Rio de Janeiro, Brasil, 6/10/2010 – As eleições presidenciais brasileiras, que serão decididas no dia 31, reiteram o confronto entre as duas forças que dominam a política nacional desde 1994, mas a surpreendente votação da candidata Marina Silva, do Partido Verde (PV), aponta para o esgotamento desse modelo.
As primeiras análises do primeiro turno destacam que os 19,6 milhões de votos obtidos pela ex-ministra do Meio Ambiente (2003-2008), equivalentes a 19,3% do total de votos válidos, têm como causa o conservadorismo religioso do eleitorado, tanto evangélicos como católicos.
Marina, da evangélica Assembleia de Deus, duplicou a votação que lhe era atribuída pelas pesquisas há um mês. Seu crescimento nas últimas semanas é atribuído à migração de adesões de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), que os teria perdido por sua posição ambígua diante da despenalização do aborto e sobre religião. Dilma, cujo favoritismo nas pesquisas nos dois últimos meses parecia assegurar-lhe maioria absoluta no dia 3, terminou com 46,9% dos votos válidos, enquanto seu principal adversário, José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), obteve 32,6%.
Também contribuiu para a corrosão da candidatura de Dilma o escândalo de nepotismo e tráfico de influência envolvendo a ex-chefe da Casa Civil da Presidência, Erenice Guerra, que sucedeu Dilma no cargo e era uma de suas assistentes de confiança. Erenice foi obrigada a renunciar no dia 16 de setembro. Porém, as principais razões do crescimento eleitoral de Marina Silva foram suas posições “progressistas” e não as conservadoras, segundo Fátima Pacheco Jordão, analista de opinião pública da feminista Agência Patrícia Galvão.
A candidata do PV representou “o novo” nestas eleições, ao impor a questão da sustentabilidade ambiental na disputa presidencial e oferecer “uma segurança ética”, especialmente ao eleitorado feminino, depois de tantos escândalos de corrupção, disse Fátima. Inclusive na questão do aborto, Marina teve a iniciativa “mais avançada”, ao propor um plebiscito sobre a despenalização da interrupção da gravidez, enquanto Dilma se declarava contra, negando sua posição anterior, e Serra pretendendo “deixar como está a legislação”, acrescentou Fátima à IPS.
Os resultados definitivos, divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, representam um “alerta” para as forças políticas dominantes de que a sociedade busca “algo novo, diferente” da disputa bipolar entre PT e PSDB, que monopolizou as quatro últimas eleições presidenciais, destacou Jorge Nahas, secretário de Políticas Sociais da prefeitura de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais.
O fenômeno Marina Silva foi sentido especialmente na capital mineira, entre jovens e movimentos culturais, não no interior onde é mais influente a religiosidade, disse Jorge à IPS, baseado em suas observações de militante do PT ativo na campanha eleitoral. Em Minas Gerais, segundo Estado mais populoso do Brasil, apenas superado por São Paulo, talvez seja mais acentuada essa tendência, já que se trata de um Estado de forte participação política e fé católica.
Além disso, é onde o PT apoiou como candidato o governador Hélio Costa, do PMDB, que reúne forças políticas e interesses tradicionais. Trata-se de “uma marca pesada”, lamentou Jorge. O resultado foi o folgado triunfo opositor para os cargos de governador e senador do Estado. O fator “decisivo” na grande votação verde foi a “rebeldia e o protesto” contra o quadro político nacional, mais do que as questões religiosas, disse Jorge.
Sua avaliação parece confirmar-se pelo fato de Marina acentuar, nas últimas semanas de campanha, a necessidade de construir uma terceira via, fugindo do confronto PT-PSDB, que mantém refém a política brasileira, com as sucessivas vitórias do primeiro nesta década e do segundo na década passada. Marina obteve a melhor votação dos terceiros candidatos de todas as eleições presidenciais desde que o Brasil saiu da ditadura (1964-1985). Assim, “concretizou a terceira via de fato, como fator novo e moderno”, definiu Fátima.
Os votos que ganhou nas vésperas da votação foram dados principalmente pelas mulheres que decidiram na última hora, ponderando as alternativas com todas as informações disponíveis, disse Fátima. São essas mulheres que determinam o resultado de eleições nas quais poucos votos definem o desenlace, e a maioria optou pela ex-ministra do governo Lula, do qual se afastou por profundas divergências na política ambiental e de desenvolvimento.
Há uma “percepção virtuosa da mulher”, como menos corrupta e mais responsável, acrescentou. E Dilma perde essa vantagem ao sofrer o desgaste de sucessivos escândalos governamentais, sobretudo o que chegou mais próximo: as acusações de que sua sucessora, Erenice Guerra, supostamente teria favorecido vários parentes em negócios pendentes da Casa Civil da Presidência.
Ainda assim, Dilma vai para o segundo turno com grande favoritismo, porque a votação obtida no primeiro turno “está consolidada” e falta muito pouco para que obtenha a maioria absoluta, concordam Fátima e André Pereira, analista político da consultoria CAC, de Brasília. Dilma precisa conquistar apenas uma pequena parcela dos votos de Marina, evitando erros de campanha e intensificando sua presença junto aos setores evangélicos que, segundo André, foram decisivos para levar a disputa para segundo turno, ao “migrarem” para a candidata do PV.
Por outro lado, José Serra tem dificuldade para ampliar o número de seus eleitores. A perda sofrida por Dilma pouco o beneficiou, disse André. Além disso, o presidente Luta e muitos governadores eleitos no dia 3, a maioria da coalizão governante, deverão apoiar ativamente a candidata do PT, acrescentou. Entretanto, Serra conta com o apoio de governadores eleitos nos dois Estados de maior população, São Paulo e Minas Gerais, e com melhor votação em regiões economicamente fortes, o sul e o centro-oeste do país. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)