1964 – O ANO QUE O GIGANTE VIROU ANÃO - I

A decisão de derrubar João Goulart foi tomada ainda nos campos de batalha da IIª Grande Guerra, quando Vernon Walthers, coronel e intérprete entre as tropas brasileiras da FEB – FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA – e os militares norte-americanos, cultivou sólida e interesseira amizade com o tenente coronel Castello Branco, isso na Itália.

O presidente da República era Getúlio Vargas. Havia assumido o governo em 1930 na chamada “revolução de 30” e alternou períodos distintos nos quinze anos que governou o Brasil nesse primeiro momento. Voltou ao poder eleito em 1950.
Terminado o conflito os militares brasileiros voltaram ao País imbuídos do que chamaram de “espírito democrático” e as características do governo Vargas, a partir de 1937 eram nitidamente fascistas. Vargas foi deposto em 1945. A influência de norte-americanos na deposição de Vargas foi nítida, acentuada e decisiva.

A primeira derrubada de Goulart aconteceu em 1954. Era ministro do Trabalho, Indústria e Comércio do governo constitucional de Getúlio Vargas e uma rebelião de empresários, banqueiros e militares levou-a a renúncia. Jango – João Belchior Marques Goulart – havia decretado um aumento de 100% no salário mínimo.

O suicídio de Vargas abriu perspectivas para a vitória da oposição representada pela ex-UDN – União Democrática Nacional – e seu candidato, o marechal Juarez Távora. O vice-presidente da República o potiguar Café Filho, até então ligado a Ademar de Barros – PSP – Partido Social Progressista – e ex-governador de São Paulo, no curso do processo eleitoral acabou não só apoiando a candidatura de Juarez como aceitando se protagonista de um golpe em novembro de 1955 contra Juscelino Kubistchek que acabaram sendo o eleito em outubro de 1955. 

A constituição de 1946 determinava que o presidente fosse eleito por maioria simples de voto num só turno e a UDN valeu-se do argumento de legitimidade democrática para negar autenticidade a JK que não obtivera maioria absoluta de votos. O golpe só foi evitado, em 11 de novembro, pela vocação legalista do ministro da Guerra – hoje Ministério do Exército – marechal Teixeira Lott – Henrique Dufles Baptista Teixeira Lott. Nereu Ramos, presidente do Senado e do ex-PSD de Santa Catarina exerceu a presidência até a posse de JK em janeiro de 1956.

Jango era o vice-presidente. Como as eleições eram distintas, havia derrotado no voto direto a Milton Campos (UDN) e Danton Coelho (PSP). Juscelino reeditara a antiga aliança Minas e Rio Grande do Sul, que em 1930 resultou na revolução que levou Vargas ao poder. João Goulart, herdeiro direto de Vargas, trouxera para o candidato do ex-PSD e mineiro, o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – criado por Getúlio para possibilitar sua candidatura em 1950.

Um dado curioso a guisa de registro é que lançado de novo na política nacional pelo jornalista Samuel Wainer, Getúlio não conseguira o apoio do PSD – Partido Social Democrático –, mesmo sendo aquele presidido pelo seu genro Amaral Peixoto (marido de Alzira Vargas). Setores do partido lançaram a candidatura de Cristiano Machado que acabou abandonada no meio do caminho gerando o termo “cristianização”, como forma de traição na política.

A seção mais forte do PSD em todo o País, a mineira, era getulista em sua maioria – Tancredo Neves integrava essa facção – e Amaral Peixoto se encarregou de trazer a maior parte do partido no resto do País para a candidatura do sogro. São Paulo e poucos estados recusaram apoio a Vargas. Continuaram fiéis a Cristiano Machado que era mineiro.

Da deposição de Vargas, 1945, até a eleição de JK, 1955, foram várias as tentativas de golpes militares contra os governos constitucionais do País. A derrota do brigadeiro Eduardo Gomes – fundador da FORÇA AÉREA BRASILEIRA – para o general Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro de Vargas e suporte militar em 1937 no golpe do Estado Novo do ditador, dificultou as manobras explícitas da maioria das forças armadas (Aeronáutica e Marinha principalmente), mas ganharam força com a volta de Getúlio e chegaram ao auge com o assassinato do major Ruben Florentino Vaz, em agosto de 1954 e que acabou resultando no suicídio do presidente em 24 do mesmo mês.

A primeira grande crise envolveu o então ministro do Trabalho, Indústria e Comércio João Goulart. Saiu ali o “manifesto dos coronéis” exigindo a renúncia de Jango (entre os signatários Golbery do Couto e Silva, Cordeiro de Farias, protagonistas chaves em 1964). 

A descoberta que o assassinato do major da FAB fora determinado por seguranças de Vargas e o alvo era o deputado federal Carlos Lacerda, principal opositor do governo, levou o País a uma temperatura política acima do normal, comandos militares da FAB acintosamente montaram um esquema conhecido como República do Galeão para apurar e punir os responsáveis pela morte do major e Getúlio, sem apoio militar, acedeu em pedir uma licença. Isso a 23 de agosto. Na manhã do dia 24 foi encontrado morto em sua cama no Catete e ao lado a carta testamento, documento em que um diagnóstico do País era feito do ponto de vista do trabalhismo que então abraçara.

Se o assassinato de Ruben Florentino Vaz colocara a maioria do País contra Vargas, o suicídio do presidente neutralizou o golpe urdido na base aérea do Galeão e manteve a normalidade constitucional com a posse do vice-presidente Café Filho. Milhões de brasileiros foram às ruas protestar contra os adversários de Vargas.

