Direitos, direitos, pior quando trabalhistas

Publicado originalmente no jornal A Nova Democracia

Em entrevista à AND, a juíza Salete Maria Polita Maccaloz — conhecida militante, primeiro no movimento estudantil, depois, na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), associações de servidores e nos sindicatos de professores — nos fala sobre a formação dos direitos dos trabalhadores, e como hoje esses direitos vão sendo aviltados. A autora do livro O Poder Judiciário, os meios de comunicação e a opinião pública, professora de Direito e Trabalho, Direito Sindical e Direito Previdenciário, diz que não foi a militância que lhe deu maior conhecimento, mas o magistério: “(...) para ensinar é preciso conhecimento dos fatos, mas, acima de tudo, o professor precisa de cultura, estudar a história do trabalho do ponto de vista antropológico, sociológico, e também Economia, Política e Direito Fundamental.”

 

O direito passa a ser completamente diferente na história moderna. Ele vem antecedido — esse novo Estado de direito e a cidadania criada pela Revolução Francesa — da revolução industrial. A pobreza sempre existiu, mas a miséria foi inventada pelo lucro: ele produz o desenvolvimento mantendo pessoas escravizadas, porque o lucro se faz em cima da exploração do trabalho humano. Essa é a grande característica do século XIX, — do liberalismo — aonde tudo era possível em cima do trabalhador. Um século marcado por extrema exploração, com privilégios muito visíveis para pequenos segmentos e de miséria absoluta e terrível em cima das pessoas que dependiam do seu próprio trabalho, o que acabou por empurrar esse trabalhador para diferentes organizações e diferentes movimentos.

No século XIX, nosso país possuía uma economia agropastoril, com alguns ciclos extrativos de madeira, ouro, mas a nossa realidade era escravagista. No final dele vêm a liberação dos escravos e a Constituição de 1891. Nesse mesmo ano, o Papa Leão XIII, publica a encíclica Rerum Novarum, que é o início da chamada doutrina social da Igreja. O salário tem que ser “justo”, mas não há uma equação econômica para dizer qual é o salário justo, enquanto os brasileiros — a massa — trabalhavam duro.

Quando acontece a Primeira Guerra, nós tínhamos muitos poucos estabelecimentos comerciais. Há um levantamento estatístico: em 1914, neste imenso território não existiam mais do que 1.400 estabelecimentos comerciais. Em 1920, finda a Primeira Guerra Mundial, o Brasil tinha já mais de 25 mil estabelecimentos comerciais, compreendidas aí as indústrias. Com a guerra, muitos produtos importados passam a ser produzidos aqui.

Para não perder os dedos

O período entre guerras nos marca profundamente, assim como ao resto do mundo, em razão da Revolução Russa. Ela foi fundamental em tudo que possa ter acontecido a partir daí. Toda a ameaça que a organização e os movimentos de trabalhadores significou, no século XIX, foi considerada nos seus aspectos históricos que levaram ao Tratado de Versalhes, com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Mas o que interessa ao trabalhador? Seria generosidade dos países beligerantes, que aderiram ao Tratado de Paz, de repente olhar para o trabalhador? Claro que não! Os trabalhadores nas suas diferentes manifestações já preocupavam os dirigentes, o que levou o motor do mundo capitalista de então a se debruçar sobre a questão capital e trabalho com uma certa disciplina jurídica. A Revolução Russa era uma ameaça. Os franceses sempre dizem que o direito do trabalho que nós temos é uma estratégia de “dar os anéis para não perder os dedos”. Daí, a melhor designação para esse direito do trabalho é direito capitalista do trabalho.

Quando se instaurou a ditadura do proletariado ou governo de trabalhadores, primeiro na Rússia e depois na China, não se cria uma legislação de trabalho. O que o trabalhador tem direito, é obrigação fundamental do Estado realizar através das empresas, e das realidades de trabalho. O mundo capitalista se dá conta de que precisa ser mais “razoável” na exploração do trabalho, quando essa imensa ameaça se levantou — a revolução comunista. A existência de um país socialista, um país que planeja a sua economia, seu desenvolvimento, onde a realidade do trabalhador passa a ser diferente, respeitada, é uma ameaça a todos os outros governos. A forma de governo que se instaura em todos os países da Europa, o fascismo, foi uma forma de reação a essa possível caminhada e crescimento do comunismo.

A era Getúlio

Getúlio Vargas chega ao poder em 1930 e começa a criar todas as corporações fascistas. Em janeiro de 31, Getúlio impõe, através de um decreto sobre a organização sindical brasileira, um sindicalismo de trabalhadores e patrões — a intervenção do Estado no mundo das relações de trabalho. De onde é que Getúlio tirava essa idéia de conciliar os antagônicos? Era o princípio estrutural político e estratégico do fascismo: romper com a animosidade colocando os dois lados na mesma organização.

Getúlio, dizia que aquela idéia antiga de Estado e povo estava superada. Entre Estado e povo deveriam existir organizações aglutinando toda a sociedade, que estaria dentro das corporações. Por isso, o Estado corporativo tem essa nova figura, como um gestor maior, intermediariamente às corporações, que têm dentro de si toda a população.

Na mesma época, ele criou institutos e autarquias: o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Instituto do Café, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (Funabem), etc. Mais adiante, as antigas caixas de aposentadorias e pensões dos empregados das redes ferroviárias foram fusionadas em institutos de aposentadorias e pensões. Tanto a atividade econômica, como a atividade de trabalho, estavam inseridas dentro de uma corporação. O Estado também contaminava estas corporações com algumas características suas, como o princípio da auto-regulamentação. O sindicato criado no Brasil é um sindicato estatal. O imposto sindical é reconhecido e recolhido pelo Estado, mas, ainda assim, o sindicato pode cobrar mensalidade e outra forma de taxação em cima de serviços que não aqueles postos na lei.

