É uma notícia muito bem vinda. Ela atinge um dos pontos nevrálgicos da corrupção eleitoral no Brasil. A falta de regulação nessa área tem levado à proliferação de “agências de publicidade” especializadas na intermediação dos “recursos não-contabilizados” das campanhas eleitorais. Algumas foram pegas com a mão na botija, em escândalos recentes, mas centenas delas fazem a festa com o dinheiro público pelo Brasil afora, impunemente, nas administrações municipais, estaduais e federais, há muito tempo.
Embora a lei não trate das agências contratadas pelos partidos políticos para as campanhas eleitorais, mas daquelas que prestam serviços para os órgãos públicos, é uma cajadada só em dois coelhos, ou pelo menos em um coelho que vale por dois, já que normalmente as agências vencedoras nas urnas também acabam tomando posse no governo.
Estrategicamente, os serviços publicitários tem sido considerados como “subjetivos”, difíceis de serem comparados, pela grande importância do talento “criativo” da agência. Assim, elas são praticamente eleitas pelo poder público, como um “cargo de confiança”. Na verdade, pelo volume de recursos que intermediam, essas “agências de publicidade” deve gozar realmente de um elevado nível de confiança junto aos políticos corruptos.
Esse tipo de serviço apresenta numerosas “brechas estratégicas”, decorrentes do tipo de atividade. Por exemplo, é muito comum a terceirização de serviços, gerando “comissões” de todos os lados. Os veículos de comunicação também oferecem às agências de publicidade vantagens, bônus, comissões excelentes para a “capitalização dos fundos de propinas”.
A nova lei foi muito bem trabalhada pelas comissões da Câmara e poderá representar um avanço no estabelecimento de regras que deem mais transparência para essas operações. O dispositivo legal prova que é possível sim fazer um combate institucional à corrupção, bastando, para isso, competência técnica e, claro, vontade política.
Com bastante propriedade, o projeto parte de uma conceituação clara e objetiva dos serviços de publicidade, definindo suas atividades essenciais e excluindo serviços paralelos, como os de assessorias de imprensa, promoção, relações públicas e eventos, que, para serem contratados, devem ser objeto de licitação própria. Ao mesmo tempo, exige que as agências, ao participarem de uma licitação, apresentem uma certificação técnica expedida por organismo privado de controle da atividade, e que comprove sua atuação no setor privado. Ou seja, dificulta bastante o uso de “agências fantasmas”.
Outra inovação importante é a introdução de normas para a constituição e o funcionamento das comissões de licitação. Elas deverão ser formadas com pelo menos 1/3 de profissionais de comunicação, marketing e publicidade independentes. Além disso, os indicados deverão ser submetidos a uma consulta pública prévia, quando à sua qualificação e isenção como julgadores. Ou seja, qualquer pessoa poderá impugnar, qualquer dos nomes dessa comissão, desde que comprove a sua desqualificação.
A comissão de licitação deverá analisar as propostas técnicas de forma anônima, isto é, sem ter o conhecimento prévio de seus autores, e seguir critérios mais objetivos para julgar a criatividade e a estrutura das Agências participantes. O projeto institui normas minuciosas para o julgamento das propostas e pode anular o processo no caso de vazamento de informações, com a devida responsabilização dos envolvidos.
Os fornecedores das agências, outro vazamento grave de dinheiro público, terão de ser cadastrados previamente, segundo critérios de qualidade, estrutura, regularidade de compromissos. Mesmo assim, as agências terão de apresentar cotações de preços de pelo menos três fornecedores, apresentadas em envelopes lacrados e a escolha deverá ser feita em ato público.
A veiculação de publicidade também deverá ter um processo de negociação de preços mais transparente e os descontos concedidos sobre os preços de tabela e demais benefícios devem ser revertidos em favor do poder público. As comissões de agências devem seguir os mesmos procedimentos que ocorrem no setor privado. Outra medida importante é a possibilidade de o poder público avaliar o valor do serviço publicitário, comparando-o com o que ocorre no mercado de em geral, a qualquer momento.
Será interessante observar o tratamento que a imprensa brasileira dará à questão, que afeta diretamente seus interesses comerciais. Se devidamente aplicada, a lei poderá inclusive reduzir os gastos do governo com a veiculação publicitária, estabelecendo uma concorrência mais efetiva, uma negociação de preços mais eficiente e fazendo chegar seus benefícios até os cofres públicos.
A lei é um grande avanço, sem dúvida, e pode reduzir os índices de corrupção neste segmento, mas ainda resta aos nossos legisladores talvez o desafio mais árduo, que é o de tentar conter a sanha dos nossos governantes pela publicidade paga com o dinheiro público. Assim como é possível estabelecer critérios mais objetivos para avaliar a criação publicitária, certamente será possível definir mais claramente o que o governo precisa anunciar e o que não precisa.
(Envolverde/O autor)