O mais curioso é que muitas das reações ao veto presidencial partiram de parlamentares ditos liberais ou social-democratas, que usam sem qualquer explicação suas polpudas verbas de gabinete e representação. Por outro lado, esses políticos, até pelo cargo que ocupam, não têm o direito de ignorar a Constituição Federal, que é clara no tocante à matéria: o artigo vetado é o 6º, e ele viola o inciso I do art. 8º da Carta Magna, que veda ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical, em face do princípio da autonomia sindical, o qual sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas e sindicais.
Felizmente, o País tem mentes lúcidas, avançadas e pluralistas, que analisam com isenção situações como essa. É o caso do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, que qualificou de acertada a decisão de Lula, observando o seguinte: "Nunca os sindicatos tiveram de se submeter ao Ministério do Trabalho ou ao TCU, pois quem deve fiscalizá-los são os próprios trabalhadores. Da mesma forma, ocorre com a OAB. Os que defendem a sua submissão buscam, na verdade, atingir a sua autonomia e colocar uma mordaça na entidade representativa da sociedade civil".
De fato, não se pode admitir a interferência em organizações livres, no contexto das democracias. Os sindicatos e as centrais sindicais representam com legitimidade milhões de trabalhadores, que são responsáveis pela gestão de suas entidades. Não se pode, por preconceito, discriminação ou anacrônico proselitismo de uma falsa elite, roubar-lhes essa prerrogativa, absolutamente inalienável.
O movimento sindical demonstra sinais de maturidade, como evidencia o desenvolvimento de algumas entidades. No Brasil a união da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), CAT (Central Autônoma de Trabalhadores) e SDS (Social Democracia Sindical) deram origem a UGT (União Geral dos Trabalhadores). Nas Américas a CSA (Confederação Sindical das Américas) foi criada pela fusão da CLAT (Central Latino-Americana de Trabalhadores) e ORIT (Organização Regional Interamericana de Trabalhadores) e mundialmente pode-se citar a CSI (Confederação Sindical Internacional), resultado da unificação da CIOSL (Confederação Internacional Organizações Sindicais Livres) e CMT (Confederação Mundial do Trabalho), como exemplo de evolução das centrais sindicais, representando mais de 400 milhões de trabalhadores.
Nossa Constituição está completando 20 anos em 2008. A despeito de suas imperfeições e da necessidade de emendas capazes de reformá-la de modo a remover obstáculos ao crescimento econômico, há algo inegável: no plano dos direitos individuais e coletivos e do respeito às prerrogativas da cidadania, a Carta Magna é uma das mais avançadas do mundo. Neste aspecto, é inexpugnável guardiã das consciências e da legalidade, ante o anacronismo, arrogância e preconceito de alguns pavões da República.
*Antonio Carlos dos Reis "Salim" é presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo (Stieesp) e da Federaluz e vice-presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).