Quito, 07/08/2007 – O progresso legal dos países da América Latina e do Caribe não conseguiram acabar com a segregação feminina na vida política e pública, afirmaram participantes da X Conferência Regional sobre a Mulher que acontece em Quito, capital do Equador. Do primeiro dia do encontro, aberto pelo presidente Rafael Correa, participaram a presidente do Chile, Michelle Bachelet, e a vice-primeira-ministra da Espanha, Maria Teresa Fernández de la Vega, bem como delegações de mais de 30 países. Justamente no Chile e na Espanha os atuais governos iniciaram seus mandatos com a investidura de gabinetes paritários, a mesma quantidade de homens e mulheres à frente dos ministérios.
Embora o
acesso à primeira magistratura tenha significado a “derrota da exclusão e a
vitória da inclusão” e em seu país e em seu governo existam esforços para chegar
a uma “paridade na representação política e pública” de homens e mulheres, falta
muito para acabar com os “preconceitos” que permanecem, disse Bachellet. Devem
ser apoiadas todas as iniciativas que promovam o acesso da mulher à
“representação pública e política’ porque a equidade nesse terreno “não é um
tema numérico, mas de princípios democráticos”, acrescentou de la Vega.
Tanto as leis que estabelecem cotas obrigatórias para mulheres nos
órgãos políticos e nas listas eleitorais quanto outras iniciativas ajudam a
derrotar definitivamente a exclusão, disse Bachellet. Por isso, em setembro
enviará ao Congresso chileno um projeto de lei fixando cota mínima de
representação das mulheres nos cargos eletivos. Para Bachellet, a participação
trabalhista das mulheres, a mudança de suas relações na vida domestica e o fato
de ter alcançado a possibilidade de ocupar “um cargo de autoridade” em muitos
países constituem a maior revolução do século XX. “Mais mulher, mais democracia,
mais justiça. A igualdade não é um sonho”, conclui a presidente chilena sob a
ovação de centenas de participantes.
A vice-primeira-ministra da Espanha,
que se definiu como tributária de uma visão “democrática e feminista” do mundo,
afirmou que sobre milhões de mulheres pesa um fardo de injustiça por serem
consideradas cidadãs de segunda classe. Além de conseguir a paridade na
política, é necessária uma igualdade no trabalho que acabe com “a velha divisão
sexual do trabalho”, disse Fernández de la Vega. É fundamental a implementação
de leis e políticas de Estado que acabem com o trabalho domestico não remunerado
exercido por milhões de mulheres, afirmou.
“As mulheres atraíram a
atenção dos demais e assumiram como natural algo que não é”, por isso “é
imprescindível desenvolver políticas” para que se aborde a “responsabilidade
pública” dessas tarefas. “A necessidade de reconhecer o valor das mulheres para
a economia e a coesão social pelo trabalho doméstico não remunerado que realizam
e, ao mesmo tempo, a necessidade de oferecer propostas para que seja resolvido e
compartilhado de outra maneira é uma tarefa prioritária”, afirmou. Da mesma
forma, “é imprescindível continuar trabalhando por uma democracia inclusiva,
paritária, plena, que incorpore as mulheres em todos os âmbitos de decisão, e
assim por fim a uma injustiça secular, restituindo-lhes o pleno direito de
cidadania”, disse Fernández de la Vega.
Embora a participação política
das mulheres no âmbito nacional tenha aumentado na última década na América
Latina, se está longe da igualdade de gênero, afirma um estudo do Instituto
Internacional de Pesquisas e Capacitação das Nações Unidas para a Promoção da
Mulher (UN-Instraw). No âmbito do Poder Executivo, a proporção feminina passou
de 9% para 14% em 10 anos, no Senado cresce de 5% para 13% e na câmara baixa de
8% para 15%.
Mas, no plano municipal, a instancia de representação e
governo mais próxima da população e mais ligada à vida cotidiana, essa
porcentagem é muito menor e não cresceu de maneira considerável na última
década, afirma o UN-Instraw. Segundo dados colhidos pela agência das Nações
Unidas em 16 países latino-americanos, apenas 5,3% das administrações locais
estão lideradas por mulheres, equivalente a 842 dos 15.828 governos
municipais.
“No âmbito local há um paradoxo: o município é o espaço onde
as mulheres mais participam da vida econômica, social e cultural, mas onde menos
ocupam cargos políticos”, afirmou Carmen Moreno, diretora do UN –Instraw. Nos
países com leis sobre cotas para as mulheres nas listas para eleições municipais
aumentou consideravelmente a quantidade de vereadoras, disse Moreno. Mas, esse
mecanismo não se aplica às candidaturas únicas para as prefeituras, que
continuam sendo quase exclusivamente dominadas por homens.
Por sua vez, a
dirigente indígena equatoriana Blanca Chancoso disse à IPS que a discriminação
no meio político e público é muito maior quando a mulher é pobre, nativa ou
afrodescendente. A desigualdade na política também tem “um componente de classe
social e étnico que é necessário considerar”, ressaltou. A líder história do
movimento indígena equatoriana garantiu que os pobres, os indígenas e os negros
têm muito menos oportunidades de chegar a uma representação pública. A afirmação
é corroborada por outro estudo do UN-Instraw, segundo o qual as mulheres
indígenas experimentam o acesso aos recursos e a espaços de poder de maneira
diferente em relação aos homens e mulheres não-indígenas.
“Elas, que
representam quase 60% dos 50 milhões de indígenas da América Latina e do Caribe,
também enfrentam uma tríplice discriminação por sua condição de mulheres,
indígenas e pobres”, afirma a pesquisa. “Na Bolívia, Colômbia, Equador,
Guatemala e Peru, onde pelo menos a metade da população feminina é indígena, os
obstáculos estão relacionados com a tradição conservadora, a falta de
documentação, a alta porcentagem de analfabetismo, o escasso acesso a recursos
econômicos, à falta de mecanismos de desenvolvimento de capacidades e às formas
centralizadoras do exercício de poder, entre outros”, diz o estudo.
A
conferência, que terminará na próxima quinta-feira, é o fórum intergovernamental
mais importante da região para a análise de politicaspublicas de gênero e é
convocada a cada três anos para abordar a contribuição das mulheres para a
economia e a proteção social, sobretudo em relação ao trabalho não remunerado, e
a participação política e a igualdade de gênero. Ao inaugurá-la, o Presidente
Correa disse que “Oxalá o próximo governo equatoriano seja presidido por uma
mulher. Não podemos falar de desenvolvimento enquanto continuam as
discriminações de gênero. Na rua, ombro a ombro, somos muito mais do que dois,
dizia (o poeta uruguaio) Mario Benedetti. Pátria com rosto de mulher,
bem-vindas”, concluiu. (IPS/Envolverde)
Crédito da imagem: Joe
O'Brien
(Envolverde/ IPS)