É tão grotesco o discurso manipulado pelo PT sobre um possível “golpe da direita” quanto o de algumas viúvas de Aécio Neves sobre a “comunização” do Brasil. Nosso país não sofre, definitivamente, pelo “socialismo” do atual governo de turno –e sim porque ele tem governado, como todos que o antecederam, segundo os invioláveis interesses do capital monopolista, nacional e estrangeiro, e do latifúndio. Sarney, Collor, Barbalho, Calheiros et catervas não apoiariam uma candidata que propusesse qualquer socialização no campo; nem Dilma teria arrecadado mais do que todos os seus adversários, inclusive o playboy Aécio, se não comungasse do mandamento mais importante da “civilização judaico-cristã ocidental”: o respeito à sacrossanta propriedade privada.
Falemos com franqueza: perto da bilionária campanha petista, que literalmente cobriu o Brasil nas últimas semanas das eleições, a tucanada parecia uma legião de humildes franciscanos. Porque as centenas de milhares de pessoas sacudindo bandeiras do PT nas ruas de todo o país eram cabos eleitorais, que fizeram campanha para ganhar um trocado, e não militantes aguerridos, como querem crer alguns incautos. Na reta final das eleições Dilma solicitou, junto ao TSE, a ampliação do teto de gastos de sua campanha, já visivelmente faustosa. Ora, vivemos no capitalismo, e definitivamente as empreiteiras, banqueiros e produtores de cana e soja que pagaram essa conta não o fizeram por filantropia.
O fato de que meia dúzia de fascistóides tenha desfilado na Avenida Paulista tampouco indica qualquer golpe à vista. Não é preciso golpe para instaurar o fascismo e, aliás, comumente se esquece que o bandido Hitler –expressão máxima dessa nefasta ideologia –subiu ao poder na Alemanha por vias legais, com a conivência das “democracias ocidentais” de Estados Unidos, Inglaterra e França, que haviam saqueado implacavelmente o povo alemão após o Tratado de Versalhes, e esperavam do seu cabo de guerra a liquidação do socialismo na União Soviética. No Brasil o fascismo não virá, por enquanto, de golpe, como infarto fulminante; é antes uma doença crônica, degenerativa, que floresce da decomposição desse capitalismo burocrático que temos aqui, e reflete em todas as esferas da nossa sociedade, inclusive na ideologia.
Esse fascismo cotidiano, muitas vezes invisível, está expresso nos cinqüenta mil homicídios anuais por arma de fogo que ocorrem no Brasil; no sistema carcerário, cuja população aumentou 403,5% nos últimos vinte anos, enquanto a população cresceu 36%; no fato de que a cada quinze dias um ativista da luta pela terra é assassinado no campo; no fato de que as mulheres percebem salários inferiores pelo mesmo trabalho que os homens, e são espancadas e violentadas impunemente; na ausência de laicidade do Estado, quando as obscurantistas bancadas religiosas obstaculizam temas urgentes como, por exemplo, as pesquisas com células-tronco; esse fascismo faz-se presente na tortura institucionalizada e praticada correntemente em delegacias e penitenciárias, e também nas ruas das nossas periferias; na repressão às manifestações populares, cujas supostas “lideranças” têm periodicamente os domicílios revirados e a liberdade violada. A pena de morte e a redução da maioridade penal são crescentemente apoiadas pela população, não por um conservadorismo intrínseco seu, mas pelo desespero ante a criminalidade crescente e o terrorismo cuidadosa e cientificamente insuflado pelos monopólios de imprensa.
Poderíamos encher páginas e páginas com a descrição dos horrores que flagelam nossa sociedade, oligárquica e semicolonial, profundamente desigual, até à medula. Mas já basta. O que interessa aqui é o seguinte: pode um partido, que governa o país há 11 anos, se isentar de culpa por esse cenário? Ao contrário, se há um crescimento da chamada “direita tradicional” ele se deve à inépcia, corrupção desbragada e descalabro praticado pela “nova direita” petista.
Mas para os que surfam sobre o sangue e suor de nosso povo não é a verdade que importa, e sim a capacidade de repetir o que lhes convém milhares e milhões de vezes.