Entrevista com Marina da silva, sobre Copenhage e sua candidatura

''Não tenho profissão de fé, mas uma alternativa de poder''

A entrada da senadora Marina Silva (PV-AC) no páreo presidencial fez com que uma agenda "fadada a passar ao largo de 2010", segundo palavras da própria candidata verde, se transformasse em destaque no discurso de dois dos principais candidatos à eleição: José Serra (PSDB), que aprovou uma lei segundo a qual as emissões de CO2 em São Paulo, a partir de 2011, terão redução de 20%, e Dilma Rousseff (PT), praticamente designada como embaixadora à 15ª Conferência Mundial do Meio Ambiente a ser realizada em Copenhague, capital da Dinamarca.

A pressão da sociedade tirou o governo "da inércia", diz Marina, referindo-se à decisão do Palácio do Planalto de levar uma proposta de redução das emissões de gás carbono à conferência de Copenhague, em dezembro..

Empenhado na eleição de sua sucessora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vestiu o figurino ambiental em Dilma, desde que Marina Silva deixou claro que sairia do PT e se candidataria a presidente pelo Partido Verde. Marina tem clareza de seu papel nesse debate. Sua candidatura, afirma, não é uma mera profissão de fé na questão do desenvolvimento sustentável, como foi a educação, por exemplo, para a candidatura do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) na eleição de 2006 - uma questão monotemática. Trata-se efetivamente, segundo afirma, de uma alternativa de poder.

Marina afirma que a agenda do desenvolvimento sustentável deixou de ser uma questão de ruralistas e ambientalistas, como tem sido simplificadamente tratada no Congresso. "Agora não, a opinião pública começa a cobrar dos partidos que têm responsabilidade política o que eles vão fazer para que possamos sair da agenda apenas da preservação em si para a agenda do uso sustentável", diz ela nesta entrevista, concedida na tarde de terça-feira em seu gabinete no Senado, em Brasília.

Um gabinete mais silencioso que a maioria, mas que, por trás da quietude, encerra uma intensa movimentação da Marina candidata: pedidos de entrevistas, de participação em eventos em todo o país. É nesse ambiente que ela dá a forma final a um projeto que pretende apresentar ao Congresso que pode ser denominado de Consolidação das Leis Ambientais. Marina, assim omo Dilma, José Serra e a senadora ruralista Kátia Abreu (DEM-TO) também estará em Copenhague, em dezembro.

A senadora ícone dos ambientalistas, com origem no PT, não tem preconceitos partidários. Para aprovar seus projetos, não hesitou em conversar com tucanos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Aliás, defende que PSDB e PT devem se juntar para assegurar "uma cesta básica de governabilidade" que tire os governos das mãos do fisiologismo. Marina defende também que não basta ter a democracia consolidada, o Brasil precisa agora apostar na qualidade política.

Eis a entrevista.

Sua candidatura é uma alternativa real de poder ou uma monotemática profissão de fé?

Tem que ser alternativa real de poder e de ação. Não pode ser uma profissão de fé. Se o Brasil está levando hoje metas para Copenhague foi porque nunca encaramos o desenvolvimento sustentável como uma questão monotemática. Nós já estamos saindo com praticamente 20% do esforço assegurado. Tem o plano de combate ao desmatamento, o plano de mudanças climáticas, o fundo amazônico, tudo coisa que ou já estava em implementação ou estava praticamente pronta para ser lançada, uma semana antes de sair do governo.

Uma semana antes de a senhora sair do governo?


As pessoas têm dificuldades de reconhecer isso. Nem eu estou reivindicando. Só estou dizendo que se as pessoas continuarem encarando as admoestações que os cientistas estão fazendo e adiando decididamente o que precisa ser feito, nós vamos ficar em maus lençóis. Não vamos fazer o dever de casa para chegarmos em 2020 em condições de competir com os países desenvolvidos. Porque eles lá na frente vão dar um jeito, vão fazer o dever de casa. E quem não fizer, dos emergentes, vai pagar caro porque vai ser taxado.

Como assim?

A partir de 2020 o carbono vai ser precificado nos produtos. Para se produzir esse gravador aqui você emitiu muito CO2. Isso será taxado. E como é que nós podemos ser taxados? Nos nossos produtos agrícolas e no nosso minério. Mas o Brasil pode ser no século 21 o que os EUA foram no século passado: capaz de acompanhar os países de cultura milenar e se tornar tão desenvolvido ou mais do que eles.

Não se trata de uma mudança muito brusca para o atual modelo de desenvolvimento?

No caso do Brasil não é. Primeiro porque temos 20, 40, 50 anos para fazer isso. Mas não podemos perder nenhum dia. Segundo, o Brasil já tem 45% da sua matriz energética limpa. A Inglaterra, que está formulando, apresentando propostas, se colocando na vanguarda, tem 4%. Quer comparar 45% com 4%? Você já começa a corrida lá na frente.

