Para ex-secretário de Luiza Erundina, eleitores defenderam aprofundamento das conquistas sociais e redistribuição de riquezas — mas hesitação da presidente pode levar a desastre
O significado da reeleição da presidente Dilma “é ainda muito duvidoso no sentido de uma mudança na política econômica”, diz Amir Khair em entrevista concedida por telefone. Apesar de não haver dúvidas da inclusão social realizada nos últimos anos, o economista alerta para a necessidade de reduzir a Selic e a tributação ao consumo para retomar o crescimento econômico interrompido há quatro anos.
“Nós estamos indo um pouco ‘ladeira abaixo’, seja nas contas internas, seja nas contas externas, e o crescimento também está diminuindo cada vez mais”. Segundo o economista, se não forem feitas mudanças na política econômica, o governo apostará “em uma jornada muito complicada e o passo seguinte é o aumento de desemprego, gerando insegurança aos trabalhadores. Com isso corre-se um sério risco social e político, porque se o social começa a ir mal e a economia não crescer, perde-se poder de comando político no Congresso e aí vai tudo por água abaixo”.
Amir Khair diz ter “sérias dúvidas” quanto a mudanças políticas na economia, seja com a presidente reeleita, seja com a oposição. “Tenho defendido que não se consegue colocar o país para frente se não mexer na taxa de juros, mas esse assunto está interditado na discussão brasileira, ou seja, é um assunto proibido. Quando muito, se fala em termos genéricos, mas nunca se avança, nunca se procura olhar essa questão de uma forma mais sistemática e mais abrangente”, lamenta. Para ele, a saída da crise econômica brasileira depende da redução da taxa Selic; contudo, pontua, “a dificuldade é que há uma crença generalizada, inclusive do próprio governo, de que a Selic controla a inflação. Ou seja, a Selic tem de ser mantida elevada para a inflação ficar reduzida”. E acrescenta: “Trata-se de uma bomba de sucção que é permitida pelo governo, e até estimulada pelo governo, para satisfazer os bancos privados e os rentistas do Brasil. Com isso, o setor público gasta uns trezentos bilhões aproximadamente em juros”.
Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getulio Vargas – FGV, de São Paulo. Foi secretário municipal de Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina na capital paulista (1989-1992). É consultor nas áreas fiscal, orçamentária e tributária. Confira a entrevista.
Do ponto de vista econômico, qual é o significado da reeleição da presidente Dilma?
O significado é ainda muito duvidoso no sentido de uma mudança na política econômica, mas não é duvidoso do ponto de vista da inclusão social, da preocupação com o social. O fato de eleger a continuidade dos programas sociais é um avanço extraordinário para o Brasil no sentido de que a coisa mais importante no país hoje é ter a questão social mais avançada.
Em relação à questão econômica, tenho sérias dúvidas, seja com a presidente Dilma, seja com a oposição. Tenho defendido que não se consegue colocar o país para frente se não mexer na taxa de juros, mas esse assunto está interditado na discussão brasileira, ou seja, é um assunto proibido. Quando muito se fala em termos genéricos, mas nunca se avança, nunca se procura olhar essa questão de uma forma mais sistemática e mais abrangente. Nos artigos que tenho escrito, tenho mostrado a repercussão para a economia em termos de crescimento, em termos de contas internas e externas dos impactos que a Selic traz ao mesmo tempo para o desenvolvimento e os impactos que trazem as taxas de juros aos tomadores.
Além da necessidade de diminuir as taxas de juros, o senhor tem defendido a necessidade de reduzir a tributação ao consumo. Quais são as dificuldades de aplicar essas medidas?
Em relação à taxa Selic, a dificuldade é que há uma crença generalizada, inclusive do próprio governo, de que a Selic controla a inflação. Ou seja, a Selic tem de ser mantida elevada para a inflação ficar reduzida. É interessante observar que toda vez que o Banco Central eleva a Selic, o mercado financeiro comemora e diz que o Banco Central está fazendo uma boa política. E, toda vez que ele faz o contrário, há uma crítica pesada ao Banco Central. Por quê? Porque os bancos lucram com a Selic elevada: eles pegam dinheiro a custo zero e aplicam uma parte dele em títulos do governo, ganhando 11% sem risco nenhum. Como o único devedor da Selic é o governo federal, quem paga essa conta é o Brasil todo. Então, trata-se de uma bomba de sucção que é permitida pelo governo, e é até estimulada pelo governo, para satisfazer os bancos privados e os rentistas do Brasil. Com isso, o setor público gasta uns trezentos bilhões aproximadamente em juros. Depois você compara esse valor com os gastos do Programa Bolsa Família, que são 26 bilhões. Então, essa questão é antidesenvolvimentista e depende exclusivamente da presidente da República determinar ao Banco Central a redução da Selic. Mas aí vem a questão: “a Selic controla a inflação”.. Não, não controla, e eu tenho repetido diversas vezes nos últimos artigos que 80% da composição do IPCA não têm nada a ver com a Selic. São serviços, e serviços não respondem à Selic; eles têm 35% do peso do IPCA. Alimentos e bebidas também não têm nada a ver com Selic e representam 25% do IPCA. Esses são preços administrados, que também são decididos pelos governos federal, estadual e municipal e não têm nada que ver com a Selic. Somando os três, 35%, 25% e 20%, obtém-se um resultado de 80%.
