Publicado originalmente em CECAC
“‘Estamos
nos transformando na grande roça do mundo’,...
César
Borges de Souza, vice-presidente da Caramuru Alimentos,
a
maior empresa de processamento de grãos de capital nacional.”
[1]
Afirmamos em nosso documento “Regressão a uma Situação Colonial de Novo Tipo” [2] que a reconfiguração da formação econômico-social brasileira responde a sua inserção como país dominado no processo de reconfiguração do sistema imperialista, da economia mundial, ou “a movimentos de expansão e deslocamento da economia internacional”, como quer o BNDES em seu documento: “Por que os investimentos na indústria vão crescer” [3].
A partir desta análise mostramos que as mudanças na estrutura econômica da formação brasileira se expressavam, principalmente, num processo que se desdobrava em quatro movimentos distintos e, ao mesmo tempo, faces do mesmo processo;
1 – na formatação de uma nova estrutura industrial já não mais integrada horizontalmente e verticalmente pelo encerramento de um conjunto, ou de elos, parcelas das cadeias produtivas, de ramos de atividades industriais, segmentos industriais que se faziam desde a extração e manufatura de matérias primas e insumos ao produto final até o encerramento de setores da produção de bens de consumo, que assim passam a ser importados ou somente montados no país (nesse último caso, por monopólios estrangeiros). Com isso, perdem-se segmentos industriais relevantes ou rompem-se elos em cadeias produtivas. A desindustrialização é, portanto, um fenômeno constitutivo da regressão a uma situação colonial de novo tipo.
2 – na organização de um novo setor industrial voltado para a constituição de ilhas de produção e montagem de mercadorias, em empresas estrangeiras ou associadas, de média tecnologia, principalmente para exportação. Na pauta de exportações brasileira, a presença de produtos com alto valor agregado, oferta dinâmica e uso intensivo de tecnologia pode permitir conclusões equivocadas. Com algumas poucas exceções, estes produtos que figuram como exportação brasileira, em realidade, de made in Brazil só têm a fase de montagem do que foi produzido em outros países, nas cadeias de produção internacional, organizadas pelas empresas transnacionais imperialistas. Fase de montagem que requer um baixo nível de especialização e força de trabalho barata. A tecnologia e o conhecimento técnico incorporados a essas mercadorias se concentram em peças e componentes importados, e boa parte do valor agregado beneficia as empresas dos países imperialistas onde essas peças e componentes são produzidas, e que organizam estas redes de produção.
3 – na constituição de um setor agroindustrial voltado à exportação. Na exportação de commodities minerais. Assim, o pólo dinâmico da economia se transfere para setores voltados à exportação. Portanto, um conjunto de setores que se realizam no exterior. No geral, setores de elaboração de produtos primários. Ou seja, os novos setores dinâmicos têm seu ciclo produtivo concluído no exterior, realizado no exterior. Nesse sentido, o Brasil aprofunda a característica de país exportador de mercadorias intensivas em força de trabalho e derivadas da exploração de seus recursos naturais, baseando-se, para competir no mercado mundial, em sua disponibilidade de força de trabalho barata e de pouca qualidade. A especialização na produção e exportação de commodities é outra das características da regressão colonial.
4 – na montagem de um sistema com o objetivo de remunerar o capital financeiro, remunerando com altos juros o capital fictício que circula e só existe nas engrenagens da especulação, através da articulação entre um elevado superávit primário e altos saldos na balança comercial, que permitem remunerar o capital de “cassino”. Capital este que corre para cá com total liberdade atrás das vantagens que só o Brasil e o governo do PT são capazes de dar. Para isto, configura um mecanismo a fim de executar uma punção sobre grande parcela da mais-valia produzida internamente, mesmo quando realizada no exterior, a favor do capital financeiro. Extorque do povo um elevado superávit primário em relação ao PIB, o que possibilita ao governo - mantendo a taxa de juros a mais alta na economia mundial - capturar uma parcela da mais-valia produzida e, comprando os dólares do saldo da balança comercial, transformá-los em remuneração ao capital financeiro beneficiado por estas altíssimas taxas de juros internas oferecidas. (Boletim do CeCAC, ano XII, nº1)
Podemos dizer que, desde que publicamos nosso texto, se aprofundou, tornando-se mais evidente, com suas características, emergindo mesmo da análise superficial de “indicadores”, o processo de regressão, de adequação da formação brasileira aos “movimentos de expansão e deslocamento da economia internacional” e, concomitante, neste processo as frações da classe dominante que vinham com contradição em relação a aspectos do movimento de regressão convergiram, no principal, em sua direção.