Há duas propostas de redução de emissões sobre a Mesa. Uma do governo federal, de cerca de 36,1% a 38,9%, e outra de 20% do governo de São Paulo. Qual a sua avaliação sobre cada uma?

A sociedade brasileira conseguiu, através da pressão de diferentes setores, fazer com que se saísse da inércia. A questão conjuntural, política, mudou nos últimos três meses, fez com que começasse a haver uma competição positiva em torno da agenda ambiental. Uma agenda que estava fadada a passar ao largo da disputa de 2010. É muito interessante verificar o governo de São Paulo, protagonizado pelo governador (José) Serra, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) se colocando de uma forma proativa em relação a essa agenda. Isso é uma demonstração de que foi acertada a decisão do Partido Verde (PV) em colocar a questão do desenvolvimento sustentável como eixo estratégico na disputa de 2010, a fim de gerar um novo acordo social que nos permitirá fazer a transição.

Por quê?

O Brasil não irá perder mais quatro anos nesse debate. Entrou agora no debate e eu espero que fique. Como tenho muita tranquilidade de que essas mudanças não acontecem com o esforço de um partido e de uma pessoa, é uma integralidade de ações que precisam ser articuladas, celebro essa recém valorização do tema no processo político.

E quanto ao mérito?

Do ponto de vista prático o Brasil vai precisar detalhar as propostas do governo federal. O Ministério da Ciência e Tecnologia vai precisar apresentar um novo inventário das emissões de CO2. O que nós temos ainda é de 1994. Vamos precisar institucionalizar a proposta no Congresso Nacional- a de São Paulo é institucionalizada, é uma lei.

Por que essas propostas precisam ser institucionalizadas?

Da mesma forma que o governo está querendo corretamente institucionalizar as políticas sociais (o presidente Lula fala na Consolidação das Leis Sociais), para que quem vier depois não faça tábula rasa das políticas sociais, vamos institucionalizar as políticas na área de redução de emissão e mudanças climáticas. Os projetos sobre a política de mudança climática e sobre o fundo já estão aqui no Senado. Eu pretendo apresentar uma proposta para essa institucionalização. Já estou trabalhando em relação a isso. Mas se fizermos uma emenda, o projeto terá que voltar para a Câmara e nós não vamos para Copenhague com a política aprovada. Talvez a solução seja aprovar como veio e apresentar um projeto paralelo, fazendo a institucionalização da meta brasileira para que se possa aprovar a proposta sem precisar voltar.

Dá tempo?

Dá tempo. Vai precisar de uma força tarefa aqui dentro.

A relação de forças no Congresso não tem sido favorável aos ambientalistas e o PV é um partido pequeno. Como a senhora pretende negociar e aprovar essa agenda sem se aliar a Judas, como definiu o presidente Lula a sua política de alianças?

A legislação ambiental brasileira é considerada uma das melhores do mundo. Nós conseguimos essa legislação como? A partir da Constituição de 1988. Em 20 anos o Brasil faz uma legislação que só foi possível em outros país em milhares de anos. Logo, nós demos um salto qualitativo significativo. Qual é o desafio que está posto e segue em disputa agora? É que tem um grupo que no lugar de passar no teste e criar as ferramentas corretas para cumprir a legislação quer mudar o teste. Ou seja, já que eu não consigo passar na prova então eu vou mudar a prova, facilitando a vida para continuar sem aprender a lição de casa.

Os ruralistas?

Essa disputa está colocada aqui dentro. Só que ela não pode ser mais uma disputa que vai ser contabilizada apenas na conta de ruralistas e ambientalistas. Ela agora tem que ser contabilizada, precificada politicamente, na conta de todos os partidos. Tanto é que a mudança no Código Florestal foi adiada.

Como é que foi adiada?

Porque tiveram que entrar em cena todos os partidos, porque a sociedade começou a cobrar isso do PSDB, a cobrar do governo, que antes foi fazendo política de vista grossa - 'não, os ruralistas...' - e aprovando e deixando. Agora não, a opinião pública começa a cobrar dos partidos que têm responsabilidade política o que eles vão fazer para que possamos sair da agenda apenas da preservação em si para a agenda do uso sustentável. Durante minha gestão no ministério trabalhamos muito a agenda do uso sustentável e conseguimos aprovar sim. Aprovamos Instituto Chico Mendes, a limitação administrativa provisória, a criação do serviço florestal brasileiro, a lei de gestão das florestas públicas. Não houve lei que tivéssemos mandado para cá que não tivesse sido aprovada. Isso numa negociação difícil, com todos os partidos. Obviamente que, na hora da aprovação, tive que conversar com o PSDB. Conversei com o PSDB, além do PT, que era o partido que dava sustentação (ao governo). A outra parte da base ficava bastante dividida. Nessas questões estratégicas que mencionei eu conversei com o Arthur Virgílio (PSDB-AM), com o Tasso Jereissati (PSDB-CE), e com o próprio Fernando Henrique Cardoso.

