1964 – O ANO QUE O GIGANTE VIROU ANÃO – II

Em 1960 Carlos Lacerda sugeriu o nome do general Castello Branco para vice-presidente de Jânio Quadros. A situação de Castello era curiosa. Amigo pessoal e interlocutor do general norte-americano Vernon Walthers – peça decisiva no golpe de 1964 –, tinha estreitas ligações com algumas figuras do ex-PSD, caso do embaixador Negrão de Lima (foi ministro de Getúlio, JK e governador da antiga Guanabara), mas fortes simpatias pelas características moralistas e urbanas – burguesas – da antiga UDN.

A sugestão de Lacerda partia de um raciocínio simples. O candidato do PSD seria o marechal Teixeira Lott e nada melhor que um militar para atenuar a presença de Lott – muito forte – dentro das forças armadas. Jânio, esperto e usando, como sempre usou, Lacerda – um golpista metido a sabido que acabou morto pelo próprio veneno – rejeitou e ponderou que um nome do Nordeste seria melhor, embora já estivesse pensando em Milton Campos, senador e ex-governador de Minas, apontado como um dos políticos mais sérios do Brasil.

Para chegar a Milton Campos montou uma farsa. Indicou Leandro Maciel, senador do Sergipe, para seu vice, depois renunciou à sua candidatura alegando que não concordava com os rumos da campanha e queria um novo vice. Impôs Milton Campos.

Por trás de tudo isso o receio da proposta de Lott. Unidade nacional em torno do nome de Juracy Magalhães, general e governador da Bahia, que viria a disputar e perder a convenção da UDN com Jânio Quadros.

Lott tinha uma visão muita clara de Jânio. Um louco, alcoólatra e com pretensões a ditador. Reiteradas vezes disse de público que se eleito Jânio levaria o País ao caos. Naquele tempo ainda não existia a REDE GLOBO, mas a mídia – rádio, jornais e revistas – insistia em apresentar Jânio como paladino da moralidade pública. Falavam ali os interesses do embrião FIESP/DASLU, resquícios de 1932.

E em eleições presidenciais anteriores um único militar vencera. O marechal Dutra mesmo assim derrotando outro militar, o brigadeiro Eduardo Gomes. Em 1950 Getúlio venceu o mesmo brigadeiro. Em 1955 JK venceu o general Juarez Távora e em 1960 o tresloucado paladino da moralidade udenista, Jânio, corrupto também, venceu a Lott.

E em toda a história do Brasil republicano, um único militar vencera as eleições antes de 1945. Hermes da Fonseca. Saiu ridicularizado da presidência. Deodoro e Floriano foram produtos de golpe de estado, notadamente Deodoro da Fonseca.

No episódio da renúncia de Jânio Quadros e da resistência à posse de Goulart, Castello ficou em cima do muro, até que recebeu ordens, isso mesmo ordens, de Ernesto Geisel para apoiar a legalidade. A decisão dos ministros militares de Jânio não encontrara eco na tropa – era forte a presença de Lott, mesmo tendo o marechal sido preso imediatamente para impedir qualquer reação. Lott, de imediato, havia distribuído um manifesto defendendo a legalidade constitucional.

Isso só veio a acontecer depois da mobilização nacional a partir do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola e a adesão de Machado Lopes, comandante do III Exército que acabou por provocar um efeito cascata entre os generais e resultou no acordo mediado por Tancredo Neves, o parlamentarismo. A emenda Raul Pilla, político gaúcho fundador do Partido Libertador e tradicionalmente parlamentarista.

O golpe, como sempre, ou seja 1964, corria à socapa – expressão muito usada à época – e era articulado por militares mais tarde conhecidos como da linha dura. Sizeno Sarmento, Antônio Carlos Muricy, Cordeiro de Farias, oficiais da FAB que participaram das tentativas de Jacaré-acanga e Aragarças, Costa e Silva – dividia as mesas de jogo e as corridas no Jóquei com as reuniões conspiratórias e oficiais superiores não generais (major, tenente coronel, coronel – na Marinha, capitão de corveta, capitão de fragata e capitão de mar e guerra).

Para os norte-americanos, cada vez mais preocupados com os rumos da revolução cubana, seu impacto no resto da América Latina, o crescimento dos partidos comunistas em países como o Brasil, o Chile, República Dominicana e alguns outros. As constantes rebeliões no Panamá contra o controle absoluto do canal, toda essa soma de problemas, o Brasil torna-se decisivo e essa importância é possível enxergar na ALIANÇA PARA O PROGRESSO. Programa criado no governo Kennedy para fomentar o assistencialismo disfarçado de progresso. Obama é uma espécie de reedição de Kennedy. Por enquanto falta só uma Marilyn Monroe.

