A Bolívia propõe cortar 1 milhão de m3 de gás natural, dos 30 milhões que vende diariamente ao Brasil, e redirecionar essa quantidade para a Argentina, que usa maciçamente o produto para aquecer residências no inverno. Mas, o Brasil se recusa em reduzir a importação do boliviano gás porque este atende prioritariamente ao setor industrial de São Paulo, vital para a dinâmica da economia brasileira. Além do mais, se abrisse mão dessa compra agora teria de utilizar mais água dos reservatórios de suas hidrelétricas, para manter o nível de armazenamento da água e do fornecimento de eletricidade em 2009 e nos anos seguintes.
Para atender a uma situação emergencial dos argentinos, que
não têm mais de onde comprar energia no curto prazo, o Brasil lhes venderá mais
hidroeletricidade, a partir das linhas de transmissão que saem do Rio Grande do
Sul em direção ao país portenho.
Todas essas idéias para atender a uma
situação emergencial foram debatidas em diois dias de reunião em Buenos Aires,
na semana passada. A única proposta de longo prazo foi o compromisso de os três
países construírem (em cinco ou seis anos) hidrelétricas capazes de gerar 10 mil
MW, centrais nucleares e uma planta de regaseificação na capital argentina
(provavelmente para aproveitar o gás natural venezuelano).
Evo Morales,
Lula e Cristina Kírchner nada avançaram em uma pauta realmente importante: a
reorientação do planejamento regional da oferta, da produção e de otimização
radical dos sistemas energéticos das três nações.
Sequer aproveitaram o
momento para iniciar negociações sobre políticas comuns para articular um novo
tipo de produção (menos impactante) e economia de energia (agregadora de valor
científico e tecnológico) com o enfrentamento das mudanças climáticas, um passo
adiante que daria sentido superior aos até agora pouco produtivos debates sobre
integração sul-americana. Venceu, mais uma vez, a política do cobertor curto e a
estratégia do mais do mesmo.
Essa falta de perspectiva expressa uma
incapacidade de os três governos definirem estratégias de desenvolvimento no
longo curso. Também evidencia que o trio foi pego de surpresa pela explosão dos
preços no mercado internacional das commodities agrícolas – a especialidade das
três economias – pela crescente demanda chinesa, com o conseqüente aquecimento
dos seus mercados internos - eles têm crescido em média nos últimos anos 8%
(Argentina) e 4% (Bolívia e Brasil).
O que é ainda pior é que a opção
pelas megausinas – custariam R$ 30 bilhões – aponta para a repetição de velhas
concepções de desenvolvimento que se apóiam no ciclo da economia política com
fins em si mesmos. Em geral, ela funciona mais ou menos assim, seja na América
Latina. África ou Ásia.
Bancos (alguns ostentando o título de
"desenvolvimento") contratam estudos a consultores e sugerem os projetos daí
resultantes a governos sem planos de desenvolvimento de longo prazo. Estes,
aparentemente assustados com as permanentes "crises de oferta de energia",
empregam consultores (muitas vezes, os mesmos vinculados aos bancos) que sacam
da gaveta pacotes tecnológicos e financeiros adaptáveis a qualquer
situação.
O tamanho dos pacotes geralmente incorpora estimativas infladas
de crescimento da demanda, mas isso não não é problema – nem para governos que
vivem de reclamar da falta de recursos. Afinal, a construção das usinas é
entregue a um reduzido número de empreiteiras que conseguem dos bancos generosas
condições financeiras para a realização dos seus projetos.
Em troca, os
bancos exigem dos governos "apenas" a assunção de garantias, que são
transformadas em dívidas de longo prazo serem pagas (ou roladas) pelos governos
seguintes. Tudo bem que as condições de pagamentos sejam draconianas. Afinal, a
nossa permanente "crise de oferta" de energia está batendo à porta e exige
soluções difíceis.
(Originalmente publicado no Blog no Noblat: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=91771&a=112
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Carlos Tautz é jornalista e pesquisador do Ibase – Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas
(Envolverde/Ibase)