O Banco Central só controla 20% da inflação, que são os preços dos produtos que competem com os produtos do exterior, e com isso ele faz um câmbio totalmente artificial, prejudicando a competitividade das empresas brasileiras, gerando emprego lá fora e não aqui dentro. Então, ao determinar ao Banco Central que reduza a Selic um ponto por mês até chegar a seis pontos – hoje está em onze -, está se fazendo com que o Brasil iguale a sua taxa básica de juros à inflação. É a mesma política que fazem os países emergentes, os países desenvolvidos; portanto, o Brasil não estaria agindo de forma diferente dos outros, ao contrário, estaria fazendo o que os outros já fazem há muito tempo.
Mas por que essa medida não é adotada se cabe à presidência decidir sobre essa questão? Existe algum risco de um tipo de retaliação ou algo nesse sentido?
Sinceramente não sei dizer. Só sei que os bancos estão entre os três maiores financiadores de campanha, juntamente com o setor de alimentos e as empreiteiras. Agora, isso é uma coisa, a outra é que está arraigado na cabeça dos economistas, e também dos economistas do governo, que a Selic controla a inflação. Enquanto eles não se livrarem dessa ideia, vai continuar essa história de que tem de elevar a Selic para controlar a inflação. Se você reparar, a Dilma fez a tentativa, no ano passado, de reduzir a taxa de juros, não apenas a Selic, mas também as taxas de juros bancários. Se não me falha a memória, em 2012 houve um período em que durante 12 meses, acredito que de maio de 2012 a abril de 2013, o IPCA de alimentos e bebidas superou o IPCA médio e, ao final do período, a inflação estava em 6,5%, ou seja, atingiu o teto da meta.
Esse fenômeno aconteceu duas vezes em toda série histórica do IPCA, que começa em janeiro de 1980, e isso ocorreu em julho de 2006 até agosto de 2007. Nessa mesma ocasião – foram 14 meses – o IPCA também atingiu o teto da meta no final do período. Então, parece que Dilma não percebeu o fato daquilo que fez crescer a inflação no Brasil, ou seja, que o que fez crescer a inflação foram os alimentos, e isso não se combate com Selic. Assim, ela determinou que retomassem o aumento da Selic, que já tinha atingido 7,25%, o mínimo histórico dela. Então, o Banco Central aumentou a Selic até alcançar os 11% e agora aumentou mais um pouco.
A inflação deste ano é preocupante? Durante a campanha eleitoral economistas favoráveis ao PT e ao PSDB discutiram o tema, com Guido Mantega dizendo que a inflação estava controlada, e Armínio Fraga criticando o índice da inflação.
A oposição não tem moral nenhuma para falar da inflação. Eu daria o “maior banho” em cima desses caras que estavam falando da questão da inflação, mas o governo não sabe se defender disso. Quem era o candidato de Aécio para o Ministério da Fazenda? Armínio Fraga. Qual foi a inflação pela qual Armínio Fraga foi responsável durante os últimos quatro anos do segundo mandato de governo Fernando Henrique Cardoso? A inflação média dos últimos anos foi de 8,8%, o dobro do teto da meta hoje. Esse homem não tem a mínima condição de falar de inflação, nem o Aécio, porque se eles tivessem, teriam praticado uma inflação inferior ao que estão falando hoje. Eles estão criticando uma inflação que está em 6,5%, mas praticaram 8,8%. E sabe quantos anos o “nosso querido” Armínio Fraga ultrapassou o teto da meta? 2001 e 2002, ou seja, metade do mandato dele; esse homem é incompetente. E qual a Selic que ele praticava? 20% em média. No início do governo de Fernando Henrique, a relação da dívida sobre o PIB estava em 30% e quando chegou para o governo Lula, estava em 60%. Esses homens são irresponsáveis fiscalmente. As reservas internacionais eram 37 bilhões de dólares. O Brasil quebrou três vezes na mão de Fernando Henrique Cardoso. Então, eles não têm a mínima condição de defender absolutamente nada.