Vamos analisar, a partir dos quatro movimentos/características que
identificamos acima, com as quais conceituamos o processo de regressão,
como este se desdobrou. Analisar como evolui o processo a partir de suas características.
A primeira, “...
uma nova estrutura industrial já não mais integrada horizontalmente
e verticalmente...”.
Segundo, “...
na organização de um novo setor industrial voltado para a constituição
de ilhas de produção e montagem de mercadorias, em empresas
estrangeiras ou associadas, de média tecnologia, principalmente para
exportação.”.
Terceiro, “...
na constituição de um setor agroindustrial voltado à
exportação. Na exportação de commodities minerais.
Assim, o pólo dinâmico da economia se transfere para setores
voltados à exportação.”.
Quarto, “...
na montagem de um sistema com o objetivo de remunerar o capital financeiro,...”.
(Boletim do CeCAC,
ano XII, nº1)
É de fundamental importância, ao colocar em prática nossa crítica a partir da análise da formulação de economistas burgueses, dos economistas do BNDES, IEDI, particularmente, ter em conta que o ponto de vista de classe onde estão situados – o ponto de vista das diversas frações da classe dominante – os leva a ver ou a não ver, em suas análises, fenômenos ou a enfocá-los de seu ponto de vista e, assim, a identificá-los sob a forma determinada pelos interesses da classe que representam. Um bom exemplo disto está no documento do BNDES, “Visão do Desenvolvimento nº. 26”.
Esta modalidade de cegueira ideológica se expressa por todos os documentos que analisamos. Nestes textos, partindo do ponto de vista de classe, os economistas das distintas frações da classe dominante brasileira, não podem ver que a mudança estrutural importante não é o crescimento ou queda de um índice ou de outro, porém a reconfiguração da economia brasileira condicionada pelos processos de reorganização da economia mundial. Aqui, o crescimento ou queda de um índice é resultado do processo de regressão sob a determinação da economia mundial, do imperialismo.
Partindo da análise dos textos do IEDI e de órgãos governamentais como o BNDES, podemos comprovar que, não só se aprofunda o processo de regressão, como também que as diversas frações da classe dominante passaram a alocar seus capitais em torno do novo “sentido da colonização”, a regressão, atendendo às determinações do sistema em busca da taxa de lucro.
O IEDI publicou em 23/03/07, portanto um ano e quatro meses depois de ter lançada a questão “Ocorreu uma Desindustrialização no Brasil?” [4], a Carta nº. 252 “Desindustrialização e Dilemas do Crescimento Econômico Recente” que inicia afirmando: “Podemos dizer que a desindustrialização está aumentando...”, para concluir, “Em síntese, mesmo dotado de um parque industrial amplo e diversificado, verifica-se nos últimos anos um processo de desindustrialização no país,...”.
O trabalho do IEDI começa por apontar para o baixo ritmo de crescimento da economia brasileira, partindo do pressuposto correto de que numa economia capitalista é o crescimento da indústria que puxa o crescimento de toda a economia:
“O baixo dinamismo da economia brasileira, expresso em baixas taxas de crescimento do PIB, se constitui em um dos principais problemas macroeconômicos da atualidade. O crescimento da indústria de transformação, setor que por suas características de encadeamento de demandas ao longo das cadeias produtivas dentro e fora da indústria exerce um importante efeito de liderar a taxa de crescimento agregada, também tem crescido pouco.” (“Carta IEDI nº. 252”, p.2)
O problema não é que o PIB tenha crescido pouco, o problema é de que cresceu pouco por ter sido “puxado” para baixo pela “indústria de transformação”, como aponta a nova carta onde o IEDI dá os índices do aprofundamento da “desindustrialização”, a partir deles podemos mostrar como se desenvolveram as características do processo de regressão que relacionamos acima:
A primeira, de que a estrutura industrial constituída anteriormente vem sendo substituída por “... uma nova estrutura industrial já não mais integrada horizontalmente e verticalmente...”.