1964 se volta então para as eleições presidenciais de 1955. Juarez Távora, ex-tenente (revolução tenentista), chamado vice-rei do Nordeste nos primeiros sete anos de governo de Getúlio – até o Estado Novo – de quem foi aliado e ex-integrante da coluna Prestes, era o candidato da antiga UDN. JK do PSD, Ademar de Barros, também oriundo no getulismo pelo PSP e o líder integralista Plínio Salgado, pelo antigo PRP – Partido de Representação Popular – que criara para abrigar seu movimento.

A vitória de JK contraria os interesses dos militares à direita e um golpe é tentado em novembro de 1955. Café Filho sofrera um infarto, Carlos Coimbra da Luz, do ex-PSD de Minas, mas contrário a JK, assume o governo na condição de presidente da Câmara e em três dias é deposto pela reação das forças legalistas sob o comando do general Lott, ministro da Guerra.

JK toma posse com o aval militar de Lott e enfrenta duas tentativas de rebelião, ambas dentro da força aérea. Jacaré-acanga e Aragarças. Supera as duas e entrega o País ao presidente eleito em outubro de 1960, Jânio Quadros (apoiado pela UDN e por Lacerda). Jango havia sido reeleito vice-presidente. A constituição de 1946 impedia a reeleição do presidente, mas não a do vice. Derrota novamente a Milton Campos e agora também a Fernando Ferrari, oriundo do PTB e dissidente do getulismo/janguismo.

Num governo marcado por excentricidades, uma de suas marcas registradas e por porres quase que diários – outra de suas marcas registradas – Jânio renuncia sete meses depois, em 25 de agosto de 1961. Jango, o vice, está na China em missão diplomática e os ministros militares (Odílio Denys – da Guerra –, Grum Moss – Aeronáutica – e Sílvio Heck – Marinha –) se opõem à posse de Goulart, deflagram um movimento nesse sentido, mergulham o País numa crise política que só encontra saída na reação do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, na falta de apoio popular aos militares contrários a Jango e na divisão nítida dentro das forças armadas. O IIIº Exército, com sede em Porto Alegre, comandado pelo general Machado Lopes adere ao movimento de Brizola.

Um acordo conduzido por Tancredo Neves garante a posse de Jango com a aprovação da emenda parlamentarista, que reduzia os poderes do presidente. Tancredo é indicado primeiro-ministro. Em 1963, no início do ano, o presidente recupera os poderes com a volta do presidencialismo após consulta popular. A vitória de Jango é esmagadora.

Todo esse emaranhado de disputas, mortes, tentativas de golpe, esconde os verdadeiros propósitos da facção que veio a tomar o poder em 1964. Um governo de direita, ligado aos interesses norte-americanos num mundo bi-polar (Estados Unidos versus União Soviética) e em função dos interesses de grandes empresas, latifúndio e bancos.Vernon Walthers, agora general e diretor da CIA, é quem vem mantendo com Castello Branco e outros militares brasileiros a rédea do golpe. Lincoln Gordon, o embaixador dos EUA no Brasil no governo Goulart, é outro protagonista com aval do presidente democrata Lyndon Johnson para o golpe.

A tentativa de atrelar o Brasil aos interesses dos EUA, sem riscos, cresceu em seguida à revolução cubana de Fidel Castro e ao surgimento de guerrilhas e lideranças populares em toda a América Latina. Os EUA reinavam soberanos em toda a América até a deposição de Fulgêncio Batista, em Cuba e Goulart, no Brasil. Como anteriormente, sempre na política do “big stick” em sucessivas intervenções nos negócios internos de governos latino-americanos. Desde arrancar o que hoje é o Panamá e no início do século XX era parte da Colômbia – para construir o canal – passando por apoio a ditadores estilo Somoza, Trujillo, Duvivier, Rojas Pinilla, Marco Pérez Jimenez, Stroessner e outros, ou depondo governos populares o de Jacob Abenz na Guatemala.

As forças armadas brasileiras à época do governo Goulart refletiam esses interesses em boa parte dos seus integrantes e sofriam forte oposição noutro setor. A presença de militares nacionalistas, ou socialistas ganhou força no governo Goulart, ficou mais clara, mais evidente, o que precipitou os arranjos feitos em Washington para o golpe no Brasil. Uma pesquisa atenta logo após o golpe vai mostrar que mais de dois mil e quinhentos militares brasileiros foram expurgados, entre oficiais, suboficiais/sargentos na política de alinhar o Brasil com os EUA.

Se, por exemplo, era grande o número de militares a favor da criação da PETROBRAS por Getúlio Vargas – campanha o “petróleo é nosso” – a facção udenista, que mais tarde liderou e comandou o golpe de 1964 era contrária. A própria ELETROBRAS que só viria a se materializar de fato no governo Goulart foi criada por Getúlio. Dividiu os militares.

Se o golpe de 1964 as manteve, foi porque mesmo com o expurgo permaneceram militares com tendências nacionalistas ainda que à direita, caso do general Ernesto Geisel, talvez o último líder de fato das forças armadas. Geisel foi chefe do gabinete militar do período parlamentarista de Tancredo – de quem era amigo – e decisivo na ruptura da antiga ARENA para a eleição do mesmo Tancredo em 1984. O vice de Tancredo deveria ter sido Aureliano Chaves, sem trocadilho, homem chave de Geisel junto aos políticos e só não o foi por ser mineiro como Tancredo. Sarney entrou ali por ser o presidente da ARENA/PDS e por sua incrível capacidade de parecer ser o que não é e nem nunca foi. Sarney não é nada, consegue ser tudo.  
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