Há poucos dias, a população assistiu estarrecida a prisão de desembargadores, juízes, delegados federais, entre outros integrantes dos poderes da República, em mais uma operação da Polícia Federal contra o crime organizado. Ao lado das figuras que representavam o poder estatal estavam notórios contraventores, figuras que os brasileiros já se acostumaram a ver nos telejornais associados a crimes de mando, contrabando, sonegação, lavagem de dinheiro, entre outros delitos graves. Em resumo, os que são pagos pelos cidadãos para, em seu nome, aplicar a mão pesada do Estado foram flagrados lado-a-lado com aqueles a quem deveriam combater.
Fatos como esses mostram o risco que toda a sociedade está exposta quando as estruturas do Estado são contaminadas por organizações criminosas. Não é o caso de prejulgar ninguém, nem de generalizar, mas não se pode ficar indiferente quando o último esteio da garantia dos direitos do cidadão, o Poder Judiciário, é apropriado por grupos criminosos e colocado a serviço de suas causas. Insisto na cautela com que se deve tratar o assunto, sem generalizações, mas também sem uma atitude de leniência diante da gravidade do fato. Afinal, os flagrantes envolvem membros da cúpula do TRF da 2ª Região e podem chegar a uma corte superior, o Superior Tribunal de Justiça.
Também não é a primeira vez que elementos da alta cúpula dos poderes da República são alvos de denúncias consistentes de envolvimento com organizações criminosas. Membros destacados do STJ já estiveram envolvidos, em tempos recentes, em denúncias de venda de sentença e tráfico de influência. Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi flagrado fraudando a distribuição de recursos em benefício de companhias telefônicas. A própria Polícia Federal já pôs algemas em alguns de seus ex-comandantes, acusados de acumpliciamento com organizações criminosas. Fatos como esses comprovam que não estamos diante de casos isolados e que é preciso colocar o dedo na ferida, sim.
O combate ao crime é dever do Estado e daqueles que receberam um mandato para agir em seu nome. E nessa missão não cabem atitudes de tolerância com atividades ilegais, sejam elas quais forem. Muitas vezes a autoridade tem de assumir o ônus de atitudes antipáticas para preservar o Estado da contaminação da convivência com ilícitos. Aqui no Paraná, por exemplo, enfrentamos alguma incompreensão quando combatemos a indústria dos bingos e dos caça-níqueis. Houve quem visse nessas ações apenas o fechamento de postos de trabalho numa sociedade carente de empregos. A Polícia e o Ministério Público, no entanto, não têm dúvida de que essas atividades serviam de fachada para operações de lavagem de dinheiro fruto da sonegação fiscal, do narcotráfico e de outras atividades ilícitas. Isso sem falar na estruturação de máfias internacionais que vivem no entorno da indústria do jogo ilegal.
É preciso lembrar que antes do Governo Requião o Paraná era exposto na mídia nacional por conta de escândalos financeiros, como o espetacular esquema de lavagem de dinheiro ocorrido com as contas CC-5 do Banestado, a CPI do Narcotráfico, os desmanches de veículos, as fraudes com precatórios, o caixa dois de campanhas políticas, entre outros crimes. Aqui também vimos nomes da cúpula dos poderes envolvidos até a medula com o crime organizado, como um ex-secretário da Fazenda, beneficiário de uma operação fraudulenta contra os cofres da Copel. Recordo, a propósito, a imagem gravada pelas câmaras de segurança de um banco de um doleiro (agora preso) descontando na boca do caixa o cheque vultoso de uma operação fraudulenta autorizada pelo então secretário da Fazenda. E tantos outros casos que os paranaenses estão cansados de saber. Era o Estado posto a serviço de quadrilhas, expondo o cidadão a todo o tipo de arbitrariedades.
Foi um combate incansável desde o primeiro mandato do governador Roberto Requião, numa tarefa de limpeza que vem sendo executada com o empenho de integrantes dos três poderes. Essa é uma tarefa que obriga as autoridades, mas não prescinde da participação do cidadão. A sociedade não pode ter nenhuma condescendência com práticas delituosas, por melhor que seja a aparência exterior que elas apresentem. O regime de respeito à lei é a única garantia que o cidadão tem de que seus direitos serão respeitados, desde o "guarda da esquina" à última instância do Poder Judiciário.
Nos anos 70, um delinqüente ficou famoso no Brasil mais por uma frase que proferiu, do que pelos crimes que cometeu. Chamava-se Lúcio Flávio Vilar Lírio e bradava: Polícia é polícia, bandido é bandido. Essa sentença, que parece óbvia nos dias atuais, soava como um alerta à sociedade, parte dela condescendente com as arbitrariedades praticadas pelo Estado em nome de uma suposta segurança nacional. O resultado, todos conhecemos, e a sociedade aprendeu, ainda que da boca de um criminoso. Mas a verdade prevalece: Polícia é Polícia, bandido é bandido. E é assim que tem que ser.
Luiz Fernando Delazari, secretário de Segurança do Governo do Paraná