“Se um parque industrial está perdendo importância, seja em termos quantitativos ou qualitativos, esse processo pode se dar de duas formas, não excludentes. Na primeira, determinados setores industriais vão perdendo peso, em termos absolutos e/ou em relação ao total da indústria, não sendo isso compensado pelo ganho de importância de outros segmentos industriais. Esse processo é de maior gravidade, se os setores que encolhem são intensivos em tecnologia (setores de ponta).” (“Carta IEDI nº. 252”, p. 9)
É isto o que vai caracterizar a “desindustrialização”, “determinados setores industriais vão perdendo peso, em termos absolutos e/ou em relação ao total da indústria, não sendo isso compensado pelo ganho de importância de outros segmentos industriais.” Não só a indústria vai perdendo “determinados setores” como também vai perdendo setores “intensivos em tecnologia”.
“Uma atualização do estudo anterior aponta para um aprofundamento do processo de desindustrialização nos últimos dois anos. A menor taxa de crescimento da indústria de transformação relativamente aos demais setores da economia é um indicativo de que o processo de desindustrialização está progredindo. Mais ainda, observando os componentes da demanda agregada que mais cresceram no período, o expressivo crescimento das importações (9,3% em 2005 e 18,1% em 2006), com baixo incremento da produção da indústria de transformação (1,1% em 2005 e 1,9% em 2006), sugere que pode estar ocorrendo um forte processo de substituição de produção doméstica por importações” (“Carta IEDI nº. 252”, p. 3).
O que vai mostrar o estudo é que setores ou elos da cadeia produtiva são desativados e substituídos pela importação de peças e componentes, por outro lado, nos setores em que se mantiveram com suas cadeias de produção completa não se deu a atualização dos processos produtivos. Mesmo quando se diz que estes setores não recuaram tecnologicamente, mas estagnaram, se está afirmando que estão empregando tecnologias já superadas ou em vias de superação na economia mundial (os trustes e cartéis transferem tecnologia “velha” retirando novos lucros delas) visto que esta vem vivendo um processo intensivo de incorporação de novas tecnologias, com o objetivo de aumentar a taxa de lucro, intensificando a exploração das classes dominadas.
“Uma conclusão geral sobre as mudanças na estrutura produtiva: a abertura econômica, se não provocou uma regressão tecnológica, também não promoveu um “upgrade” em termos de processos produtivos mais sofisticados.” (“Carta IEDI nº. 252”, p.2).
Segundo, “... na organização de um novo setor industrial voltado para a constituição de ilhas de produção e montagem de mercadorias, em empresas estrangeiras ou associadas, de média tecnologia, principalmente para exportação.”. (Boletim do CeCAC, ano XII, nº1)
O estudo do IEDI mostra que outra forma do que vai chamar de “desindustrialização”, a reconfiguração da indústria no Brasil, se dá com o processo que denomina de “terceirização” da produção de peças e componentes e matérias-primas. Mostra que esse processo de “terceirização” expressando o que identifica como “desindustrialização”, a reconfiguração da indústria brasileira, se dá quando a produção industrial de matérias-primas, peças e componentes é transferida para outras empresas e, no caso do Brasil, para o exterior, resultando na situação, por exemplo, da zona franca de Manaus, onde “... a indústria apenas ‘encaixa’ peças e componentes que foram produzidas no exterior.”.