Uma das características denunciadas à época pela esquerda era a quantidade de esterilizantes no leite em pó fornecido pelo programa. E, a execução do mesmo por agentes da CIA disfarçados em missionários, sobretudo no Nordeste.

Todas esses personagens, todos esses fatores, as características continentais do Brasil, a já vigente doutrina de segurança nacional elaborada nos EUA a partir da teoria do dominó – caiu um caem todos –, isso levando em conta um mundo bipolar, União Soviética versus Estados Unidos, áreas de influência e fatos específicos como a derrota humilhante dos EUA na baía dos Porcos em Cuba. A crise dos mísseis também em Cuba. A permanente ascensão dos partidos de esquerda em países como o Chile, o Peru, a vitória e logo depois a deposição de Juan Bosh na República Dominicana, o caso de amor eterno entre a Argentina e Juan Domingo Perón, essa mistura ora homogêna, ora heterogênea, mas do interesse norte-americano, tinha que resultar numa salada de alface verde oliva. Era o prato predileto para resolver esse tipo de complicação. 

O produto dessa soma passou a chamar-se Brasil e a subida de João Goulart ao poder, trazendo consigo figuras notoriamente comprometidas com um processo revolucionário como Darcy Ribeiro, Miguel Arraes, Leonel Brizola e outros, tornou indispensável, para eles, os norte-americanos, derrubar Goulart e assegurar o controle do que chamavam de América Latrina. 

Se a Aliança para o Progresso foi um passo, trouxe inclusive os primeiros pastores evangélicos neopentecostais – ligados à CIA – com a tarefa de ocupar espaços da Igreja Católica em tempos de teologia da libertação e formar “pastores” no Brasil (Brasil e Chile foram os primeiros alvos), a articulação de um golpe militar e uma ditadura que colocasse fim a anseios e desejos de mudança, passou a ser prioritário.

As eleições de 1962 foram a primeira grande aposta dos EUA. Empresas brasileiras e norte-americanas, associadas a empresas européias que atuavam aqui, bancos e latifúndio, criaram o IBAD – INSTITUTO BRASILEIRO DE AÇÃO DEMOCRÁTICA – associaram-se a UDN e no velho discurso moralista financiaram todas as candidaturas de diferentes partidos comprometidas com mudanças de rumos e fim do projeto de reformas de base (reforma agrária, urbana, estatização total do petróleo, da produção e distribuição de energia elétrica, etc) e das perspectivas de um Brasil soberano e independente.

É preciso destacar que em 1962 foram eleitos vereadores, prefeitos, deputados estaduais e governadores em alguns estados (a constituição de 1946 permitiu que os mandatos de governadores fossem fixados em quatro ou cinco anos e alguns poucos como Minas e Goiás fixaram em cinco), deputados federais e senadores, enfim, praticamente eleições gerais.

Para se ter uma idéia de como o IBAD atuava e atuava com fartos recursos, a revista semanal do Instituto trazia pérolas como essa – “se os comunistas ganharem o Bangu, time proletário será campeão todos os anos – O Bangu era formado originalmente por trabalhadores da tecelagem Bangu, mas financiado pelos donos da empresa. E àquela época já estava sob controle de Castor de Andrade, um dos líderes do crime organizado no Rio de Janeiro, ainda o centro das decisões políticas do Brasil.

O projeto IBAD fracasssou. Leonel Brizola saiu do governo do Rio Grande do Sul – não havia a figura do domicílio eleitoral – e veio para o Rio disputar as eleições para deputado federal. Obteve a maior votação da história em todos os tempos, 22% do eleitorado votou em Brizola e ainda elegeu o vice-governador, Elói Dutra e o senador Aurélio Viana, um socialista de Alagoas. Lacerda era o governador do Estado, a antiga Guanabara e suas apostas eleitorais, Amaral Neto, Lopo Coelho e Afonso Arinos foram fragorosamente derrotadas.

Quando perguntaram a Brizola por que disputar as eleições no Estado da Guanabara, o ex-governador do Rio Grande do Sul, em 1962, dois anos após a inauguração de Brasília, respondeu assim – “o Rio ainda é o tambor do Brasil. Quando bate aqui ecoa em todo o País –.

