O anúncio do plebiscito da reforma política teve o mérito de jogar o tema na pauta do dia. Mas é evidente que o modelo político, a democracia representativa – tal como desenvolvida historicamente – não dá conta da era digital.
Em um ponto qualquer do futuro, quando estiverem mais claras as ideias, não haverá como fugir de uma discussão ampla sobre o modelo constitucional brasileiro.
E será um desafio grandioso navegar pelas águas turvas dos grandes plebiscitos online, sem ceder aos movimentos de manada que, em geral, exploram os lados mais obscuros da personalidade social de um país – como o estímulo aos linchamentos, aos sentimentos de vingança etc.
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O aprimoramento das democracias dava-se, até agora, pelos processos históricos de inclusão permanente. Na República Velha, as câmaras de vereadores eram compostas pelos comerciantes e fazendeiros das cidades, não se permitia o voto feminino nem do analfabeto, o voto de cabresto campeava.
A inclusão se dava à medida em que grupos se organizavam e se disciplinavam para entrar no jogo político. Com todos os defeitos, os partidos políticos surgiram para disciplinar as disputas políticas selvagens nos mais distintos rincões do país; os sindicatos se impuseram sobre os movimentos anarquistas; as organizações sociais cresceram e se fortaleceram abraçando causas comuns a grupos; as religiões desempenharam seu papel aglutinador.
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O paradoxo das democracias serem péssimas – mas serem o melhor sistema – explicava-se pelos próprios mecanismos de autocorreção, necessariamente lentos, demorados para manter a previsibilidade dos regimes.
No caso brasileiro, há um claro processo de oligarquização dos partidos políticos, em muitos casos dominados por famílias, por grupos políticos que impedem o revezamento e o arejamento, da mesma maneira que os clubes sociais e de futebol. Há um predomínio indesejável do fator econômico, através dos financiamentos privados de campanha. E uma indução ampla à picaretagem, com os partidos de aluguel que vicejam em todo o país.
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Um plebiscito pode amenizar alguns dos problemas. Mas, mesmo que contivesse menos imperfeições, o modelo político brasileiro é disfuncional.
As democracias nunca estimularam o associativismo. O cidadão é fundamentalmente um individualista, que luta diuturnamente para manter sua posição social, não se sentir excluído de grupos. As lutas sociais permitiram avanços e abriram espaço para o cidadão militante – o que comparecia em assembleias, greves, piquetes, aderia à militância partidária. Mas a imensa maioria só se manifestava nas eleições ou em períodos de catarse – grandes traumas públicos.
Os grandes avanços civilizatórios se deram a partir de elites – por mais que esse termo choque. Foram as elites jurídicas, políticas, sindicais, acadêmicas que permitiram os avanços. O senso comum jamais aceitaria a maior parte dos avanços sociais e de costumes.
Há que se ter um novo arcabouço que possa atender às demandas de milhões desses novos cidadãos. Mas qual a nova forma que disciplinará as novas massas, que permitirá que caminhem para uma nova ordem, sem o caos comunicacional das redes sociais.
Essa é a grande discussão que o país terá que enfrentar.
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