No final de seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhou um projeto de lei ao Congresso com o objetivo de permitir a flexibilização de direitos trabalhistas, através da ampla prevalência do negociado sobre o legislado.
Esse projeto de lei (no. 5.483/2001), que chegou a ser aprovado na Câmara dos Deputados, previa:
“O art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação: 'Art. 618. As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho'”.
Ou seja, todo e qualquer direito não previsto expressamente na Constituição Federal poderia ser limitado ou excluído por completo através de negociação coletiva, exceto se relacionado à segurança e saúde do trabalho.
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A resistência encabeçada pela CUT e pelo PT, em 2001, acabou ganhando a adesão de grande número de outras entidades e especialistas em matéria trabalhista, entre eles o então presidente do Tribunal Superior do Trabalho, que defenderam inclusive a inconstitucionalidade do projeto.
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A Organização Internacional do Trabalho considera que o projeto, caso transformado em lei, afrontará diversas convenções da OIT reconhecidas pelo Brasil, eis que as convenções e acordos coletivos de trabalho teriam força superior às convenções internacionais ratificadas por nosso país.
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A tramitação do projeto chegou ao fim quando, em 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva requereu, através da Mensagem n. 78, a retirada do projeto, que então se encontrava no Senado.
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(Passados 10 anos, volta a CUT ao tema ao apresentar um Anteprojeto)....... Trata-se do Anteprojeto de Lei do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, elaborado no âmbito do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e que se tornou, instantaneamente, a “menina dos olhos” do meio empresarial. O que propõe a CUT/Metalúrgicos do ABC através desse Anteprojeto?
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Em síntese, o mesmo que buscava Fernando Henrique Cardoso através do Projeto de Lei n. 5.483/2001, e portanto o mesmo que a CUT combatia com unhas e dentes há meros 10 anos atrás: a flexibilização de direitos trabalhistas através da prevalência do negociado sobre o legislado, autorizando sindicatos e empresas a restringir ou eliminar direitos através da negociação coletiva.
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Cumpridos tais requisitos, vale dizer, obtida através de ingerências políticas na autorização do MTE, e criado formalmente, no papel, o Comitê Sindical, o que acontecerá a seguir? Nada menos que isto: ganhará ao sindicato o poder incontestatável de vida e de morte sobre todos os direitos trabalhistas hoje reconhecidos e que não estejam expressamente mencionados no art. 7º da Constituição Federal.
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Espera-se que, em breve, a CUT perceba o enorme risco que está a correr ao negar toda a sua história de luta e todas as expectativas que estão sobre ela depositadas, e anuncie o abandono em definitivo da proposta flexibilizadora de direitos e geradora de precarização social.
Pois uma Central Sindical envolvida com a flexibilização de direitos não será mais uma Central Sindical. Será um balcão de negócios, a maior parte dos quais inconfessáveis.
(ver a íntegra em www.pcb.org.br)
Rafael de Araújo Gomes, Procurador do Trabalho em Araraquara/SP