Particularmente no período conhecido como "guerra fria" (pós-Segunda Guerra Mundial) o imperialismo, sob mando do imperialismo ianque, impôs aos países dominados da Ásia, África e América Latina a "Doutrina de Segurança Nacional", através de regimes militares fascistas.
Com o fim da "guerra fria" tal doutrina é substituída pela idéia de "democracia como valor universal" e de que só são democráticos os regimes surgidos e mantidos por "eleições livres" e que "respeitem os direitos humanos". Esta "nova" doutrina, evidentemente, esconde o fato de que sob o capitalismo e, particularmente, na sua fase de decomposição e parasitismo, o imperialismo, a democracia tem caráter de classe burguês e, consequentemente, as eleições são definidas em favor dos possuidores do capital, ou seja, nos dias de hoje, da oligarquia financeira. Nessa condição, nas colônias e semicolônias, os países dominados pelo imperialismo, a democracia burguesa não vai muito além de sua caricatura.Nas eleições burguesas, seja nos países imperialistas, seja nas colônias e semicolônias, o capital é empregado não apenas para imprimir "santinhos", mas para manter intacto um processo eleitoral corrupto e corrompido. Assegura as regras do jogo, além de que atua na compra de pesquisas, de juízes e do próprio eleitorado, pelo abuso do poder econômico. Esta é uma fraude intrínseca ao sistema capitalista. Por isto mesmo os liberais e os oportunistas precisam repetir sempre que até hoje não se inventou algo mais "democrático" do que as "eleições". Pura exaltação da forma, para embelezar e encobrir uma realidade podre.
O caráter de classe do Estado
Em 1917, Vladimir Lenin escreveu sua obra O Estado e a Revolução
na qual trava uma decisiva batalha contra os oportunistas e
revisionistas de então, representados por Karl Kautsky, os quais
negavam a necessidade de destruição da máquina do Estado burguês e sua
substituição por outra que expressasse a democracia na forma e no
conteúdo, portanto, verdadeiramente democrática.
Lenin recorre à obra de Friedrich Engels A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado para expressar com clareza a idéia básica do marxismo sobre a questão do papel histórico e do significado do Estado:
"O Estado — diz Engels, fazendo o balanço de sua análise histórica —
não é, portanto, de modo nenhum, um poder imposto de fora à sociedade,
tampouco é a realidade da idéia moral", "a imagem e a realidade da
razão" como Hegel afirma. É, isso sim, um produto da sociedade em
determinada etapa de desenvolvimento; é a admissão de que esta
sociedade se envolveu numa contradição insolúvel consigo mesma, se
cindiu em contrários inconciliáveis que ela é impotente para banir. Mas
para que estes contrários, classes com interesses econômicos em
conflito, não se devorem e à sociedade numa luta infrutífera, tornou-se
necessário um poder, que aparentemente está acima da sociedade, que
abafe o conflito e o mantenha dentro dos limites da 'ordem'; e este
poder, nascido da sociedade, mas que se coloca acima dela, e que cada
vez mais se aliena dela, é o Estado". (pp.177-178 da 6ª. Edição alemã).
Para legitimar sua dominação e a idéia de que seu Estado é
representante de toda a sociedade, as classes dominantes lançam mão da
farsa do processo eleitoral. Lenin ao destacar que "Engels chama o
sufrágio universal de instrumento de dominação da burguesia",
acrescenta:
"Os democratas pequeno-burgueses semelhantes aos nossos socialistas
revolucionários e mencheviques, bem como os seus irmãos gêmeos, todos
os sociais-chauvinistas e oportunistas da Europa Ocidental, esperam
precisamente 'mais' do sufrágio universal. Eles próprios partilham e
incutem no povo esta idéia falsa de que o sufrágio universal 'no Estado
de hoje' é capaz de revelar a vontade da maioria dos trabalhadores e
assegurar que seja posta em prática".
Nos países dominados, o formalismo das eleições está em correspondência
ao formalismo das instituições que compõem o Estado semicolonial.
Exemplo disso é o modelo de República Federativa que as classes
dominantes brasileiras, sob recita colonial, implantaram. Nela, cada
unidade da federação continua sendo um feudo das oligarquias locais que
se fazem representar neste lugar sinistro chamado de Senado Federal,
sem a chancela do qual nada é aprovado no parlamento.