“A desindustrialização pode ocorrer também quando a forma como se produz sofre grandes alterações por meio da terceirização da força de trabalho e da produção de matérias - primas. Com a terceirização da mão-de-obra parte da produção da indústria é transferida para o setor serviços. Um exemplo são os serviços de manutenção de máquinas e equipamentos industriais que, até o final dos anos 1980 estavam, em grande medida, a cargo das próprias empresas industriais. No início dos anos 1990 essa produção passou para empresas do setor terciário. A terceirização da produção de matérias primas, peças e componentes é fruto da adoção da prática de linhas de produção mais especializadas no produto final. Nesse caso a produção industrial é transferida para outras empresas industriais no Brasil ou no exterior.” (“Carta IEDI nº. 252”, p. 9).
A terceira característica, a “... constituição de um setor agroindustrial voltado à exportação. Na exportação de commodities minerais. Assim, o pólo dinâmico da economia se transfere para setores voltados à exportação.”, (Boletim do CeCAC, ano XII, nº1) vem se acelerando rapidamente sob a determinação da economia mundial:
“Para investigarmos se está ocorrendo uma tendência recente à desindustrialização duas linhas de argumentação serão apresentadas. De um lado, a persistência da política econômica que combina elevadas taxas de juros e cambio apreciado tem desistimulado (sic) o crescimento da economia e da indústria em particular. Por outro lado, as mudanças na estrutura produtiva provocadas em grande parte pela abertura econômica, levaram a uma concentração maior da produção em setores com vantagens competitivas na exploração de recursos naturais em detrimento de setores mais tradicionais e mais empregadores de mão de obra e de setores de alta tecnologia, com vantagens competitivas dinâmicas no comercio internacional. Essa tendência à especialização em recursos naturais torna as exportações industriais do país mais vulneráveis às flutuações de preços no mercado internacional, com conseqüências negativas para a balança comercial a longo prazo.” (“Carta IEDI nº. 252”, p. 4).
Como mostra o documento do IEDI, a reconfiguração da economia brasileira para acompanhar o processo de reorganização da economia mundial, o que no texto está “traduzido” de forma a encobrir os determinantes externos, como “as mudanças na estrutura produtiva provocadas em grande parte pela abertura econômica”, “levaram”, como o texto do IEDI conceitua o processo, ou de melhor forma, determinaram (determinaram no sentido das delimitações impostas pelas leis que regem a reprodução do capital) “... a uma concentração maior da produção em setores com vantagens competitivas na exploração de recursos naturais,” e “... em detrimento de setores mais tradicionais e mais empregadores de mão de obra e de setores de alta tecnologia.”. Como diz o documento, uma “tendência à especialização em recursos naturais”.
Os documentos do BNDES “Visão do Desenvolvimento”, confirmam as análises que vimos fazendo de que a formação econômico-social brasileira vive um processo de reconfiguração em razão das mudanças por que passa a economia mundial.
O Visão de nº. 21, “Investimentos vão crescer entre 2007 e 2010”, se inicia estabelecendo uma relação entre o crescimento da economia brasileira e da economia mundial:
“Há fatores determinantes comuns na desaceleração da economia internacional e do Brasil a partir dos anos 1980. O principal deles foi a mudança que ocorreu na economia americana.” (“Visão” nº. 21, p. 2).
Mais adiante, o texto do BNDES aponta, de forma atravessada, a “mudança estrutural importante” ocorrida na economia brasileira que, de acordo com o texto, se dá a partir de 2002.
“A partir de 2002, a economia voltou a se expandir a taxas um pouco mais elevada de 2,8% ao ano. Esse crescimento veio, no entanto, associado a uma mudança estrutural importante. Em contraste com o observado nas últimas décadas verificou-se a acumulação de elevados saldos em transações correntes da ordem de 1,5 % do PIB ao ano.” ("Visão" nº. 21, p. 3).
Ora, a “mudança estrutural importante” não está na “acumulação de elevados saldos” e sim nas transformações que já vêm ocorrendo na economia brasileira bem antes de 2002. Mudança estrutural esta que leva ao resultado dos saldos em transações correntes e que só pode ser estudada no contexto do rearranjo da “economia internacional”.
