Bem, milhares de anos de depois, aqui estamos nós, às vésperas da maior oportunidade deixada pelas raízes gregas nas civilizações ocidentais: eleger, através do voto popular, os líderes do país para os próximos quatro anos. Em uma única votação, escolheremos o próximo presidente e seu vice, os deputados federais e senadores que representarão nosso Estado no Congresso Nacional, além do governador e vice de cada um de nossos estados e dos deputados que nos representarão na Assembléia Legislativa.
Todavia, diante da propaganda eleitoral gratuita e obrigatória, a herança dos conterrâneos de Platão que mais me salta aos olhos não é a da democracia, mas a dicotomia entre Tragédia e Comédia, elementos do teatro grego.
Ao assistir os programas, me pergunto: seria trágico se não fosse cômico ou seria cômico se não fosse trágico?
O que dizer de um candidato que usa como principal elemento de sua campanha a completa descrença que o povo brasileiro tem na melhora da qualidade dos políticos que nos representam? "Pior que tá não fica"? Ah, fica...
Sinto vergonha! Como conterrânea de Vladimir Herzog, Carlos Marighella e Zuzu Angel, entre muitos outros que sofreram todo tipo de perseguição e tortura, pagando com a vida o alto preço da liberdade de expressão, de opinião, de exercício dos direitos políticos, não consigo ver comédia numa peça publicitária que vende ao povo brasileiro um candidato que assume que não faz idéia de qual o papel desempenhado por um deputado, cargo que este ignorante pleiteia.
Sinto vergonha! Como formada em Comunicação Social, carreira que escolhi inspirada nas premiadas peças publicitárias de Washington Olivetto, Cristina Carvalho Pinto, Roberto Duailibi e Eugênio Mohallem, acho trágico que uma nação aceite que se transforme a propaganda político-partidária em chacota. Sua função social é informar, não divertir a população. Diverte, mas não deveria, não é comédia: é tragédia.
Mas, vergonha e indignação realmente me causam a absoluta e completa alienação deste povo, cujos antepassados ajudaram a derrotar a opressão totalitária do nazi-fascismo nos campos da Itália. Como pode um povo, herdeiro desses ideais de democracia e liberdade, aceitar ser feito de palhaço por pessoas que esperam aproveitar-se da nossa única oportunidade de pôr fim à palhaçada? Interessados apenas em ocupar um cargo público para gozar de benefícios e honrarias destinados aos legítimos representantes do país, estes oportunistas pretendem convencer um povo desiludido e pouco instruído de que, já que não há opção de melhora, qualquer um serve!
Isso não é verdade!
Há opção de melhora, sim! Basta que, ao invés de nos comportarmos como eles esperam, ou seja, quietos, alienados e capazes de achar graça na desgraça, nos manifestemos de forma consciente e responsável.
Como escolher? Como fazemos para qualquer outra decisão importante que tomamos em nossas vidas: avaliando prós e contras, pesquisando, buscando informações, tomando referências.
Alguém, em sã consciência, contrata uma babá para cuidar dos filhos sem antes saber se ela tem condições profissionais, pessoais e psicológicas para lidar com crianças?
Por que então, contratar centenas de pessoas que cuidarão do futuro de nossos filhos sem ter o mesmo cuidado?
O candidato que pede seu voto está capacitado para ocupar o cargo que pleiteia? Possui a tão falada "Ficha Limpa"? Defende os mesmos valores morais e éticos em que você acredita? Apresenta propostas condizentes com o que você espera para o futuro de nosso estado e país? Já realizou boas coisas na vida pública? Tem experiências positivas dentro da comunidade que busca representar?
Enquanto não mudarmos nossa forma de enxergar as coisas públicas, não mudaremos a realidade. O que é público, hoje, é visto como se não fosse de ninguém. Eis o engano: o que é público é de todos nós. Todos, portanto, temos obrigação de fazer com que nosso país seja respeitado pelos governantes e líderes políticos, e a única forma de exercer esse dever é através do direito de escolha.
Em outubro, quando estivermos diante da urna, temos obrigação de fazer bom uso desse direito. Pela memória dos que lutaram antes de nós para que tivéssemos esse direito, pela necessidade de mudar o presente e pelo futuro que queremos deixar para aqueles que amamos.
É hora de assumirmos a responsabilidade que temos sobre nossas escolhas. Afinal elas influenciarão não apenas as nossas vidas, mas a vida de todo nosso povo e nosso país.
* Mariana Zinni é brasileira, funcionária pública, formada em Comunicação Social