O parlamento como o espaço de pugnas e conluios é a demonstração
patente da aliança das frações da classe dominante no controle do
aparelho de Estado. A partir de sua força local elas emergem como força
nacional. Nomeando os altos funcionários da burocracia local, os juízes
de seus tribunais e elegendo suas assembléias legislativas, os
prefeitos municipais e as câmaras de vereadores. É, pois, das eleições
municipais que as oligarquias locais alavancam sua "representatividade"
para reivindicar sua participação, quer dizer, impor seus interesses,
na divisão dos cargos de mando da União. Nesta disputa não ficam de
fora as promoções para o alto oficialato das forças armadas e as
indicações para a direção da Polícia Federal e para os tribunais
superiores cujos manuais e regimentos internos são apenas a forma de
acobertar o jogo de interesses que se dá no fechado círculo do poder.
Esta é a "democracia representativa" com que os políticos profissionais
rebaixam a condição de cidadãos da ampla maioria do povo à obrigação de
votar nos seus "representantes", que depois de laureados passam a
cuidar de seus interesses particulares e dos grupos econômicos a que
servem e que, ao fim e ao cabo quem os elegeram. Fica o povo alijado
das decisões que serão tomadas, a partir de então, em seu nome.
Sobre esta "democracia" Lenin, na obra citada acima, assim se pronunciou:
"Na sociedade capitalista, nas condições de seu desenvolvimento mais
favorável, temos um democratismo mais ou menos completo na república
democrática. Mas este democratismo está sempre comprimido nos limites
estreitos da exploração capitalista e, por isso, permanece sempre, em
essência, um democratismo para a minoria, apenas para as classes
possuidoras, apenas para os ricos. A liberdade da sociedade capitalista
permanece sempre aproximadamente como era a liberdade nas repúblicas
gregas antigas: liberdade para os escravistas. Os escravos assalariados
atuais, devido às condições da exploração capitalista, permanecem tão
esmagados pela necessidade e pela miséria que 'não estão para a
democracia', 'não estão para a política', que, no curso habitual,
pacífico dos acontecimentos, a maioria da população está afastada da
participação na vida político-social."
As classes dominantes tratam com tanto zelo a sua farsa eleitoral que
criaram tribunais especiais para cuidar do assunto, logicamente,
montados sobre pomposa estrutura física e uma burocracia cevada a,
também, polpudos salários. Estes tribunais dão a aparência de seriedade
ao processo eleitoral registrando o eleitorado e punindo-o se não se
submete à obrigação de votar, julgando seus conflitos e realizando
campanhas apelativas ao comparecimento às urnas.
No Estado burguês o sistema de governo aparece de duas formas: como
ditadura burguesa aberta e declarada (vulgarmente denominada por
ditadura) ou na forma de "democracia representativa" (da mesma forma
vulgar denominada por democracia ). Para esta segunda forma se criaram,
portanto, instituições que encobrem a sua essência de ditadura da
burguesia (que nas semicolônias é aliada aos latifundiários a serviço
do imperialismo).
Lenin afirmou que "Marx apreendeu magnificamente esta essência da
democracia capitalista ao dizer na sua análise da experiência da
Comuna: autoriza-se os oprimidos a decidir uma vez de tantos em tantos
anos qual precisamente dos representantes da classe opressora os
representará e reprimirá no parlamento!" E acrescenta mais adiante:
"Por outras palavras temos no capitalismo o Estado no sentido próprio
da palavra, uma máquina especial para repressão de uma classe por
outra, e, além disso, da maioria pela minoria".
As eleições, portanto, dão aos eleitos (a minoria) o "direito" de, em
nome da maioria, elaborar leis e tomar decisões que oprimem e exploram
a maioria.
O apodrecimento do velho Estado
As classes dominantes em suas frações e grupos de poder, entretanto,
e, principalmente nos momentos de crise, travam entre si uma acirrada
disputa pelos recursos oriundos dos impostos arrancados ao povo e pela
definição do conjunto de políticas de Estado. No Brasil, como nos
demais países "democráticos", a partir do parlamento os representantes
das classes dominantes não só se isentam de pagar os impostos como
extorquem a maioria da nação com pesados impostos e taxas que após
arrecadados serão distribuídos, em primeiro lugar acorde aos interesses
dos que detém o poder de Estado (poder real) e, em segundo contemplando
aos que gerenciam (governo) a máquina do Estado. Assim, sob a forma de
juros, amortização ou pagamento de empréstimos externos, remessa de
lucro, royalties, pagamento superfaturados de insumos, assistência
técnica e serviços, contrabando de minérios e exportações subfaturadas,
o imperialismo leva a maior parcela das riquezas produzidas no país.
