* Projeção baseada no INPC, índice aplicável, por lei, aos benefícios previdenciários. O valor do salário-família para 2013 ainda não fôra definido quando do fechamento desta matéria.

E quanto ele subiu?

Já os percentuais de reajuste do salário mínimo nestes onze anos de governo petista (os dez últimos e o que começa) foram os desta outra tabela.

Tabela 2


Ano
INPC % acumulado (*) Reajuste % SM sem filhos Reajuste % SM + SF (1 filho) Reajuste % SM + SF (2 filhos) Reajuste % SM + SF (3 filhos) Reajuste % SM + SF (4 filhos)
Nominal Real Nominal Real Nominal Real Nominal Real Nominal Real
2003 18,54 20 1,23 19,98 1,21 19,97 1,2 19,96 1,2 19,95 1,19
2004 7,06 8,33 1,19 10,46 3,17 12,37 4,96 14,1 6,57 15,67 8,04
2005 6,61 15,38 8,23 14,74 7,3 14,18 7,1 13,69 6,64 13,26 6,23
2006 3,21 16,67 13,04 15,9 12,29 15,21 11,62 14,61 11,04 13,9 10,36
2007 3,3 8,57 5,1 8,25 4,79 7,98 4,53 7,7 4,26 7,5 4,06
2008 4,97 9,21 4,03 8,96 3,8 8,75 3,6 8,55 3,4 8,38 3,2
2009 5,92 12,05 5,79 11,8 5,55 11,4 5,17 11,1 4,89 10,88 4,68
2010 3,45 9,68 6,02 9,57 5,91 9,48 5,83 9,4 5,75 9,32 5,67
2011 6,47 6,86 0,37 6,84 0,35 6,82 0,33 6,81 0,32 6,79 0,3
2012 6,08 14,13 7,59 12,1 4,96 10,3 3,98 8,63 2,4 7,13 0,99
2013 6.1 9 2,73 7,34 1,17 7,3 1,13 7,26 1,09 7,22 1,05
Total 98,85 239 70,49 227,23 64,56 221,15 61,5 215,66 58,74 210,67 56,23
(*) Inflação acumulada desde o último reajuste, medida pelo INPC. Essa coluna não contém, necessariamente, à inflação do ano, já que, antes de 2010, o reajuste não ocorria em 01 de janeiro.

Afinal, esse aumento "real" entre 56,23% e 70,49% em 11 anos (média entre 5,1 e 6,4%) é ou não uma marca que merece ser comemorada? Aqui se busca responder a essa pergunta analisando a questão por quatro ângulos. Por qualquer deles e mais ainda pela soma dos quatro, a resposta é "não".

1 – O ponto de partida

Se a história do Brasil tivesse começado em 1995, como acreditam petistas e tucanos, esses 56 a 70% de aumento seriam, talvez, uma cifra merecedora de algum respeito. Porém, o salário mínimo foi criado em 1940. E, de 1959 a 1999, seu valor praticamente só diminuiu. O governo FHC levou-o a seu mais baixo valor desde sua criação. Os reajustes de Lula incidiram, portanto, sobre valores baixíssimos.
Na última página da nota técnica em que o DIEESE celebra o reajuste do início do ano, um gráfico resume o alcance da "política de valorização" em curso: após 11 anos e três governos petistas, o salário mínimo do trabalhador sem filhos está quase chegando ao nível de... 1983! O governo Lula sai-se razoavelmente na comparação com o de Fernando Henrique. Mas não resiste sequer à comparação com uma ditadura esgotada que, em plena crise financeira de 1982 e após dois choques petrolíferos sucessivos, ainda conseguia, em seu último ano, manter o piso salarial em R$ 689 atuais.

2 – Esgotamento e guinada à direita

Do governo da senhora Roussef, nem isso pode ser dito. A ênfase das agências oficiais e da imprensa mercantil monopolista no reajuste acumulado da última década é a cortina de fumaça atrás da qual pretende-se esconder a estagnação iniciada em 2011.
Se nos oito anos de Lula houve mesmo um certo alívio em comparação com a década de 90, fica evidente, agora, o alcance dessa "retomada": o aumento "real" médio em três anos sob Dilma é de 3,7% para o trabalhador sem filhos – algo como a metade dos 7,1% de seu antecessor. Os limites dessa retomada, portanto, foram atingidos – e são estreitos.

3 – O congelamento do salário-família

Para trabalhadores com filhos (maioria), a situação é ainda mais drástica: em 2012, o valor real do salário-família caiu 30%, o que faz com que o aumento "real" do mínimo no governo da senhora Roussef tenha sido de 2,7% para o trabalhador com um filho e 0,7% para o que tenha quatro. Para famílias mais numerosas, houve perda do valor real do mínimo, mesmo face ao índice oficial de inflação.
O salário-família permanece, nos onze anos de gestão petista, congelado. Apenas em 2004 teve um aumento "real" significativo, anulado depois pela redução de 2012.
O resultado disso, como já demonstrado, é que quanto mais filhos com menos de 14 anos ou inválidos tiver o (a) trabalhador (a), menor terá sido seu ganho na última década. Assim, o propalado aumento real nesse período é, no mínimo, discutível – e o dos últimos três anos é uma mentira pura e simples.

4 – Os padrões internacionais

A partir de fevereiro, o salário mínimo, hoje em R$ 1.271, subirá para R$ 1.369. O salário-família já havia aumentado, em setembro, de R$ 130 para R$ 160. Isso, porém, não ocorreu nem ocorrerá aqui, mas na Argentina – onde, por sinal, o custo de vida é menor. Em 2003, quando assumem Lula e Kirchner, o salário mínimo argentino e o brasileiro tinham valores equivalentes em dólares; hoje, o argentino vale o dobro.
Os argentinos, claro está, não vivem no paraíso. Tanto que os burocratas sindicais aliados ao governo de Cristina Fernández permitiram-se, no máximo, justificar em função da crise o valor do último reajuste, considerado baixo. Ninguém saiu comemorando como ocorre no Brasil quando o PT fixa um salário mínimo equivalente à metade e um salário-família correspondente a um oitavo dos praticados no país vizinho. Além do mais, grande parte dos trabalhadores argentinos trabalha "em negro" (sem carteira assinada), recebendo valores abaixo do mínimo estipulado por lei.
A Argentina é um país com território e população expressivos e estrutura econômica similar à brasileira, com forte dependência da exportação de soja, alguma indústria e proeminência do capital imperialista estadunidense e europeu. Seu governo move-se num marco político similar ao brasileiro e não tem nenhuma pretensão de dar fim à dependência. Não se trata, portanto, de um país imperialista, como a Alemanha ou a França (frente aos quais o abismo salarial seria ainda maior), nem de um exportador de petróleo, como a Venezuela, nem de uma nação pequena e por isso supostamente "mais fácil" de gerir. Muito menos de um Estado tendente ao socialismo.
O fato de um trabalhador argentino que receba salário mínimo e tenha dois filhos ganhar R$ 1.689 e um brasileiro nas mesmas condições R$ 722 só se explica, portanto, pela pusilanimidade do governo brasileiro. Ou talvez porque na Argentina, com todas as contradições que isso implica diante do fato de que o capitalismo semicolonial não é reformável, exista, de fato, reformismo. Já no Brasil, não há reforma alguma: apenas manutenção do status quo por uma versão subdesenvolvida de socialdemocracia.
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