Agora, concordo com a afirmação de que a inflação de 6,5% é alta, mas ela se encontra em um nível médio de 6,5%, porque, se avaliar os últimos quatro anos, de 2011 a 2014, verá que a inflação está estabilizada em 6% como média, ou seja, é mais baixa do que os períodos anteriores – menos no governo Lula, que foi 5,8% como média. Lula é disparado o melhor desempenho macroeconômico, em crescimento, em inflação, em contas externas e internas. Agora, se 6% é muito – e eu acho que é –, teria que reduzir a inflação. Como é que se reduz a inflação? Aí é outro problema.
Sobre a questão de serviços, que é 35% do IPCA, não tem nenhum instrumento para combater, porque o governo não interfere no mercado de serviço; existe mais demanda do que oferta. Por que existe mais demanda que oferta? Porque um dos legados bons do governo Lula foi ter aumentado em cerca de 40 milhões o número de pessoas na “classe C”. Ao aumentar o número de pessoas da “Classe C”, elas demandam mais internet, demandam mais serviços de forma geral, e o mercado não se preparou ainda suficientemente para isso.
Mas acredito que a tendência natural de um processo de mercado é de a oferta aumentar, e aí começar a acompanhar a demanda, ou seja, um novo equilíbrio. Com relação aos 25% que são os alimentos, o governo pode e deve atuar. Como ele atua? Com os estoques reguladores, com estímulos da produção como ele já vem fazendo e pode melhorar a produção agropecuária, com os estoques reguladores para evitar problemas de entressafra e com políticas de estímulo dos municípios.
Em artigo recente, o senhor menciona o consenso acerca da necessidade de se retomar o crescimento interrompido dos últimos quatro anos. Sobre essa questão, primeiro, pode explicitar por quais razões o crescimento foi interrompido e, segundo, quais foram os equívocos cometidos e quais as interferências internas e externas que contribuíram para esse péssimo desempenho da indústria brasileira?
O primeiro grande problema foi o seguinte: quando Lula saiu do governo, o crescimento estava em 7,5%, e quando Dilma entrou, ele caiu para 2,7%. Qual foi a primeira medida que o Banco Central fez ainda sob o comando do presidente Henrique Meirelles no dia 6 de dezembro de 2002, mas já com o Tombini assumindo, na prática, o comando? Não foi aumentar a Selic, que era o que o mercado financeiro queria, mas exigir dos bancos maior capital para poder fazer empréstimos superiores a 24 meses. Forçaram o aumento dos juros ao crediário, e com isso deram um banho frio no consumo. A responsabilidade disso é do governo, porque autorizou o Banco Central ou foi conivente com ele nessa política. O Banco Central somente terminou de desarmar esta política no período eleitoral. Houve restrições ao crédito, que passou a custar mais caro.
O governo sempre usou a Selic elevada para fazer com que o câmbio ficasse apreciado, tentando segurar o câmbio em 2 reais ou 2,20. Quando se faz isso, todo o consumo, que é a mola propulsora do crescimento econômico, ao invés de ser atendido pelas empresas brasileiras, é atendido pelas empresas de fora, e isso vai contra o crescimento. Então, não adianta estimular os empresários se não se mexer no câmbio, porque isso dá poder competitivo às empresas para elas disputarem lá fora, ou seja, produzirem mais e exportarem mais e, também, se defenderem melhor do produto importado. Isso significa crescimento econômico, geração de emprego.
A outra questão que deve ser atacada – e não foi – são as taxas de juros ao consumo. As taxas de juros ao consumo elevadas, como elas estão, dobram o preço do crediário, de financiamentos de 12 meses. Dobrar preços em mercadoria é colocar freio na economia. Agora, os países emergentes praticam uma taxa de juros não de 100% ao ano como é no Brasil, mas de 10%. Então, lá se pode crescer e aqui não.
O senhor tem dito que não dá para pôr a culpa do baixo desempenho exclusivamente no fator externo. Então, a crise de seis anos atrás tem ou não influência no desempenho da economia e quais são os outros fatores externos nos quais não se pode pôr a culpa? Muitos economistas justificam a atual situação econômica às implicações da crise financeira de 2008. Ela ainda tem impacto no desempenho econômico?