Esta modalidade de cegueira ideológica se expressa por todo o documento, como por exemplo, quando diz que se reduziu a “vulnerabilidade externa”. Ora, a inserção do Brasil como fornecedor de commodities, da agroindústria, da agropecuária, minerais e até industriais, a reconfiguração da economia mundial, aumentou a vulnerabilidade do Brasil às crises ou processos de crescimento ou estancamento da economia mundial. Podemos dizer que hoje a economia do Brasil é muito mais vulnerável às oscilações da economia mundial do que quando alimentávamos uma dívida impagável (que gerou a moratória de 1987). Vulnerável no sentido de que aumentou, intensificou, a dominação imperialista, aprofundou a condição do Brasil de país dominado no sistema imperialista. E de uma forma específica que estamos conceituando de regressão a uma situação colonial de novo tipo.
É importante analisar os setores da economia que vão crescendo e onde se dão maiores investimentos para que possamos perceber o sentido para onde se move a formação econômica social brasileira nesta nova etapa do processo de dominação imperialista. O documento que estamos citando percebe, evidentemente, do seu ponto de vista, que a economia no Brasil se move em outro sentido.
“Pesquisa realizada pelo BNDES, em 2006, aponta que os investimentos em curso, em análise ou em perspectiva na indústria, na infra-estrutura e na construção residencial, já estão se movendo em direção a uma trajetória de aceleração ao longo dos próximos quatro anos.” ("Visão", n°. 19, p. 4).
Ao não ser capaz de perceber que “os investimentos em curso”, dirigem-se para setores específicos da economia, os economistas do BNDES só são capazes de identificar “uma trajetória de aceleração” e, mesmo quando especificam os investimentos por setor, não são capazes de analisar o sentido em que se move a economia, apesar de que o documento classifica a maior parte dos investimentos como “autônomos” com relação à economia brasileira.
“A taxa de investimento está hoje em seus recordes históricos nas áreas de petróleo e gás e de extrativa mineral. Ambos os setores estão respondendo ao aumento da demanda e dos preços internacionais. Na siderurgia e em papel e celulose vislumbra-se um movimento importante de deslocamento para o Brasil de capacidade produtiva, hoje instalada em países desenvolvidos, atraído pela forte competitividade brasileira nestes setores.” ("Visão", n°. 19, p. 5).
Do ponto de vista dos interesses da classe operária, o que a análise do BNDES exposta na citação acima mostra é que, nos setores da “indústria extrativa mineral” e de “petróleo e gás”, as taxas de investimentos atingem hoje recordes históricos, inclusive investimentos de capital externo com o objetivo explícito de atender ao aumento da demanda da economia mundial imposto pela transferência da indústria dos países imperialistas para a China. Reconfiguração da economia mundial que resulta para o Brasil num processo de “regressão”, mais desemprego e exploração para os dominados.
Da mesma forma se dá com a transferência para cá dos setores da indústria, dos países imperialistas, siderúrgica e de papel e celulose. A razão exposta pelo BNDES para esse movimento, a “forte competitividade brasileira nesses setores”, pode ser traduzida, principalmente, pelo preço muito mais baixo da força de trabalho, e também pela proximidade das fontes de matérias-primas, além de outras vantagens, como bases produtivas já instaladas.
Na conclusão do seu texto, o BNDES destaca, “grosso modo”, quatro grandes setores nos quais identifica esta aceleração de investimentos, sendo o primeiro próximo a R$ 300 bilhões, o de petróleo e gás, extrativa mineral, insumos básicos (siderurgia e celulose). No quadro que reproduzimos abaixo o BNDES identifica que esse setor é comandado pela dinâmica dos “mercados externos”.
