As sucessivas reformas da Previdência, principalmente a Emenda Constitucional 41, de 2003, que extinguiu a aposentadoria integral dos servidores públicos, submeteram a Magistratura brasileira a redutores de valor, tábuas de conversão, recálculos e adaptações, solapando o preceito da irredutibilidade de seus proventos.
Trata-se de um duro golpe nos integrantes do Judiciário, que, na fase final de sua carreira, têm de conciliar o complexo exercício de suas funções, fundamental para os indivíduos e a sociedade, com a angústia ante a iminente redução drástica de sua renda mensal.
A gravidade do problema torna muito pertinente a Proposta de Emenda à Constituição 46, de 2008, em trâmite no Congresso Nacional, que visa ao restabelecimento da aposentadoria integral dos juízes e de integrantes da Promotoria e da Defensoria Pública que ingressaram nas carreiras após a reforma previdenciária. A matéria resgata a plenitude do preceito constitucional relativo à irredutibilidade do valor dos subsídios e proventos, fundamentada, de modo inequívoco, no Artigo 95, III, da Carta Magna. Restabelece, assim, importante princípio da Constituição de 5 de outubro de 1988, referente à liberdade e à independência funcionais inerentes à prestação da jurisdição.
Prestes a ser votada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a PEC 46 é ainda mais necessária e justa se considerado o fato de que as alterações previdenciárias reduziram as aposentadorias sem quaisquer contrapartidas nas contribuições, cuja proporcionalidade manteve-se atinente aos salários da ativa. Ou seja, os magistrados continuaram recolhendo o mesmo valor, mas passaram a receber proventos muito menores. É uma clara e injustificável distorção!
Entendê-la à luz da precisão matemática é fundamental para evidenciar a improcedência dos argumentos contrários à emenda que evocam o déficit da Previdência. Estudo encomendado pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) demonstra que o total das contribuições pagas no período de 35 anos por um servidor garante o equivalente a 2,5 aposentadorias integrais. O cálculo considera a sobrevida provável de 20 anos, tomando como base a longevidade média dos brasileiros, de 72 anos.
Sobre o salário dos magistrados incidem a contribuição patronal, de 22%, e a pessoal, de 11%, totalizando 33%. É importante lembrar que, após a aposentadoria, o recolhimento continua, o que é absurdo. O capital resultante do recolhimento na ativa, aplicado em caderneta de poupança, soma R$ 6,5 milhões.
Tal valor, com juros de 0,5%, propicia renda superior a R$ 32 mil por mês, sem contar a correção monetária. Uma ressalva: o salário de referência utilizado no estudo foi de R$ 10 mil, ou seja, bem menor do que o valor médio de toda a trajetória profissional de um juiz, desde o início da carreira até a função de desembargador nos Tribunais de Justiça.
Os números corroboram o princípio constitucional da irredutibilidade e evidenciam que a aposentadoria integral não se configura como privilégio, mas sim como direito legitimado inclusive pela álgebra! Portanto, é preciso disseminar a consciência de que a integralidade dos proventos dos magistrados não causa déficit algum, desde que os recursos sejam bem geridos pelos administradores da Previdência. Aliás, a gestão do dinheiro recolhido por todos os trabalhadores brasileiros é sim uma questão a ser amplamente debatida.
Também não resiste à lógica a contestação de que a PEC 46 afetaria o conceito da distribuição de renda. Ora, a Previdência tem caráter retribuidor e não distributivo. Este é reservado ao Imposto de Renda, no qual os que ganham mais recolhem por aqueles que não podem pagar. No pecúlio, cada um contribui sobre os seus salários para ter um benefício proporcional aos recolhimentos.
Muito além dos números, há uma questão maior em jogo. As dificuldades financeiras agravam-se exatamente no fim da vida, com o magistrado chegando aos 70 anos, momento em que os gastos com assistência médica, remédios e outros cuidados são incompatíveis com um decréscimo radical nos rendimentos. Impor sentença de tal natureza aos juízes desestimula o ingresso na carreira por parte dos bacharéis em Direito e compromete a sua independência no exercício profissional. O prejuízo maior, obviamente, é para a sociedade, apenada pela ausência de bom senso. Assim, a aprovação da PEC 46 seria a melhor resposta a uma instigante pergunta que se coloca aos brasileiros: qual Magistratura a Nação quer ter daqui a 20 anos?
*Desembargador Antonio Cesar Siqueira é o presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj).