Durante debate realizado na sede da Fiesp, na sexta-feira (30/11), o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, observou que existiam pendentes de julgamento no Brasil, em 2005, 40.225.320 processos, para um total de 14.602 magistrados.
Trata-se de um número absurdo, que
define a real impossibilidade de aplicação da justiça em larga escala e num
padrão de acerto compatível com o regime democrático.
A imprensa fez
registros burocráticos do evento. Deveria ter oferecido mais. Não que o ministro
ou os demais participantes do debate, como os professores Gustavo Franco e Maria
Tereza Sadek, tenham conseguido cobrir toda a abrangência da questão. Mas, por
se tratar de reflexões sobre a eficiência da Justiça e sua eficácia na economia,
o tema merecia ser levado para muito além do portentoso edifício da Federação
das Indústrias no Estado de São Paulo.
As conclusões dos estudos
apresentados indicam que a ineficiência do sistema judiciário brasileiro
representa um dos mais graves riscos para o desenvolvimento da nossa jovem
democracia. Os números do fracasso em fazer Justiça são também um reflexo do
tamanho da ambição regulatória que toma conta dos demais poderes – o Legislativo
e o Executivo, autarquias e outras instituições, em todas as instâncias –
pródigos em produzir leis e normas em geral. O ordenamento legal do Brasil é
composto por 3.600.000 leis, o que torna impossível a aplicação equânime das
regras e abre uma vantagem desmedida para aqueles que podem pagar os melhores
serviços advocatícios.
As grandes questões
Assim, numa demanda
entre uma pequena empresa que fornece para uma multinacional, a primeira perde
logo na largada: por mais justa que seja sua posição, o poder de fogo do
oponente, atuando diretamente na ação ou através dos poderosos lobbies que
cercam o ambiente dos tribunais, torna o jogo absolutamente desigual.
Por
que a imprensa deveria estar prestando atenção a oportunidades como essa, em que
um ministro do Supremo Tribunal Federal aceita se submeter publicamente a
questionamentos de economistas, como os dirigentes do Instituto Brasileiro de
Ética Concorrencial (ETCO), pesquisadores como Maria Tereza Sadek e companheiros
de magistratura como a desembargadora Marli Ferreira, presidente do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região? Porque ali estava o conhecimento que a imprensa
deve aplicar quando trata, por exemplo, da sensação de impunidade que os
brasileiros demonstram em pesquisas sobre a questão da Justiça.
Se os
editores não movem seus corpinhos para fora das redações, em busca do
conhecimento onde ele se manifesta, seguiremos tendo que encarar reportagens
levianas, embasadas em crendices e preconceitos.
Ocorrem regularmente,
nas grandes cidades brasileiras, encontros e debates sobre as mais importantes
questões que recheiam as páginas de jornais e revistas. Mas raramente são vistos
nas platéias aqueles profissionais que determinam a orientação das reportagens
ou definem a pauta da imprensa. No caso do evento citado, as trocas de
conhecimento entre os participantes permitiriam a qualquer jornalista atento
fundamentar pelo menos três ou quatro das grandes questões que freqüentam a
mídia recentemente, como as concessões de liberdade provisória para acusados de
crimes contra a economia popular, a proposta de prorrogação da CPMF, as
vulnerabilidades do sistema representativo, a reforma tributária e a própria
natureza do sistema judiciário brasileiro.
Alegres confraternizações
Limitados ao trajeto entre suas casas e as redações, os
editores ficam longe dos lugares onde a inteligência se manifesta. Como se
tivessem que carregar um fardo pesado nos glúteos, preferem o conforto de suas
cadeiras às platéias dos eventos onde o Brasil ainda se pensa. Sempre se pode
dizer que a agenda dos editores é complicada, que falta tempo até para conciliar
a vida profissional com a necessidade de dar atenção à família. Mas a agenda se
torna mais flexível em outras ocasiões, muito especialmente no final do ano,
quando as grandes empresas promovem jantares e almoços regados a vinho de
qualidade, com direito ao tradicional jabaculê na saída.
Na mesma semana
em que se realizava o debate na Fiesp, muitos editores e colunistas foram vistos
em alegres confraternizações com executivos de empresas anunciantes, onde tinham
que suportar algumas maçantes apresentações sobre resultados financeiros e ações
filantrópicas, em nome do bom relacionamento. Claro que relacionamento faz
parte, mas não é tudo. Nem só de jabá viverá o jornalismo.
(Envolverde/Observatório da Imprensa)