O que sobra, e que não é nada pouco, é disputado Real por Real pelas
burguesias compradora e burocrática e pelo latifúndio de velho e novo
tipo. Tudo "legalizado" através das compras do Estado, de empréstimos
do BNDES e do Banco do Brasil (como o vergonhoso negócio da Oi com a
Brasil Telecom, patrocinado por Luiz Inácio), isenções e renúncia
fiscal (vide a vende-pátria Lei Kandir), altos salários da burocracia,
polpudos jetons nos conselhos de administração de bancos e empresas
estatais. A grande transferência de recursos da nação para o bolso das
classes dominantes é, porém, pela via pura e simples da corrupção. O
famigerado caixa dois é alimentado com propinas e comissões, negociadas
por lobistas estabelecidos com escritórios e residência fixa. Os
recursos são obtidos através de superfaturamento de obras e compras de
mercadorias e serviços via licitações e concorrências fraudulentas
(feitas com cartas marcadas). Estes procedimentos se dão em todos os
níveis da administração pública e dos "poderes" do Estado.
Os últimos acontecimentos em que a Polícia Federal prendeu e o
Presidente do Supremo mandou soltar o banqueiro Daniel Dantas e outros
envolvidos em escândalos financeiros são bem significativos não só do
caráter de classe do Estado quanto, no caso brasileiro, do
apodrecimento do mesmo. O episódio, que envolveu os "três poderes" da
República, a partir da discussão do Presidente Luiz Inácio com o
Delegado; as declarações de Gilmar Mendes (STF) sobre o método da
"espetacularização" da polícia na prisão de Dantas, seguidas de seu
pronto atendimento ao Habeas Corpus impetrado pelo advogado do
banqueiro; as vinculações do banqueiro com parlamentares; e o
afastamento do delegado responsável pelas investigações são a
demonstração patente da pugna dos grupos de poder dentro do Estado
brasileiro para se apoderarem da máquina estatal e servir aos seus
interesses.
Vale lembrar que o fator impulsionador do acirramento destas disputas,
no momento atual, é o aprofundamento da crise que se abateu sobre o
sistema financeiro ianque levando de roldão o sistema financeiro
internacional. E, mais uma vez, o imperialismo tentará resolver sua
crise a partir do aumento do achaque às nações oprimidas. Daí que por
mais ufanistas que sejam as declarações de Luiz Inácio, elas,
objetivamente, não aplacarão o desbordar da crise em nosso país.
É neste quadro que ocorrerão as próximas eleições municipais e todos os
elementos envolvidos nesta e noutras disputas procurarão se fortalecer
elegendo seus prepostos aos cargos municipais e, ostentando seus
troféus, se entregarão a novas refregas pela redistribuição do butim da
republiqueta.
Enquanto isso, velhacos e ingênuos...
O combate de Lenin aos oportunistas da Segunda Internacional e de
Mao Tsetung aos kruschevistas é atual, porquanto se tratava de mostrar
que não é possível reformar ou transformar o caráter do Estado a partir
de dentro do próprio Estado. Há que, em primeiro lugar, arrancar o
poder das mãos das exploradoras classes dominantes e destruir por
completo a máquina montada para esta dominação.
Estimuladas e iludidas pelo oportunismo muitas pessoas se põem a buscar
a salvação a partir de dentro do sistema, indo às trevas a procura de
luz. Acham elas que se forem feitas boas leis e se assegurem a sua
correta aplicação poderão ser estabelecidas a ética e a moral. Estas
pessoas não conseguem enxergar a relação entre a economia e a política
e muito menos enxergam a sociedade de classes em que vivem. Citemos por
exemplo um trecho do manifesto de autoria de um certo Eduardo Guimarães
ao qual estão sendo solicitadas subscrições pela internet: "Urgem o
impeachment de Gilmar Mendes e o prosseguimento inabalável da
investigação de crimes que afrontaram a sociedade não apenas pela
ousadia e pela dimensão dos danos a ela causados, mas pela conduta
imprópria daquele que deveria ser o guardião maior da lei, por ter
estabelecido uma Justiça diferente para um único cidadão sem qualquer
respaldo no Arcabouço Jurídico da Nação".
Citando Marx, Lenin, mais uma vez, nos dá a certeza de que as
contradições vivenciadas pela sociedade brasileira só poderão ser
superadas mediante a quebra da ordem econômica imposta a nós pelo
imperialismo e as classes que lhe dão suporte interno no Brasil.
Reflitamos, pois, com Marx e Lenin: "O direito nunca pode ser superior
à construção econômica e ao desenvolvimento cultural por ela
condicionado da sociedade". Chegaremos, então, a conclusão da
necessidade de repudiarmos esta farsa eleitoral e nos empenharmos na
mobilização, politização e organização das amplas massas para a
realização de uma Revolução Democrática que tenha na Revolução Agrária
seu desencadeador e impulsionador, seguidos pela afirmação da soberania
nacional e que se encaminhe de maneira ininterrupta ao socialismo.