Após novo adiamento anunciado na segunda-feira 21, a comissão especial da Câmara criada para avaliar o projeto marcou para a terça 29, a análise do relatório de Rebelo – não será surpresa, no entanto, se os parlamentares adiarem novamente a apreciação. Aprovado na comissão, o texto seguirá para o plenário, mas dificilmente será avaliado antes da eleição, de acordo com profissionais que acompanham o processo parlamentar. A expectativa dos ambientalistas é de que a proposta de alteração seja aprovada conforme o texto do relator, diante da maioria ruralista na comissão. No plenário, os desdobramentos são incertos, mas o calendário eleitoral poderá atrapalhar.
O coro dos descontentes uniu a ex-ministra do Meio Ambiente e candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, seu substituto imediato, o hoje deputado estadual Carlos Minc, e a titular da pasta, Izabella Teixeira, segundo a qual o texto poderá resultar em uma versão rural da chamada guerra fiscal entre os estados, um problema em geral ligado à indústria e aos serviços. Ambientalistas ligados a ONGs brasileiras e estrangeiras, deputados da Frente Parlamentar Ambientalista, estudiosos da Amazônia e pesquisadores do meio ambiente (não apenas rural, mas também urbano) se dizem preocupados com os efeitos potencialmente nocivos do projeto.
Os ambientalistas consideram que Rebelo erra ao limitar o poder do governo federal na formulação da legislação ambiental, a começar pela definição das Áreas de Proteção Permanente (APPs), cuja extensão poderia ser reduzida em até 50%. E citam as enchentes em Santa Catarina, em 2008, um estado muito afetado pela criação de frangos, cujos dejetos muitas vezes poluem os rios e reduzem sua capacidade de carga. A despeito da lei atual e das tragédias, a Assembleia local reduziu a proteção da vegetação ciliar, o que levou o PV a entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade, em apreciação no Supremo Tribunal Federal.
“O texto do relator delega a estados e municípios a prerrogativa de fixar os limites das APPs, as faixas de terra ocupadas ou não por vegetação nas margens de nascentes, córregos, rios, lagos, represas, no topo de morros, dunas, encostas, manguezais, restingas e veredas”, afirmou em uma nota a frente ambientalista. Equivalentes a 20% do território brasileiro, essas áreas são protegidas por lei federal, inclusive nas cidades – legislação que tem sido incapaz de deter a degradação ambiental, tanto no campo como nas áreas urbanas.
“Esses mesmos espaços territoriais, não por acaso, são considerados pela Defesa Civil como áreas de risco, em razão dos eventos climáticos extremos, tais como as cheias e trombas d’água que desalojaram milhares e milhares de famílias, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do País, nos últimos anos”, anotou em artigo o advogado André Lima, ex-integrante da equipe de Marina no ministério e coordenador de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), ONG que conta com o ex-reitor da USP Adolpho Melfi e o cientista Carlos Nobre, do Inpe, como integrantes do seu conselho diretor.
Outro ponto considerado crítico é a anistia dos desmatamentos ocorridos até julho de 2008 – e nesse ponto Kátia Abreu poderá se dar bem. Em 2004, a senadora foi multada pelo Ibama (em 120 mil reais, a valores de hoje) por devastar quase 800 hectares. Ela argumenta que decidiu desmatar a área mesmo sem autorização, diante da “demora do Ibama em liberar”. Rebelo nega que o texto siga nessa direção: “Não se trata de anistiar os desmatadores. Eles terão cinco anos para aderir ao Programa de Regularização Ambiental, se não fizerem isso terão de pagar as multas”, afirma o deputado.
Outro ponto polêmico é o que retira dos pequenos proprietários (com até quatro módulos fiscais de área) a obrigatoriedade de recompor as áreas de reserva legal, que variam de 20% a 80% da propriedade conforme a região do País (o porcentual maior refere-se à Amazônia). “Em alguns trechos da Região Amazônica, se levarmos em conta as matas nas margens dos rios menores, não sobra praticamente nada para a produção agrícola. A legislação atual é inaplicável, por isso precisa ser alterada”, defende-se Rebelo.