Existe um estudo do Fundo Monetário Internacional que diz que 60% da falta de crescimento do Brasil se deve à crise externa. Então, não sou eu quem está falando. Nesse sentido, os que falam que é um problema interno fecham os olhos para o fato de que tem um impacto externo acontecendo. Por outro lado, o governo vai em direção oposta, fala que 100% do problema é externo, porque internamente ele fez tudo que tinha para fazer e seria pior se não fizesse; é esse o argumento. Então, acho que “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Tem realmente um fator externo, que é a redução do mercado internacional e um acirramento da concorrência internacional, em que os países desenvolvidos de forma geral, mais a China e vários outros países desvalorizaram suas moedas para criar o fortalecimento nas empresas para exportarem, uma vez que o mercado interno desses países estava meio fraco.
Foi o que os Estados Unidos fizeram e continuam fazendo até agora, assim como a Europa, o Japão, o Canadá e assim por diante. Então, eles desvalorizaram suas moedas, e com isso conseguiram maior força na disputa externa. O Brasil, ao contrário, foi valorizando a sua moeda, foi pelo caminho oposto. Essa é uma parte da questão. A segunda parte é o que eu falei: não se alterou a questão das taxas de juros, seja a Selic, sejam as taxas de juros ao tomador final. Por isso, um empresário, em vez de arriscar um investimento incerto no seu negócio, prefere pegar o fluxo de caixa dele e aplicar em títulos do governo sem riscos com sua rentabilidade e liquidez imediata, já que há mais riscos se aplicar no próprio negócio.
Em relação à política econômica, é possível fugir do tripé econômico?
Para mim esse tripé não vale absolutamente nada. Primeiro, falar em superávit primário é uma coisa vazia; temos de falar em resultado fiscal, porque o superávit primário exclui juros da conta pública, enquanto o resultado fiscal inclui os juros. Quando se quer ter uma questão fiscal sobre o enfoque de um tripé, é preciso falar em equilíbrio fiscal, o que significa receitas e despesas iguais, coisa que eles não falam.
Não adianta ter um superávit primário de 3% quando se tem uma conta de juros de 6%; aí tem um déficit de 3%. Então, a pessoa que tem o seu salário e as suas despesas e está “pendurada” no banco não olha só as receitas e as despesas, mas também os juros que terá de pagar. E, se determinado banco está com a taxa muito alta, ela obviamente vai procurar outro. Então, na questão do tripé, uma coisa é ter equilíbrio fiscal, e outra coisa é, ao invés de falar de câmbio flutuante, não fazer câmbio flutuante, porque desde o plano real o câmbio não é flutuante, é administrado, e isso mostra uma hipocrisia.
Eu defendo o câmbio flutuante no sentido de deixá-lo livre e não fazer o Banco Central emitir mais de 100 bilhões para segurar o câmbio em 2,20 – 100 bilhões de dólares foram emitidos no último ano, mantendo a Selic elevada para trazer dólares especulativos para o Brasil, tudo para manter o câmbio artificial. Então, o câmbio deveria flutuar sim, e acho que ele caminha para três reais. Finalmente em relação à questão da meta da inflação, como eu acho que não se controla a inflação, se controla apenas uma parte dela, trocaria totalmente por meta de crescimento econômico.
Que mais essa política envolveria, além de baixar os juros?
Envolveria a redução da taxa de juros, um câmbio no lugar que seria por volta de três reais e não faria tanta desoneração, sacrificando as contas públicas.
E políticas industriais também são necessárias para alavancar o crescimento?
É possível favorecer a indústria na medida em que se deixa o câmbio no lugar, na medida em que se combatem as taxas de juros que estão altas e na medida em que se luta abertamente com relação à redução dos tributos sobre o consumo. Hoje, no Brasil não se discute tributação sobre consumo, se discute ICMS. Não se discute a reforma tributária, quem paga a conta, quanto de dinheiro tem de ficar com a União, com os estados ou os municípios. Não se discute a questão da injustiça tributária e coisas desse tipo. Mas para a indústria o câmbio é uma ótima saída, até se investir em Parcerias Público-Privadas – PPPs ou em concessões bem amarradas, bem feitas para melhorar as infraestruturas. Isso tudo vai baixar o custo Brasil.
Mas, principalmente, tem de mudar o esquema de tributação dos insumos básicos da economia. Por que? Porque existem monopólios no início das cadeias produtivas com preços de insumos muito altos, os quais são repassados para o resto da indústria, muito acima do preço internacional. Para isso o governo precisa zerar os impostos de importação desses setores e ser duro com eles para baixar preços.
Em todo início de mandato se fala em ajuste fiscal. Que ajuste fiscal deve ser feito no país? É possível fazer ajuste fiscal sem ter implicações desastrosas no âmbito social?
