O “BOLSA-TRAIÇÃO”

É mais do que conhecida toda a tenebrosa trajetória do marinheiro José Anselmo dos Santos, o famigerado "Cabo Anselmo", desde a sua atuação na Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, até a sua conversão em dedo-duro profissional, atolado até a alma nos órgãos de repressão que ele ajudou, cumprindo tarefas nefastas e outras barbarias inomináveis. 

Recentemente, veio a lume, até para quem nunca ouviu falar nesse personagem sombrio, num programa policial de TV de horário nobre, todas as vísceras podres desse processo histórico em que o Brasil mergulhara durante muito tempo. No meio disso tudo, aflorando à tona, aparece o Cabo Anselmo, de cabelos brancos nada respeitáveis, ensopados de sangue.

A direita, agora, além de inventar a expressão "Terrorismo Nunca Mais" (o que deveria significar de verdade "64 nunca mais") lançou outra pérola: "Bolsa Terrorismo", que é uma designação pejorativa para as indenizações que militantes de esquerda e familiares estão recebendo enquanto são humilhados na procura que empreendem pelos ossos dos parentes trucidados durante o "ótimo" governo Médici (que tinha trazido o Maverick e a TV a cores) quando o Direito praticamente era o próprio AI-5 e o desenvolvimento era confundido com as metas econômicas alcançadas sob arrocho salarial.

Chegou a vez de Anselmo pleitear reparações na Justiça. Ele entrou com um pedido de indenização junto ao STF e espera receber o Bolsa-Traição. Deseja ser remunerado pelos assassinatos que ajudou a consumar. E o processo está sendo examinado há um tempo. Ao que parece, há uma possibilidade tristíssima deste homem ser indenizado como perseguido político, apesar de tudo o que se sabe sobre ele. Não nos causará estranheza se chegar ao posto de Almirante.

No desespero da História, as direitas militar e civil, que vêem nos outros o terrorismo e neles mesmos o mais austero e sublime patriotismo, agarram-se agora à causa de Anselmo (o “Agente Kimble”, segundo lhe alcunhou o próprio Fleury).

A direita ultraconservadora só faz o que lhe convém, nada mais do que isto. Exemplo disto foi que, em certa solenidade, em homenagem aos militares mortos na Guerrilha do Araguaia, no dia 24 de junho de 2005, o deputado militar Jair Bolsonaro defendeu a idéia de inscrever o nome do soldado Mário Kozel, morto num atentado perpetrado pela guerrilha em 1968, na galeria de heróis do Exército Brasileiro, evidentemente só porque foi vítima de guerrilheiros.

Todos sabemos como praças são e sempre foram tratados nas Armas. Possivelmente, se este menino não tivesse morrido na explosão do carro-bomba, Kozel seria para o Exército apenas mais um recruta subalterno, obrigado a prestar continência sob pena de ser preso por qualquer bobagem, ou porque não se barbeara direito ou porque o coturno não estava bem encerado. Tudo isso atormenta a vida de um soldado nas FFAAs, qualquer um sabe disso. Então, pessoas como o coronel Ustra e o deputado Bolsonaro se aproveitam disso para recolher certo capital que possa ser aplicado contra a esquerda.

Oficiais daquela época seriam muito bem capazes de mandar punir qualquer soldadinho que cometesse um deslize. Se o Kozel estivesse sob ordens de um Ustra ou um Bolsonaro, na época, talvez fosse obrigado a lustrar suas botas, caso a roupa não estivesse bem passada ou o cabelo cortado rente.

As humilhações morais que soldados e cabos muitas vezes recebem podem até mesmo motivar suicídios e problemas emocionais entre os militares de baixa patente. Isso acontece, mas não é noticiado. Mas o Kozel morreu por ação da guerrilha e foi aproveitado, hoje, pelos seus superiores, nas manifestações do TERNUMA. Tornou-se conveniente, erguido à condição de herói, sendo que ninguém pode saber as tantas que ele deve ter suportado de seus superiores no quartel.