A criação da CLT

Getúlio se colocou na simbologia de uma mão. Prende aguerridamente o trabalhador, mas nessa imensa imagem, o trabalhador que é forte. O trabalhador que é forte é aquele que está unido. Na velha expressão, o trabalhador unido é aquele que jamais será vencido. Então Getúlio impõe artificialmente uma nova forma de organização de cima pra baixo com uma série de restrições. A liderança sindical só podia ser de brasileiros natos; os desempregados estavam proibidos de se sindicalizar, os aposentados também. As pessoas que tinham tempo livre não podiam chegar perto do sindicato.

Quando se percebeu que o trabalhador brasileiro estava domesticado, preso nesta estrutura, começa, a partir de 32, com a outra mão aberta, generosamente, a garantir direitos trabalhistas do ponto de vista individual, assegurando esses direitos em conta-gotas. Em 1942 ele convoca uma equipe de juristas para reunir essa legislação, e diz que foram consolidados — a expressão consolidar quer dizer reunir, agrupar, resumir — 472 diplomas legais. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é um conjunto de direitos individuais e coletivos. Tem a organização sindical brasileira; regras de direito administrativo; a organização da Justiça do Trabalho; processo trabalhista; normas para as empresas, como higiene e segurança no trabalho; trabalhadores diferenciados, como a legislação que diz respeito às mulheres e menores; categorias especializadas.

Getúlio começa produzindo uma legislação em que, através de um decreto, limitava a jornada pra uma determinada categoria. Começou com os bancários, 6 horas, depois jornalistas, 5 horas. Aí iam os comerciários lá e uma lei fixava a jornada para os comerciários. Iam se produzindo assim 10, 15, 20 leis, mas o direito era o mesmo. Parece que é muita lei, muito direito, quando na verdade poucas pessoas compreendidas dentro de um direito que depois passou a ser geral e universal com a CLT. A mesma estratégia num outro sagrado direito chamado férias.

O grande líder sindical da década de 30 e 40 Everardo Dias, em seu livro História das lutas sociais no Brasil, diz que “o governo Getúlio Vargas tirou os trabalhadores da rua, onde era o lugar de luta, das suas manifestações, das suas passeatas, e levou-os para os corredores do Palácio do Catete com o chapéu na mão como pedintes.” Era mais fácil conseguir as coisas nos corredores do Palácio do Catete do que do lado de fora.

Os primeiros pelegos brasileiros

A genialidade de Getúlio está na cooptação da liderança sindical nesse país. Por um aspecto ao mesmo tempo sutil e nefando, ele deu dinheiro fácil aos sindicatos. E não dinheiro do Estado, dinheiro do próprio trabalhador, com o imposto sindical. Esse dinheiro passava pela mão do Estado e chegava aos sindicatos, que puderam comprar suas sedes, colônias de férias, criar departamento jurídico, assistência médico-odontológica, biblioteca. E de repente o sindicato tem recursos para remunerar, inclusive, a direção. Direção essa que continua ganhando o mesmo, como se estivesse trabalhando lá na fábrica. Bom, agora ele não está mais na fábrica, agora ele está bem vestido, sentado atrás de um bureau, numa atividade burocrática, que é sempre mais leve, e tem a sua remuneração mais do que garantida, porque ele mesmo se paga. E alguns outros confortos começam a surgir: por que o cargo sindical não pode ter um carro oficial? Quando vai viajar para o interior pode dormir num bom hotel, não precisa dormir no banco da rodoviária.

Essas coisas vão amolecendo, vão conformando esta liderança que precisava ser mais identificada a ponto de ser chamada de pelego. E isso a gente sabe o que quer dizer. Foi usada essa expressão, que é a pele da ovelha que o gaúcho usa entre a cela dura e a sua montaria para amortecer os seus solavancos da caminhada. A função dessa liderança cooptada tinha esse aspecto.

Essa expressão não pode ser mais usada com as lideranças dos dias de hoje, porque os pelegos de antigamente eram mais autênticos. Era difícil até se identificar um pelego. Ele tinha na postura, na linguagem e no dia a dia uma atuação muito comprometida com os trabalhadores. Era em sutilezas que poderia apontar que aquilo estava sendo feito para favorecer o patronato. Hoje não. Hoje as coisas todas estão mais explícitas. Os pelegos atuais acham que não precisam esconder nem a melhoria da sua condição econômica como alguns que depois, inclusive, vão para política.

O fim do legislado

Alguns líderes sindicais nitidamente desvirtuaram o sindicalismo. Hoje é impossível desmanchar a política trabalhista com o objetivo de fortalecer o sindicato via negociação. Todo mundo fala que é preciso enterrar a era getuliana. Num certo sentido, isso aconteceu com a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Vale do Rio Doce, que são indústrias fundamentais no desenvolvimento do Brasil, inspiração e criação de Vargas nos seus governos.

Mas agora o alvo está voltado pra esse conjunto de leis que garantem alguns direitos mínimos para os trabalhadores e se pretende uma reforma da legislação trabalhista. Ela gira em torno desse aspecto chamado tutela. Na expressão, o negociado vai preponderar sobre o legislado. Isso é uma inversão muito grande, não apenas da sistemática ou da eficácia da legislação trabalhista, mas também da ordem jurídica do país, pois foi através da tutela do Estado que o trabalhador brasileiro conquistou direitos mínimos.

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