QUADRO RESUMO
Características
|
Setores
|
Perspectivas
|
Investimentos
Previstos 2007-2010
|
Comandados
pela dinâmica dos mercados externos
|
Petróleo
e gás, extrativa mineral, insumos básicos (siderurgia
e celulose)
|
Investimento
em forte expansão, intensivos em capital, projetos de longo prazo
de maturação
|
R$293
bilhões
|
Elevada
elasticidade da demanda a juros
|
Construção
residencial e bens de consumo duráveis
|
Demanda
crescente, em função do aumento da renda e do crédito
|
R$470
bilhões em Construção residencial (1) e R$44 bilhões
em Automobilística e Eletrônica
|
Dependentes
de orçamento fiscal
|
Habitação
popular, infra-estrutura urbana, saneamento, portos e ferrovias (investimentos
permanentes)
|
Restrições
orçamentárias podem atrasar parte dos investimentos identificados
|
R$62
bilhões em Saneamento, portos e ferrovias
|
Infra-estrutura
empresarial
|
Energia
elétrica, telecomunicações, portos e ferrovias,
|
Relevantes
para a competitividade sistêmica, mas sujeitos a Incertezas
|
R$147
bilhões de investimentos em Energia
|
(1) inclui habitação popular.
Debaixo de noções
como as de “maior integração da economia brasileira
com a internacional”, “integração internacional
dessas empresas e setores”, o texto esconde que o processo expressa
a maior integração do Brasil no lugar que lhe é determinado
pelo imperialismo.
“Existe um grupo de setores que se beneficiou mais diretamente da maior integração da economia brasileira com a internacional. Esse benefício decorreu não só do crescimento acelerado desses mercados nos últimos anos, mas também de processos em curso de deslocamento para o Brasil de segmentos das cadeias industriais na siderurgia e na celulose hoje instalados em países do Hemisfério Norte. Nesse momento, o que se observa é que há vários blocos de investimentos em processos de efetivação que devem ampliar, ainda mais no futuro, a integração internacional dessas empresas e setores.” ("Visão", n°. 19, p. 6).
São setores e empresas que se constituem ou se desenvolvem em função da requisição da nova fase da economia mundial, o que implica e implicou contradições no interior da classe dominante, determinando as políticas econômicas aplicadas pelo governo bem como as condições na qual a classe operária trava a luta de classes, inclusive do ponto de vista subjetivo.
É importante notar aqui que se trata do deslocamento para o Brasil de “segmentos das cadeias industriais” configurando a constituição de “uma nova estrutura industrial já não mais integrada horizontalmente e verticalmente...”. De segmentos transferidos para cá em virtude da “forte competitividade” oferecida pela economia brasileira, fundamentalmente, pelo aumento da exploração da classe operária que, sob o comando do PT na luta de classes, vê cair seus salários e aumentar o exército de reserva.
O segundo movimento - o de fornecimento de insumos para a reconfiguração da economia mundial: minerais e matérias primas, etc. - vai conformar outra característica do movimento que conceituamos como o de regressão colonial de novo tipo.
“Nesse sentido, o Brasil aprofunda a característica de país exportador de mercadorias intensivas em força de trabalho e derivadas da exploração de seus recursos naturais, baseando-se, para competir no mercado mundial, em sua disponibilidade de força de trabalho barata e de pouca qualidade. A especialização na produção e exportação de commodities é outra das características da regressão colonial.” (Boletim do CeCAC, ano XII, nº 1)
Nos demais setores arrolados, principalmente os casos da habitação popular e infra-estrutura urbana, onde a análise do BNDES aponta grandes investimentos, a perspectiva não se sustenta. Primeiro, porque não há um crescimento significativo da massa de rendimentos, depois porque as metas de superávit primário não permitem investimentos para atender as necessidades da população de mais baixo nível de renda.
De outra forma se dá com a indústria automobilística e eletrônica, que tem sua produção voltada para a exportação ou para os setores de camada média de melhor nível de renda, beneficiada pelo crédito, pela redução dos juros e o aumento dos prazos.
De forma diferente se dá nos casos de energia elétrica, telecomunicações, portos, estradas e ferrovias, naquilo que o documento classifica como “infra-estrutura empresarial”, investimentos voltados para atender os interesses do grande capital no processo de reconfiguração.
É ilustrativo voltar para o “Visão do Desenvolvimento” de nº.19, no qual o BNDES levanta as perspectivas de investimentos na indústria, para que se perceba o sentido para onde caminha a formação econômico-social brasileira.