A luta ideológica era visível pelos rumos tomados no governo Goulart (Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Almino Afonso – ainda não contaminado pela moléstia tucanite –, Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e outros, inclusive Franco Montoro, líder da democracia cristã e ativamente ligado às forças populares que mesclavam desde o Partido Comunista Brasileiro (mudou a denominação em 1962 atendendo a sugestão de Darcy Ribeiro, pois a anterior, Partido Comunista do Brasil soava como organização estrangeira aos olhos da direita e da opinião pública), integrantes da teologia da libertação, grupos sindicalistas da antiga CNTI – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA –, UNE, e grupos criados em dissidências que haviam também à direita.

Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, respectivamente, governadores da Guanabara e de Minas tinham campanhas eleitorais paras as eleições presidenciais de 1965 nas ruas e disputavam internamente a indicação pela UDN. Juscelino, eleito senador por Goiás, cobria o País inteiro de JK-65. A tradicional aliança PSD/PTB certamente seria rompida, pois Brizola no Rio e Arraes, eleito governador de Pernambuco, pleiteavam suas candidaturas ambas com caráter reformista.

Esse quadro assustava a direita, assustava os Estados Unidos, o golpe começa a ser montado exatamente aí. O temor que o espaço de tempo entre 1963 – Jango recupera os poderes com o presidencialismo – e as eleições de 1965 pudessem enfraquecer candidaturas à direita e levar Brizola ou Arraes, ou mesmo o delírio de generais fascistas de um golpe militar para manter o presidente no poder.

Vernon Walthers vira adido militar dos EUA no Brasil, o embaixador norte-americano Lincoln Gordon é ligado a grupos golpistas da CIA e Lyndon Johnson dá o sinal verde, entendendo o que Nixon anos mais tarde falaria – “para onde se inclinar o Brasil se inclinará a América Latina” –.

O dispositivo militar de Jango juntava desde legalistas como Âncora de Moraes (comandante do I Exército – Rio – quando do golpe) a generais de esquerda. Ladário Teles – que tomou o Rio Grande do Sul e viabilizou condições de resistência que Jango não quis – ou o próprio Jair Dantas, ministro da Guerra (estava internado num hospital no dia do golpe e isso facilitou a tarefa dos golpistas).

A direita se juntava em torno da UDN, de Carlos Lacerda, atraiu Magalhães Pinto, ligou-se a golpistas como Muricy Andrade, Antônio Bandeira, Odílio Dennys e outros e tratou de tentar impedir que o movimento de sargentos e suboficiais conseguisse o controle dos quartéis. Pela primeira vez na história do Brasil, em 1962, um sargento foi eleito deputado federal. O sargento Garcia, pelo PTB, mas ligado ao antigo PCB.

Esses fios da rede ou teia golpista eram tecidos em Washington, na embaixada dos EUA no Brasil e Vernon Walthers conversava e ia colocando em forma generais ambíguos como Castello Branco e outros. Amaury Kruel, getulista e janguista de primeira hora, no momento decisivo ficou ao lado dos golpistas.

O golpe era questão de tempo, os pretextos já estavam montados e Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, sediada em Juiz de Fora, não desceu com as tropas por acaso ou por um ataque de loucura. Fora o autor do plano Cohen que dera ensejo ao Estado Novo em 1937 – era capitão – e obedecia ao comando de Dennys, Muricy, Sizeno Sarmento e outros. Muricy havia perdido um comando no Nordeste, onde Justino Alves Bastos comandava o IV Exército. Muricy achou que Justino apoiaria Jango. Apoiou até o meio dia do dia 31 de março. Depois, contra a parede, aceitou participar do golpe. Foi demitido um ano após em pleno vôo para o Rio, por ato do marechal Castello Branco, já presidente da República e imposição de Costa e Silva, ministro do Exército.

A grande preocupação da linha dura, o grupo fascista das forças armadas brasileiras era que Jango acatasse o conselho de alguns dos seus assessores e nomeasse o marechal Lott ministro da Guerra. Essa providência, no mínimo, teria dificultado, atrasado ou abortado o golpe. Lott tinha presença quase que soberana dentro do Exército e seus opositores eram minoria. Os chamados neutros não se opunham e nem contestavam o marechal. Jango não quis ouvir as sugestões. Um dos que sugeriram a nomeação de Lott foi o jornalista Paulo Francis através do diretor da “ULTIMA HORA”, um dos maiores jornais do País, Samuel Wainer.

Brizola também reagira à indicação de Lott, anos mais tarde, já depois da anistia, ficariam amigos e próximo com a conversão do marechal ao socialismo. Paulo Francis, nas várias análises que fez do golpe de 1964 mencionava esse fato. A sugestão de nomear Lott ministro da Guerra e era taxativo. “Jango teria evitado o golpe se tivesse ouvido o conselho”   
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