Perfeitamente possível de fazer, sem risco nenhum e sem depender do Congresso; basta reduzir a Selic. Reduzindo a Selic se consegue em um ano ou dois reduzir o gasto de 5,5% do PIB – o valor gasto hoje com os juros – para quase a metade. Segundo, ao promover o crescimento econômico, se aumenta a arrecadação pública, que é o segundo mais forte instrumento fiscal depois da Selic, que está ajudando a União, os estados e os municípios ao mesmo tempo. E terceiro é a gestão fiscal, uma gestão inteligente, eficiente, sem corrupção, é claro, no sentido de priorizar melhor as despesas, eliminar despesas que não precisam ser feitas e tomar muito cuidado com investimentos para não cair na mão das grandes empreiteiras do país, que cobram o dobro do preço e atuam no cartel.
A campanha do PT criticou e desqualificou Marina por conta de sua aproximação com o setor financeiro. Entretanto, após as eleições, surgiu o nome de Henrique Meirelles e o de Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, para assumir o Ministério da Fazenda. Como o senhor vê essas indicações?
Lula – desculpe a expressão – é maluco de fazer uma proposta dessas; é um contrassenso. O PT sempre defendeu uma postura mais rigorosa em relação ao mercado financeiro, e ele está simplesmente entregando a economia ao mercado financeiro ao propor o presidente do Bradesco. Isso é um atraso, um grave erro que o ex-presidente comete.
O que seria uma alternativa econômica para um partido de esquerda? Qual deveria ser o perfil do ministro da Fazenda?
Quem aceitar, que aceite e tenha a liberdade de conduzir a economia, porque se deixar por conta da presidência, vai se repetir um pouco tudo que aconteceu até agora. Também, acho que quem assumir deve ter como primeiro ponto cuidar da questão fiscal do país e da questão externa, que significaria colocar os juros gradualmente nos eixos. Com isso se consegue colocar gradualmente o câmbio nos eixos e aí volta a ter a macroeconomia mais saudável, que é condição essencial para se ter qualquer crescimento.
Classifica a política do governo Dilma como uma política keynesiana?
O keynesianismo fala de uma maneira mais ampla e não entra na questão mais por dentro do tipo de despesa. Eu não sou favorável a investir “pra burro” no setor público. Defendo investimento no setor público se o Estado não se endividar, mas com muito cuidado para não cair na mão dessas grandes empreiteiras ou então entrar em um esquema muito mais aberto de concorrência para fazer investimentos com o lucro necessário ao empresário. Acho que na questão fiscal tem de direcionar a maior parte de recursos para quem realmente precisa, ou seja, as camadas de renda média para baixo, o que significa melhorar fundamentalmente a saúde e a educação do país, que são lamentáveis. Isso é muito mais importante para o crescimento econômico do que investir.
Mas alguma escola econômica poderia orientar a política econômica?
Eu prefiro trabalhar com “escolinha” daqui e não uma “escolinha” trazida de outros. Eu não sou contra investimento, apenas acho que quando investimos devemos saber efetivamente a quem estamos entregando o dinheiro para investir, quem está contratando e investir com o dinheiro próprio e não de empréstimo.
O PT sempre é bastante elogiado por ter aumentado o salário mínimo, ter aumentado o número de empregos, apesar de serem empregos de até três salários mínimos, e de ter desenvolvido políticas sociais. O senhor é um dos poucos economistas que chama atenção para uma possível “elevação do desemprego e crise social”. Quais são os riscos nesse sentido? Já há evidências desses possíveis cenários a curto prazo?
Não, não vejo em curto prazo, porém nós estamos indo um pouco “ladeira abaixo”, seja nas contas internas, seja nas contas externas, e o crescimento também está diminuindo cada vez mais. Ao fazer isso e não mudar a economia, está se apostando em uma jornada muito complicada e o passo seguinte é o aumento de desemprego, gerando insegurança aos trabalhadores. Com isso se corre um sério risco social e político, porque se o social começa a ir mal e a economia não crescer, se perde poder de comando político no Congresso e aí vai tudo por água abaixo.
Quais serão os desafios da equipe econômica da presidente Dilma para os próximos quatro anos?
O principal desafio é melhorar a questão social, e melhorar a questão social para mim diz respeito a duas áreas centrais: educação e saúde. Se a presidente conseguir melhorar isso, já terá feito uma grande contribuição e, automaticamente, estará contribuindo para o crescimento econômico, porque a educação é central para o crescimento de longo prazo e a saúde é fundamental para os trabalhadores poderem trabalhar e as pessoas viverem, pois tem muita gente morrendo devido a questões de saúde, falta de atendimento ou atendimento precário.
Por Patricia Fachin, no IHU On-Line