O caso de Anselmo é muito diferente. Sua pracinha é particular. Perto dele, admito que Kozel é herói mesmo. Anselmo sempre foi um pária para todas as seções da repressão. Era apenas um linguarudo de boca grande que, tão logo cumprisse com as suas carniçarias, seria descartado. E foi o que aconteceu mesmo. Fleury conseguiu até ganhar uma lei, talvez até chacoteando: “Anselmo agora que se vire!”. Com a redemocratização, o Estado que criou Anselmo foi desaparecendo aos poucos e as benesses sumiram. Era hora de correr e sumir, se esconder. Os "das antigas" poderiam pegá-lo para um justiçamento.

TRAIDORES E TRAÍDOS: QUEM É QUEM?

Em uma determinada entrevista publicada em um noticiário eletrônico, um policial barra-pesada, da equipe fleurista, conhecido pelo horroroso vulgo de "Carteira Preta" disse a respeito de Anselmo: "O Estado o traiu".

Quando "Carteira Preta" diz uma coisa dessa, é possível encontrar algo de verdade nessa frase. Quem traiu Anselmo foi o Estado militar que ele ajudava, entregando militantes de oposição para as câmaras da morte. O Estado o traiu mesmo. O Estado eram os MILITARES. O Estado não éramos nós todos, não. Eram os militares que, através de seu primeiro-ministro Sérgio Paranhos Fleury, dispunha de qualquer um como bem quisesse. Cessando o Estado militar, cessaram Fleury, "Carteira Preta", Anselmo e muitos mais. Cessaram todos eles, mas seus crimes não prescreveram.

Que devemos a eles, então? Ou melhor, o que eles nos devem? Eles devem muito. Nós não os traímos: fomos traídos por eles. O que somos hoje foi fruto do combate a esse tipo de gente. Os envolvidos com Anselmo que façam uma “vaquinha” e mantenham o sujeito. Esses é que nos devem muito, e são os verdadeiros traidores. O TERNUMA que pague as contas de Anselmo.

Aquela ditadura militar descarada, que desgraçou o país social, política e economicamente, atrasando várias gerações, em vez de mandar o Cabo Anselmo ir passear nas Bahamas com o bolso cheio de dinheiro em paga pelo que tinha colaborado, fê-lo tornar-se um aflito sem cara, sem identidade, vagando como um demônio de óculos escuros, do jeito que está hoje.

O Estado militarista o desamparou e ele recebeu o que merecia. Ficou exilado dentro do país. Não deixaram a ele nenhum tijolo para reconstruir o escombro de sua vida abominável e cheia de lama. Os militares o abandonaram à "democracia". O Estado que deveria indenizá-lo, sumiu. Que faz ele, agora?

Um certo general infeliz disse, numa entrevista em livro, que a esquerda é que tem o dever de cuidar dos seus mortos. Mas como cuidar dos mortos que os militares esconderam? Como passar a vida toda cavando com as próprias mãos uma cova aqui e outra acolá em busca de fragmentos de ossos e crânios rachados a pauladas e tiros? Eles sabem os locais e não querem revelar. Portanto, os mortos da esquerda também são problema deles.

As baixas entre a repressão estão registradas. São reconhecidas. Tem cemitério. Enquanto isto, em caixas de papelão, cabelos e ossos de torturados jazem sem reconhecimento, restos de vitimados pela guerra suja da ditadura. Muitos que passaram pelas mãos bestiais de elementos cognominados de "Camarão", "Varejeira", "Pé-de-Porco", "Comendador" e sabe-se lá quem mais nesse enorme séquito de diabos da tortura e do crime.

Então, a direita que cuide do Cabo Anselmo, leve-o para casa, lhe dê de comer, vestir e morar. Transforme-o em seu urso de pelúcia. Compre para ele aquela chácara no Nordeste em que foram assassinados alguns dos últimos militantes da VPR que ele entregou, fazendo o seu serviço imundo. 

A direita que cuide de José Anselmo dos Santos, e o indenize, através do BOLSA- TRAIÇÃO!] 

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