Para o professor da PUC-RJ, Paulo d’Avila, processo eleitoral era mais polarizado ideologicamente à época. "Das eleições de 1994 pra cá, o comportamento eleitoral lembra mais uma curva normal, na qual a maioria se encontra no centro do espectro político, oscilando do centro para a esquerda da curva imaginária ou para a direita desta mesma curva".
Marco da redemocratização, as eleições presidenciais de 1989 são, por vezes, analisadas pelo ângulo da “clareza ideológica”, o que, em tese, possibilitava ao eleitorado identificar os lados da disputa. Tratava-se da primeira eleição direta para presidente da República após quase 30 anos e uma ditadura militar que durou 20. Tudo tinha certo ar de novidade para boa parte da população brasileira.
Hoje, as eleições constituem um processo rotineiro na vida do eleitor. Para muitos, a questão ideológica parece menos importante, dando lugar ao discurso da eficácia e da gestão responsável, aparentemente, sem grandes nuances nos programas de governo dos partidos, bem como nas coalizões. Outros, entretanto, consideram o processo como parte de um cenário que se assentou e que partidos e candidatos são produtos de tempos específicos.
Em entrevista concedida à reportagem da Fórum, o professor do Departamento de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Paulo d’Avila, avalia o momento de 89 e aponta as tendências da atualidade.
Fórum - Como o senhor analisa o grande número de candidatos e siglas nas eleições presidenciais de 1989?
Paulo d’Avila - Vivíamos um momento singular de abertura democrática após quase 30 anos sem eleições diretas para presidente da República, que foi acompanhando por significativo realinhamento partidário, além de um perfil volátil do eleitorado. Um cenário de incerteza mais convidativo a experimentações. Com o tempo, as clivagens políticas se assentaram, reduzindo o número de alternativas disponíveis e aumentando o leque de alianças interpartidárias.
Fórum – No mundo, houve uma tentativa, até certo ponto bem sucedida, de dissolver os conceitos de esquerda e direita a partir da década de 1990, com o objetivo de robustecer um pensamento hegemônico. Alguns defendem tal postura como um avanço democrático e dizem que o que importa é a “radicalização da democracia”. Porém democracia para quem? E de que forma?
d’Avila – É bom que o debate em torno dos temas relevantes que você propôs – democracia para quem? E de que forma? – aconteça em um ambiente plural, constituído de robustas instituições democráticas. A consolidação da democracia não atrapalha o desenvolvimento deste debate.
Fórum – Nota-se que muitos partidos e candidatos se definem, hoje, como do campo progressista, o que supõe um campo conservador. De direita ou esquerda é difícil observar alguém se assumir. Adequação aos novos tempos? Mais conservadorismo?
d’Avila – Não vivemos em uma sociedade mais conservadora, mas certamente em um mundo mais plural, cujas diversas tonalidades sugerem mais um gradiente de cores do que a clareza de um mundo preto e branco, no qual amigo e inimigo eram de fácil identificação. É preciso lembrar que as eleições de 1989 acontecem no fim de um longo período em que o inimigo comum, a ditadura militar, era bem conhecido. As clivagens políticas não desapareceram, mas se tornaram mais complexas.
Fórum – E o eleitorado? Em que situação estava em 89 e está hoje? O perfil do eleitor tornou-se mais ou menos conservador? Houve despolitização de lá para cá?
d’Avila – O eleitorado sofreu algumas mudanças, sim. Em 1989 é possível dizer que ele se encontrava mais polarizado, correspondendo aos discursos nesta direção. Das eleições de 1994 pra cá, o comportamento eleitoral lembra mais uma curva normal, na qual a maioria se encontra no centro do espectro político, oscilando do centro para a esquerda da curva imaginária ou para a direita desta mesma curva, o que talvez explique as guinadas ao centro dos candidatos com maior expressão eleitoral nas últimas quatro eleições.
Fórum – Por que isso ocorre?
d’Avila – Isso ocorre por razões múltiplas e controversas entre os especialistas, mas vou me deter em apenas um plano. Paradoxalmente, parece que a consolidação democrática, a estabilidade política e a rotinização dos procedimentos conduz até uma sedimentação, uma espécie de efeito de decantação das alternativas políticas. A democracia brasileira está mais madura que em 1989, havendo pouco espaço para aventuras como a de um líder sem partido, como Collor. Consolidada a democracia, o debate se torna mais refinado: que sociedade democrática se deseja? Mais inclusiva? Como? Em que?
Isso exige sensibilidade aguçada na hora de fazer escolhas. Além disso, já se disse certa vez que a democracia é o melhor governo medíocre, ou seja, que opera com a mediana das expectativas sociais. Não há nem despolitização nem conservadorismo, nem apatia eleitoral. O governo conta com uma mundialmente inédita aprovação social em um segundo mandato. Para que este eleitorado desista de reconduzir o governo, caso seja convencido de sua continuidade com a candidata da situação, será necessário convencer, sem garantias, de que seja possível um governo ainda melhor pela oposição. Não é tarefa fácil e não há nada de conservador ou despolitizado no comportamento desse eleitorado. Todos votam pela mesma razão: interesses e valores. O que variam são os interesses e os valores.
Fórum – Algumas alianças impensáveis em 89 e que ocorrem agora podem ser explicadas de que maneira para entender as mudanças políticas no Brasil desde 89?
d’ Ávila – A mal sucedida experiência do governo Collor deixou claro que não é possível possuir estabilidade governamental sem um amplo leque de alianças partidárias e base de apoio social e parlamentar. Em outras palavras: é impossível governar sozinho o Brasil. O governo de Fernando Henrique Cardoso entendeu isso em sua aliança PSDB-PFL e o governo Lula também, com sua aliança PT-PMDB. O fato sugere antes amadurecimento político do que qualquer outra coisa.
Fórum - No cenário atual, quais os reflexos, entre partidos, candidatos, eleitorado, mídia, vindos de 89?
d´Avila – De um modo geral é possível identificar certo amadurecimento político – proveniente do exercício continuado da vida democrática nacional – por parte de todos os envolvidos; partidos, eleitores e mídia. Como exemplo, o que é possível dizer é que se em 1989 se acusou certo veículo de informação de interferir nos resultados de uma eleição nacional, desde as eleições nacionais de 2006 ficou claro que o mesmo veículo, em que pese os esforços, não conseguiu emplacar a alternativa política que abraçou. Acho que isso diz algo sobre um ambiente democrático mais plural e eleitores mais experientes e cônscios das escolhas.
(Envolverde/Revista Fórum)
- Por Moriti Neto