DEMOCRACIA PELA METADE
A tentativa do tráfico de impedir o trabalho da imprensa na Vila Cruzeiro no último sábado, dia 26, exige uma resposta firme e imediata do governo do Estado do Rio de Janeiro. Os bandidos obrigaram profissionais do Jornal do Brasil, O Dia e O Globo a apagar as fotos da visita do senador Marcelo Crivella (PRB), candidato a prefeito, à comunidade. "No mundo do crime", segundo um dos bandidos, armado com fuzil, "não se pode sair fotografando".O episódio mereceria o repúdio da sociedade em qualquer local onde ocorresse, mas na Vila Cruzeiro se enche de simbolismo para denunciar a incapacidade do poder público de libertar as favelas da tirania do narcotráfico e incluir suas populações na vida democrática do País. Há seis anos, na mesma favela, traficantes torturaram e mataram Tim Lopes porque ele ousara gravar imagens da realidade da favela sem autorização do poder criminoso. A ação do tráfico seis anos depois revela a falência de uma política de segurança que faz discursos, dá muitos tiros, mas continua longe de cumprir sua obrigação básica. A Vila Cruzeiro continua como antes, assim como todas as comunidades seqüestradas pelo crime, que vivem à espera de uma ação de resgate pelo Estado, inteligente e eficaz.
Em vez da sonhada ação de resgate, o que se viu nesses seis anos de incompetência da política de segurança foi o ingresso crescente de agentes do próprio estado nos grupos organizados, as milícias urbanas, mais nova e temida ameaça à liberdade de imprensa e ao direito de ir e vir no Rio de Janeiro. Em maio último, uma equipe de O Dia foi torturada na favela do Batan, em Realengo, durante uma reportagem sobre milícias. Sob o pretexto de livrarem as comunidades do tráfico, esses grupos, geralmente formados por policiais, bombeiros e agentes penitenciários, extorquem, torturam e matam. Uma máfia que ganhou terreno a ponto de eleger deputados e se infiltrar nos mais elevados postos do poder. As prisões do ex-chefe de polícia Álvaro Lins, do deputado Natalino Guimarães (DEM) e seu irmão, o vereador Jerominho (PMDB), sinalizam aonde corremos o risco de chegar se os poderes da democracia brasileira, inclusive a Justiça, não agirem com pressa e vigor.
O governador Sérgio Cabral condenou a ousadia dos bandidos da Vila Cruzeiro, afirmando que "o direito de ir e vir de candidatos e da imprensa é sagrado". O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio concorda, mas entende que o governo do Estado, mais que se indignar, precisa reestruturar suas ações contra milícias, traficantes e policiais corruptos. Sem isso, o processo eleitoral no Rio de Janeiro será o reflexo de uma democracia pela metade, com zonas de exclusão. Liberdade exige governo e Justiça atuantes no cumprimento da lei.
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