A leitura dos ambientalistas desse trecho do projeto é ácida. Lima, do Ipam, calcula que 40 milhões de hectares desmatados ilegalmente depois de 1996 serão “esquentados”. Na avaliação de especialistas, ao passar a borracha na ilegalidade e no passivo ambiental, o novo Código Florestal está de acordo com os interesses dos grandes grupos ligados ao agronegócio, a começar pelos frigoríficos e tradings da soja, interessados em deprimir os preços do boi e dos grãos, movimento reforçado pela presença maciça dos “informais” no mercado de produtos agropecuários.
“Basicamente, o que os parlamentares querem é a anistia, além de reduzir as áreas de APPs. Trata-se de uma bancada que se alimenta eleitoralmente dessa bandeira, por isso pedi ao Aldo que não aceitasse a relatoria, já que o tema é polêmico e envolve questões relevantes para a economia do País”, diz o deputado Sarney Filho (PV-MA), líder da frente ambientalista. Sarney Filho é dos que duvidam da votação em plenário ainda este ano.
Ao lado de Rebelo estão deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária e lideranças ruralistas. São eles que pressionam pela tramitação acelerada da nova legislação, aproveitando a conjuntura pré-eleitoral e as negociações entre os parlamentares governistas e suas respectivas bases eleitorais. Sem falar no fuzuê dos jogos da Copa.
Coordenador de Políticas Públicas da ONG S.O.S Mata Atlântica, Mario Mantovani critica: “Apesar do discurso em defesa do pequeno produtor, a proposta do Aldo servirá para defender os interesses de grupos econômicos de peso, i-nclusive dos incorporadores imobiliários nas áreas urbanas, onde se dá o avanço do desmatamento do que restou da Mata Atlântica. É um absurdo imaginar ser possível transferir para os estados a formulação da legislação ambiental. Basta lembrar que o Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do mundo, é o governador de Mato Grosso”.
Em maio, a Operação Jurupari, da Polícia Federal, reforçou a tese de que o poder estadual é de fato mais suscetível aos interesses econômicos locais, como afirmam muitos ambientalistas. Entre os 64 presos por participar de um suposto esquema para “esquentar” madeira ilegal e autorizar a derrubada de mata nativa, estão o ex-secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso Luiz Henrique Daldegan e outras autoridades daquele estado.
Rebelo não concorda com o argumento de que manter o poder concentrado na esfera federal seria mais prudente. “Se as pessoas querem combater a corrupção, deveriam combatê-la em todas as esferas, já que existem casos de desvios também em todas as esferas. Agora houve esse caso em Mato Grosso, mas, antes disso, houve outros casos semelhantes envolvendo funcionários do Ibama.”
Outro ponto delicado da discussão diz respeito à culturas tradicionais em áreas tidas como ambientalmente frágeis, como fundos de vale e topos de morro. É o caso do cultivo de café em algumas regiões de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, da uva na Serra Gaúcha e da maçã em Santa Catarina. “É preciso consolidar e tirar da ilegalidade essas atividades. E reduzir o coeficiente de atrito entre o meio ambiente e a agricultura”, diz Rebelo, um “homem nascido na roça”, como se define, tido por ambientalistas como pouco afeito aos temas “verdes” e à agricultura.
Os especialistas em meio ambiente recomendam outra “rota” para ampliar a proteção ambiental de modo mais perene: a regularização fundiária da Região Amazônica, que hoje responde por quase metade do rebanho de gado do País, de 205 milhões de cabeças, e pela ampla maioria da criação de gado ilegal. Sem a regularização, não há como determinar os responsáveis pelas áreas e desmatamentos.
*Publicada originalmente na Carta Verde 3, editada em parceria entre Carta Capital e Envolverde.
(Envolverde/Carta Verde)