A "Comissão da Verdade" foi anunciada em 16 de maio. Os integrantes, quase todos juristas, foram nomeados pela gerente Roussef em meio a uma cerimônia cheia de lágrimas e populismo barato. Dilma bradou a verdade e a memória, mas negou a justiça - palavra que nem sequer pronunciada em seu discurso – e a necessidade de reescrever a história. Mas a justiça popular continua nas ruas, "esculachando" torturadores em todo o país.
Rousseff, entre seus pares, celebra mais um passo na impunidade aos torturadores
As organizações de ex-militantes políticos e os movimentos populares que defendem a investigação, julgamento e punição dos torturadores da gerência militar, não têm ilusão com os alcances dessa Comissão. As críticas não se restringem à ausência de caráter punitivo, mas também ao período abordado - de 1946 a 1988, o que na prática desvirtua o centro das investigações do período do gerenciamento militar. Além da demora em definir a Comissão, convocada seis meses após a aprovação da lei, ela também é criticada por não ser obrigada a divulgar todas as informações apuradas.
O que se espera dessa Comissão, é uma espécie de efeito blush na gerência atual. O que não podia mais ser explicado é que a atual gerente continuasse a agir como se não houvesse sido também uma vítima dos porões da ditadura, evidenciando o pacto político com os militares. Mas, o pacto continua. Afinal, já afirmou o vice-gerente Michel Temer, a "Comissão da Verdade" vai "pacificar o país". Pacificação, só se for nos mesmos moldes do que vem ocorrendo nas favelas cariocas.
E mal começaram os trabalhos a Comissão já confirma as suspeitas dos movimentos populares. Vários membros, como Paulo Sérgio Pinheiro, que é diplomata, já declararam que não vão pressionar pela punição dos torturadores. Outro membro, Gilson Dipp, que é ministro do Superior Tribunal de Justiça, atuou contra familiares de desaparecidos políticos do Araguaia, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Já o ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias, que também faz parte da Comissão, chegou a igualar torturadores a torturados e afirmou que todos deveriam ser investigados.
MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público Federal vai investigar as denúncias feitas pelo ex-delegado Cláudio Antonio Guerra, ex-chefe do DOPS do Espírito Santo, de que pelo menos dez corpos de combatentes da luta contra o gerenciamento militar teriam sido incinerados por ele mesmo na Usina Cambahíba, em Campos.
As "revelações" estão no livro "Memórias de uma guerra suja", um depoimento de Cláudio a jornalistas e que tem levantado uma série de questões entre os movimentos populares. Pelo momento em que foi publicado, suspeita-se que o livro contenha mais mentiras que verdade, visando desviar as atenções dos crimes e criminosos do regime militar.
GORILAS DE PIJAMA
Após o anúncio da composição da "Comissão da Verdade", os militares de pijama, reunidos em seus clubes de xadrez, declararam que vão criar uma comissão paralela para responder às investigações.
PEDIDO NEGADO
O cabo Anselmo, conhecido delator de militantes durante o regime militar, teve o pedido de indenização negado por unanimidade pela Comissão de Anistia. Ele pedia indenização de R$ 100 mil e alega que antes de ter passado para o lado de lá, havia atuado contra o regime. Ele foi responsável pela morte de mais de uma centena de pessoas, inclusive sua companheira Soledad, que estava grávida.
REJEITADA DENÚNCIA CONTRA USTRA
No dia 22 de maio, o juiz federal Marcio Milani rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado da Polícia Civil, Dirceu Corvina. Eles foram denunciados pelo MPF pelo sequestro de Aluízio Palhano, desaparecido em 1971. O MPF vai recorrer da decisão. O juiz afirmou, em sua decisão, que eles não podiam ser punidos porque a vítima já está morta e usou o discurso da gerente Dilma para justificar-se, já que ela mesma afirmou não querer a punição dos torturadores.
RS: IDENTIFICAÇÃO DE CENTROS DE TORTURA
Porto Alegre vai identificar os locais que serviram como centros de tortura durante o regime militar e torná-los centros culturais, para relembrar os mortos e desaparecidos políticos. A medida foi tomada como exemplo da Argentina, onde os centros clandestinos foram transformados em museus e toda a cidade ganhou placas indicativas da residência, prisão e passagem dos militantes.
PLACAS EM SÃO BERNARDO
Ações para reativar a memória daqueles que lutaram começam a se espalhar pelo país. No dia 19 de maio, São Bernardo do Campo teve os nomes de ruas e praças trocados. Onde antes vigoravam nomes que homenageavam torturadores, foram colocados os nomes de Olga Benário e Carlos Marighella.
"ESCULACHOS"
O dia 14 de maio foi marcado por "esculachos" aos torturadores, promovidos pelo Levante Popular, em onze estados do país: Pernambuco, Pará, Bahia, Ceará, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Faixas, cartazes, panfletos, palavras de ordem e dramatizações das torturas sofridas pelos militantes foram as armas utilizadas pelos jovens em suas denúncias.
Em São Paulo, cerca de cem jovens estenderam uma grande faixa na Rua Teresa Moura, 36, ap.23A, Guarujá, com a frase "aqui mora o torturador de Dilma". Era a residência de Maurício Lopes Lima, tenente-coronel reformado, torturador de Dilma Rousseff. Em 2010, ele foi identificado pelo Ministério Público Federal como um dos responsáveis pelo desaparecimento de seis pessoas e pela tortura de vinte, entre 1969 e 1970.
Em Belo Horizonte, mais de cem manifestantes relevaram que o médico-legista João Bosco Nacif da Silva era responsável por atestar laudos médicos falsos, dentre eles o de João Lucas Alves. João Lucas era militante do Comando de Libertação Nacional (Colina), ex-sargento da aeronáutica, e foi barbaramente torturado nas dependências do DOPS de Belo Horizonte. O laudo acusava suicídio, mas entrava em contradição ao informar de escoriações, hematomas e unhas arrancadas.
Em Teófilo Otoni (MG), os jovens tomaram as ruas da cidade para relembrar e homenagear Nelson José de Almeida, militante do Colina, desaparecido aos 21 anos, após ser torturado por Augusto de Assis Toledo, agente do DOPS de Minas Gerais.
Na Bahia, os jovens também tomaram as ruas. O protesto reuniu 150 jovens de diversas cidades e denunciou o torturador Dalmar Caribé, assassino de Carlos Lamarca e Zequinha Barreto. Os jovens se dirigiram à Associação de Karatê da Bahia, fundada pela família do torturador.
Em Sergipe, os jovens denunciaram o medido José Carlos Pinheiro, diretor do Hospital e Maternidade Santa Isabel. O médico acompanhava e diagnosticava a condição de saúde dos militantes presos, determinando se eles suportariam ou não a continuidade das sessões de tortura.
Em Recife (PE), a juventude denunciou o desembargador aposentado Aquino de Farias Reis, em frente ao número 240 do Condomínio Ilha das Flores, na Avenida Beira Mar. Ele era o delegado responsável pelo DOPS de Pernambuco durante a prisão, tortura e assassinato de Odijas de Carvalho, estudante de agronomia e destacado militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Odijas foi submetido às mais cruéis torturas, mas não entregou nenhuma informação aos agentes da repressão. Após uma semana de torturas, foi encaminhado ao hospital e faleceu dois dias depois. No dia 28, os jovens pernambucanos voltaram às ruas e ocuparam o Viaduto Presidente Médici, que foi rebatizado de Viaduto Pe. Antônio Henrique Pereira Neto.
Em Belém (PA), 50 pessoas protestaram em frente ao prédio do Ministério da Fazenda. Os jovens denunciaram que no órgão estariam trabalhando Magno José Borges e Armando Souza Dias. Os dois agentes da repressão eram ligados ao DOI-Codi, atuaram no combate à Guerrilha do Araguaia, no sul do estado, e hoje fazem parte da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Durante a Guerrilha do Araguaia, eles seriam – segundo denúncia de Paulo Fonteles, filho de militantes do Araguaia – responsáveis por ordenar o corte das mãos e de cabeças dos combatentes revolucionários.
No Rio de Janeiro, os manifestantes se dirigiram ao Flamengo, na rua Marquês de Abrantes, nº 218. Denunciaram que ali residia o ex-chefe do DOI-Codi no Rio, José Antônio Nogueira Belham, responsável pelo desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva. O deputado foi detido em casa e levado ao batalhão da Polícia do Exército. Os manifestantes chamaram a atenção dos vizinhos e transeuntes, com faixas, panelaços, cartazes e dramatização das torturas sofridas pelos militantes. Os que por ali passaram, deram seu apoio ao movimento.
Em Natal (RN), a Praça Cívica, em frente ao Palácio dos Esportes, foi tomada pelo povo para relembrar vários lutadores populares: Edson Neves (militante da Vanguarda Popular Revolucionária), assassinado em 1970; Emanoel Bezerra (destacado dirigente do Partido Comunista Revolucionário), assassinado em 1973, após sofrer diversas torturas, no DOI-Codi de SP, liderado por Fleury. Seu laudo foi assinado por Harry Shibata, esculachado em São Paulo no mês passado. Os jovens também homenagearam Anatália Alves (militante do PCBR), que atuava junto aos camponeses do Nordeste e foi barbaramente torturada, tendo seu corpo carbonizado; e José Silton Pinheiro (militante do PCBR), assassinado aos 24 anos no Rio de Janeiro e também teve seu corpo carbonizado.
No Ceará, em Fortaleza, 80 jovens se manifestaram em frente a antiga sede da Polícia Federal, hoje Secretaria da Cultura Municipal. Os jovens denunciaram que o local foi um centro de torturas e exigiram a mudança de nomes de praças, ruas e avenidas que levam o nome de torturadores na cidade. Na Paraíba, os estudantes promoveram manifestações na Universidade Federal da Paraíba e na Escola Estadual Presidente Médici, na capital João Pessoa. No Rio Grande do Sul, a cidade de Santa Maria foi invadida por cartazes que denunciavam as atrocidades do regime militar.