A mídia alternativa e parte da mídia comercial, incluída a Folha de S. Paulo (vide), difundiu resumos da opinião de nossa ONG sobre a decisão produzida no dia 29/04 pelo Supremo Tribunal Federal, que recusou, por 7 votos contra 2, considerar “fora” de Lei de Anistia Brasileira (a lei 6683/79) os agentes de estado que foram autores de crimes contra humanidade, cometidos durante o processo de terrorismo de estado desenvolvido pela ditadura militar do período 1964-1985.
No dia seguinte, os escritórios centrais de Anistia Internacional em Londres publicaram seu comunicado de imprensa codificado AI Index: PRE 01/145/2010
Traduzimos a íntegra da versão original, que pode ser encontrada nesta página da Internet.
Tribunal do Brasil apóia lei que defende torturadores
Anistia Internacional condena o bloqueio, por parte do Supremo Tribunal Federal Brasileiro [Brazilian Supreme Court], de uma reinterpretação da Lei de Anistia de 1979, que protege membros do ex-governo militar de ser julgados por execuções extrajudiciais, tortura e estupro.
Os juízes do Supremo Tribunal Federal por 7 votos contra 2, decidiram apoiar a interpretação de que os crimes cometidos pelos membros do governo militar foram atos políticos e, portanto, cobertos pela anistia.
“A decisão coloca um selo judicial nos atos de perdão concedidos àqueles que, no governo militar, cometeram crimes contra a Humanidade”, disse Tim Cahill, pesquisador de Anistia Internacional para o Brasil.
“Isto é uma afronta à memória dos milhares que foram assassinados, torturados e estuprados pelo estado cuja missão era os proteger. Novamente, tem sido negado o acesso à verdade, justiça e reparação, às vítimas e os parentes.”
Milhares de pessoas foram presas, torturadas e forçadas a desaparição durante a regência militar do Brasil entre 1964 e 1985 (*).
Diferentemente da Argentina, da Bolívia, do Chile, do Peru e do Uruguai, o Brasil não levou à justiça os acusados de enormes violações dos DH cometidas durante os períodos do governo militar.
“Num país que vê milhares de homicídios extrajudiciais todos os anos, pelas mãos de oficiais de segurança e onde muitos mais são torturados nas delegacias e prisões, esta decisão [a do STF do 29/04] indica claramente que no Brasil ninguém é considerado responsável quando o estado mata e tortura seus próprios cidadãos” disse Tim Cahill.
A Lei de Anistia coloca o Brasil em infração do direito internacional, tanto convencional como consuetudinário, que não permite nenhuma exceção [grifo meu] quando se apresenta à justiça os perpetradores de tortura e de execuções extrajudiciais.
A Corte Inter Americana de Direitos Humanos recentemente reiterou que:
“...todas as providências de anistia, providências sobre prescrição e estabelecimento de medidas planejadas para eliminar responsabilidade são inadmissíveis, porque tendem a evitar a investigação e punição daqueles que são responsáveis por sérias violações dos DH, como tortura, execuções extrajudiciais sumárias e arbitrárias, e desaparições forçadas, todas elas proibidas porque violam direitos não revogáveis reconhecidos pela lei internacional de DH”.
O ex-governo militar produziu a Lei de Anistia em 1979, na qual exonerava todos os acusados de crimes políticos e aqueles conexos com os crimes políticos, enquanto excluía aqueles acusados de terrorismo, sequestro, assalto e ataques a indivíduos.
As violações dos direitos humanos cometidas por membros do governo militar foram interpretadas como atos políticos e, portanto, cobertas pela anistia, uma violação deliberada das leis internacionais sobre DH.
Comentários
Tim Cahill é nosso pesquisador-chefe sobre assuntos brasileiros desde há vários anos. Este comunicado de imprensa foi redigido pelo Secretariado Internacional de AI em Londres, com base numa investigação realizada por sua equipe. Versões resumidas deste comunicado foram distribuídas por diversas agências em português, espanhol, alemão, francês, italiano, sueco e outras línguas, e publicadas nos principais jornais de Ocidente.
Num próximo artigo, apresentarei uma interpretação mais detalhada dos fatos conexos com a decisão do Supremo Tribunal Federal e da própria Lei 6388, junto com suas repercussões e possíveis reações.
Observação marcada com (*).
Logo de conhecido o comunicado, alguns sites de grupos neofascistas, editados por militares ou por civis que atuam em cumplicidade com eles (por exemplo, representantes legais de ex-torturadores, membros de diversas corporações, etc.) publicaram textos que pretendem refutar os conceitos de AI. Alguns deles insistem em que a referência a “milhares” no parágrafo indicado por (*) é falsa, porque nenhuma organização brasileira denunciou mais de 500 ou 600 desaparecidos.
Ao dizer “Milhares de pessoas foram presas, torturadas e forçadas a desaparição", nossos pesquisadores quantificam em milhares o número total de pessoas presas, torturadas ou desaparecidas, o que é rigorosamente verdadeiro, e do qual existem numerosas provas. Não afirmamos, em nenhum lugar, que os desaparecidos sejam, em si mesmos, vários milhares, como na Argentina. Afirmamos apenas que o conjunto total das vítimas, incluídos os torturados e ex-presos sobreviventes, etc., consta de milhares de pessoas. Quanto aos especificamente desaparecidos, não possuímos dados próprios, mas acreditamos que não há motivos para duvidar dos oferecidos pelas ONGS brasileiras de DH.