Cesare Battisti, prisioneiro de Mendes

A rota fantasia de paladino dos direitos fundamentais que Gilmar Mendes vestiu na tentativa de justificar seus favores a Daniel Dantas foi definitivamente rasgada em 16 de janeiro, quando ele decidiu manter na cadeia o escritor italiano Cesare Battisti, que nela já se encontra "preventivamente" há dois anos, no âmbito do processo de extradição movido pelo governo de seu país natal. Essa insólita decisão expõe a megalomania fascistóide de Mendes sob dois ângulos.
O primeiro é o da usurpação de atribuições de outro poder: três dias antes, Battisti tivera reconhecida pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, sua condição de refugiado político — que impede, por lei, a extradição. Mendes argumentou que "a concessão de refúgio por ato isolado do Ministro da Justiça, contrariando a manifestação do CONARE [Conselho Nacional dos Refugiados], não foi debatida na Corte". A alegação é falsa e desprovida de lógica: em 2007, o STF, por 9 votos contra 1 (de Mendes), decidiu que o art. 33 do Estatuto do Refugiado (que o proíbe de extraditar quem o Executivo reconheça como tal) não fere a Constituição. Nos termos do mesmo estatuto, o ministro da Justiça é apenas a instância recursal das decisões do Conare. O que Mendes fez, portanto, é como se o presidente da República se recusasse a cumprir uma decisão do STF sob a alegação de contrariedade a uma sentença proferida anteriormente por instância judicial inferior.

O segundo é o da reversão de uma sólida e antiga jurisprudência em favor dos perseguidos políticos. Desde o trauma histórico da extradição de Olga Benário à Alemanha, em 1936, o Judiciário brasileiro não entrega a outros países pessoas que se encontrem nessa situação.

Ofensiva reacionária

Pretensões desse porte não decorrem, evidentemente, de um capricho pessoal do presidente do STF. Trata-se de uma ampla articulação reacionária visando esvaziar a proteção constitucional aos autores de crimes políticos.

Atualmente, a posição do STF sobre o assunto é a adotada a partir do julgamento da Extradição 493, em 1990, quando o tribunal declarou que a proibição constitucional de extradição por crime político "compreende a prática de eventuais crimes contra a pessoa ou contra o patrimônio no contexto de um fato de rebelião de motivação política", e não apenas os crimes de opinião (mesmo porque para a Constituição brasileira, crime político e crime de opinião são coisas distintas). Na ocasião, o STF decidiu também que o simples uso da violência não caracteriza terrorismo (que poderia impedir a concessão do refúgio) se não houver "utilização de armas de perigo comum nem criação de riscos generalizados para a população civil".

Além de usar Battisti para medir forças com Lula e Genro (que aceitaram a afronta cabisbaixos), Mendes quer mudar essa orientação. Tem a cumplicidade de outros ministros do tribunal: no dia 04/2, a página na internet do STF publicou declarações de Celso de Mello em favor da mudança de posição.

Autodefesa contra um Estado mafioso
É para isso que a imprensa monopolista (Folha, Globo, Veja, etc.), com a cumplicidade da revista Carta Capital (simpática ao revisionismo italiano que acumplicia-se a Berlusconi para encarcerar Battisti), tem procurado apresentá-lo como criminoso comum, assassino frio de quatro cidadãos pacíficos em pleno regime democrático. Trata-se de uma falsificação tripla: nem a Itália dos anos 70 era um modelo de democracia, nem a culpa de Battisti foi provada, nem suas supostas vítimas eram pessoas desarmadas e alheias ao conflito político existente naquele tempo e lugar.

Os atos pelos quais Battisti foi condenado — e cuja autoria ele nega — ocorreram num contexto de enfrentamento armado entre movimentos de esquerda e grupos paramilitares mafiosos e fascistas (convém lembrar que, quando se fala da Itália, essas duas últimas palavras não são artefatos retóricos). O Estado italiano, cuja estrutura imbricava-se com a da Cosa Nostra e a da P-2, havia dado carta branca para organizações como o MSI e o Gládio massacrarem ativistas de esquerda. Em resposta, alguns dos grupos atingidos recorreram às armas não para tomar o poder, mas para a autodefesa. Era o caso dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), que Battisti integrava.

Foi nesse enfrentamento que ocorreu as quatro mortes que o Estado italiano invoca para encarcerá-lo sem direito à luz do sol até o fim da vida. Antonio Santoro e Andrea Campagna, policiais, foram mortos por terem torturado presos do PAC. Pierluigi Torregiani e Lino Sabbadin — aos quais a imprensa monopolista refere-se apenas por suas respectivas profissões de joalheiro e açougueiro — por serem, respectivamente, chefe de uma milícia parapolicial de bairro de cunho mafioso e membro do MSI. É evidente, portanto, o cunho político de seus assassinatos — o que, pelo art. 5º, LII da Constituição brasileira, basta para impedir a extradição.

Sem justiça

Convém notar, além disso, que a Itália vivia sob leis de exceção concebidas para dizimar as organizações extraparlamentares de esquerda. Na época, os suspeitos de crimes políticos podiam ficar na cadeia sem acusação formal por até 12 anos. A tortura era prática corrente e os presos eram chantageados para converter-se em delatores (Battisti foi condenado a partir do testemunho de Pietro Mutti, que o denunciou para escapar da prisão perpétua). De lá para cá, o Estado italiano não parece ter se emendado: em 8 de maio de 2007, o jornal Corriere della Será publicou declarações do então ministro da justiça, Clemente Mastella, e do senador Roberto Castelli no sentido de que o compromisso de limitação da pena ao máximo permitido na legislação brasileira (30 anos) assumido pela Itália ao requerer a extradição, era apenas jogo de cena para obtê-la.

O mais cruel é que, entre 1994 e 2006, um STF com ministros indicados por Geisel, Figueiredo, Sarney, Collor e FHC negou à Itália a extradição de três cidadãos (Pietro Mancini, Achille Lollo e Luciano Pessina) cujas situações eram idênticas à de Battisti. É um tribunal que tem sete de seus onze ministros nomeados por Lula que se curva agora a Gilmar Mendes e prepara-se para entregá-lo afrontando a lei, a Justiça e as prerrogativas do próprio poder Executivo.  
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