Primeiro o documento assinala a grandeza dos valores a serem investidos. Grandeza que não se pode comparar com a dos investimentos nos demais setores; segundo, o fato de que esses grandes investimentos na indústria estão voltados para configurar o setor industrial “autônomo, em relação ao mercado interno.” e voltado a atender a economia mundial.
“Os resultados da pesquisa são, de certa forma, surpreendentes, tanto pela magnitude dos valores de investimento levantados, quanto pelo fato de serem em sua maior parte autônomos ao mercado interno.”
“A maior parte desses investimentos é de caráter autônomo, em relação ao mercado interno. Responde a movimentos de expansão e deslocamento da economia internacional. Reflete, por sua vez, a competitividade do Brasil e a capacidade de resposta de suas empresas ao cenário externo favorável,...”. ("Visão", nº. 19, p. 7)
Portanto, como reconhece o BNDES, não só estão previstos grandes somas de investimentos na economia brasileira para os próximos quatro anos, somas bem maiores do que as que vêm sendo investidas nos últimos anos, como também, estes investimentos vão no sentido de reconfigurar a formação econômica brasileira respondendo “a movimentos de expansão e deslocamento da economia internacional.”. Expansão e deslocamento na economia mundial em busca de maior taxa de lucro, em busca de superar sua crise.
Este montante de investimentos projetados tanto pelo Estado como pelo capital interno, como pelo capital de cartéis e trustes transnacionais, expressa um movimento no sentido de dar nova conformação à infra-estrutura econômica. Movimento que, se momentos atrás, provocou alguma fricção entre as diversas frações da classe dominante, frações já envolvidas no processo de reconfiguração e frações da burguesia brasileira voltadas para o mercado interno, hoje se faz sob o aplauso de todos.
Não podemos desconhecer a competência do BNDES para levantar os dados sobre os investimentos programados para a indústria para o período 2007-2010, e a amplitude do levantamento de que é capaz.
“O BNDES é o maior banco de desenvolvimento brasileiro. Esse papel lhe permite reunir um conjunto amplo de informações sobre os horizontes de investimento dos principais setores da economia.” ("Visão", nº. 19, p. 1).
É exatamente a competência que lhe possibilita seu “papel” e o amplo conjunto de informações que reuniu “sobre os horizontes de investimento dos principais setores da economia”, que nos permite constatar que tal “magnitude” de “valores” de investimentos reconfigurando a forma de inserção da formação brasileira no sistema imperialista não poderia se dar sem a participação do principal da classe dominante brasileira.
De outra forma, a tese que estamos avançando é a de que, após um período de fricção entre setores da burguesia brasileira que acumulam internamente, principalmente da burguesia industrial, e setores da burguesia que haviam assumido o papel indutor no processo de reconfiguração da formação brasileira o principal dos diversos setores das classes dominantes integrou-se ao processo.
A outra expressão da unificação dos diversos setores da classe dominante em torno do processo de reconfiguração se dá pela unificação em torno do governo Lula, de todos os partidos, maiores ou menores, que expressam interesses menores ou maiores das classes dominantes.
Hoje o governo Lula reúne um arco que vai de Collor, Maluf, ACM, Jader Barbalho, et caterva até o PL, PP, PTB de Roberto Jefferson, o PV, PDT, PSB, PC do B e PT, e ainda mais, de Caiado da União Ruralista ao MST, dos banqueiros à CUT.
Poucas vezes se viu tal habilidade das classes dominantes em colocar lugar-tenentes operários a serviço de seus interesses.
* * *
Notas:
[1]
Revista Forbes Brasil, Ano 7 – n° 153, 4 de abril/2007, pág.
46. [voltar]
[2] Boletim
do CeCAC, ano XII, nº. 1, 2006. [voltar]
[3] Por que os investimentos na indústria vão crescer. Visão do Desenvolvimento nº. 19. BNDES. [voltar]
[4] Carta 183, 25/11/2005. IEDI. [voltar]
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