O problema, para o Brasil, é que essa conexão envolvendo Lula e agora Barak Obama no campo dos agrocombustíveis tem tudo para repetir experiências passadas em que sócios endinheirados (no caso, empresas privadas estadunidenses) e com objetivos muito bem determinados acabam absorvendo sócios (o governo e empresas do Brasil) que entram no negócio aportando insumos baratos: terras agricultáveis, insolação e plena disponibilidade de recursos hídricos e mão de obra superbarata.
A
liderança mundial do Brasil na questão do álcool de cana está, assim, sob clara
ameaça, mas parece que ninguém se importa com isso.
Ao longo de toda sua
campanha, Obama repetiu inúmeras vezes eu desejo de garantir a segurança
energética dos EUA, dependente de fontes externas de petróleo. A saída, para
ele, seria desenvolver a economia verde do álcool e dos demais combustíveis
agrícolas. Por esta razão ele escolheu como Secretário (Ministro) de Energia dos
EUA o físico e prêmio Nobel Steven Chu, que , como alertou a pesquisadora
mexicana Silvia Ribeiro, da ong ETC Group, lidera no "Laboratorio Nacional
Lawrence Berkeley, um projeto de energia cuja meta é produzir tecnologias
transformadoras em nanotecnologia e biologia sintética". O co-diretor desse
projeto é Jay Keasling, fundador da empresa Amyris Biotech, que vem se
associando aos maiores grupos brasileiros de produção de etanol aqui mesmo por
estas bandas.
No Brasil, a Amyris, que tem entre seus controladores a
Votorantin Novos Negócios, tornou-se em março de 2008 sócia majoritária (70%) da
Crystalsev, um dos maiores distribuidores e comercializadores de etanol. Ambas
criaram a Amyris-Crystalsev Biofuels, que no final do ano passado nomeou o
ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues para o seu Conselho Consultivo
Estratégico. Titular da pasta entre 2003 e 2006, Rodrigues foi o líder do lobby
no seio do governo pela liberação inconstitucional da soja transgênica da
empresa Monsanto e de outras variedades igualmente modificadas
geneticamente.
Proprietária de 17 usinas de açúcar e álcool, a Crystalsev
deve controlar 7% da safra 2008/2009, moendo perto de 40 milhões de toneladas de
cana. Planeja inaugurar em fevereiro na região de Campinas sua primeira
usina-piloto, que integra o plano de produzir no futuro 1 bilhão de litros de
óleo diesel de cana, ou seja, perto de 20% de toda a importação de diesel pelo
Brasil.
Segundo o próprio Rodrigues em entrevista à revista Safras, "o
que está em jogo, (…) é quem vai controlar as tecnologias que dominarão o
mercado futuro de fontes renováveis de energia e combustíveis. Tudo dependerá do
planejamento estratégico que o País [o Brasil] ainda não desenhou para o setor
e, de outro lado, do que preverão os acordos de cionistas que vão regular a
associação entre os grupos brasileiros e seus sócios estrangeiros".
Lá
nos EUA, o Departamento de Energia subsidia empresas e centros de pesquisa que
buscam a viabilidade técnica e comercial da produção do álcool celulósico,
aquele chamado de segunda geração. Porém, mesmo investindo rios de dinheiro – só
a British Petroleum disponibiliza, ainda segundo a revista Safras, 600 milhões
de dólares para o Energy Biosciences Institute pesquisar biomassa - , ainda são
necessários mais do que recursos financeiros e tecnológicos para se disputar o
mercado de agrocombustíveis. Somente países com a extensão e as características
do Brasil, como observou Roberto Rodrigues, são capazes de fornecê-las – e é aí
que reside nossa importância estratégica e vital para o futuro energético do
planeta.
Porém, toda essa vantagem competitiva que o Brasil demonstrou
nos últimos anos parece estar sob perigo. Pelo menos, é o que se pode deduzir a
partir da estruturação do setor e dos nomes envolvidos nessa aliança estratégica
entre Brasil e EUA.
* Carlos Tautz é jornalista.
Publicado originalmente no Blog do Noblat: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=159028&a=112(Envolverde/O autor)