PT e PSDB têm de convergir para uma agenda estratégica?

E é isso que eu tenho dito: enquanto o PSDB e o PT não conversarem sobre aquilo que é estratégico para o Brasil e criarem uma governabilidade mínima, uma cesta básica de governabilidade para esse país, nós vamos continuar reféns do fisiologismo dentro do Congresso. Se eles forem capazes de fazer essa cesta básica de governabilidade, nós vamos qualificar a oposição no Congresso. A oposição e a situação. Porque cada governo saberá que, naquilo que for essencial e estratégico, não haverá aventura. Não haverá política do quanto pior melhor. E ele vai poder constituir uma base com mais tranquilidade, sem depender do fisiologismo exacerbado.

Uma candidatura do PV pode liderar esse processo?

Eu não tenho nenhum problema em reconhecer os avanços dos últimos 16 anos e o PV também não tem. E acho que o desafio diante do qual nós estamos vai exigir um realinhamento histórico sim. Conquistamos e estabilizamos a democracia; tivemos um sociólogo; agora, tivemos um presidente operário; e conquistas significativas e erros nas agendas de ambos os governos. O Brasil precisa agora apostar na qualidade política. Não basta ter a democracia consolidada. É preciso que as instituições políticas sejam revisitadas e reformadas. Os partidos viraram máquinas de ganhar poder. Onde é que está o lugar do debate das ideias, das propostas, se vira tudo um cálculo pragmático de quem tem mais máquina para ganhar poder? É o momento de um grande debate político no Brasil que possibilite esse realinhamento histórico. Você pergunta se é o PV que vai fazer isso, eu respondo que talvez o PV seja o primeiro que está se dispondo a fazer esse debate.

Setores do PV reclamam a sua presença em eventos que poderiam ajudar o partido a arrecadar recursos para a campanha.

É, mas ainda não tem financiamento de campanha porque não tem campanha.

Como a senhora pretende enfrentar essa questão do financiamento de campanha?

Com transparência total e buscando criar mecanismos que em lugar da lógica de poucos contribuindo com muito a gente possa ter muitos contribuindo com pouco. E fazer um processo mais horizontalizado.

O empresariado também está mudando de visão em relação às questões ambientais?

Mudança de visão e de atitude. Tem um setor de vanguarda que se coloca no topo dessa discussão, com pensamento estratégico, acompanhando o que há na ponta do empresariado global e que vem de muito tempo nessa discussão. Os que começaram no movimento movidos pelo coração, por princípios éticos, foram fundamentais para mostrar em três dimensões que era possível ter investimentos prósperos com qualidade social e ambiental. E hoje há uma boa parte que está se movimentando pela razão. E existe um grupo que ainda não percebeu o que está acontecendo e tem uma visão atrasada. Essas pessoas não podem ser os protagonistas, os representantes do empresariado brasileiro. O Brasil tem que criar uma nova narrativa para seus produtos. Até bem pouco tempo as pessoas davam preferência ao produto que tivesse uma boa apresentação estética, custo baixo e qualidade técnica. Agora, além desses três, tem também o conteúdo ético desse produto. O Brasil pode se colocar na vanguarda, diferente da China e da Índia e de outros que não têm como fazer isso porque é muito difícil. Nós temos água, terras fêrteis, potencial de fazer uma matriz energética renovável. E existe uma quantidade enorme de pessoas no mundo inteiro que estão ávidas por esses produtos de conteúdo ético.

Como é possível mensurar esse mercado ético?


Primeiro pelo apelo das pessoas que querem se comprometer, do ponto de vista prático, com as mudanças. As pessoas estão percebendo que elas podem eleger muito mais do que deputado, senador e presidente da República. Elas podem eleger produtos. E essa eleição vem sendo feita. Recentemente o Greenpeace fez uma denúncia associando a atividade pecuária à destruição da Amazônia. Fez um levantamento em toda a cadeia produtiva. Da Prada, grife de marca chiquérrima, à produção lá no campo. Isso fez com que as redes de supermercados e todos os que usam esses produtos passassem a exigir o cumprimento da legislação. Recentemente a Serasa apresentou uma espécie de "conformidade ambiental" para o crédito do sistema financeiro. Os bancos pediram ao Serasa. Eles (os bancos) poderiam ter uma atitude reativa. O que eles estão tendo? Uma atitude proativa.


Fonte: MST/ Jornal Valor Econômico .
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