Na série de entrevistas sobre “Crime Organizado x Caso Petrobras”, o especialista no assunto, professor e advogado criminalista J. Haroldo dos Anjos – autor do livro “As Raízes do Crime Organizado” – vai falar sobre “delação” ou “colaboração premiada”. A expressão vem sendo muito usada nos noticiários sobre as investigações de corrupção na Petrobras, realizada pela Polícia Federal do Paraná, na chamada Operação Lava Jato, que envolve grandes empresários, executivos e políticos.
1) No Caso Petrobras, temos visto muito o uso do termo DELAÇÃO OU COLABORAÇÃO premiada. O que significa isso, professor?
É um instituto previsto na forma de investigação presente na atual Legislação sobre Organização Criminosa, na Lei nº12.850/2013. Na verdade, é um termo antigo que vem da legislação italiana. Antes era chamado de "delação premiada”, na Lei nº 9.304 de 1995. Hoje em dia, a lei atual resolveu mudar e adotar o termo “cooperação premiada”, para retirar a imagem de “delator” do criminoso e imprimir a de “cooperador da Justiça”. Mas tem o mesmo significado, sem qualquer alteração.
A “delação premiada”, originalmente, era uma espécie de benefício do direito criminal italiano que surgiu na “Operação Mãos Limpas”, desencadeada pelo juiz Giovanni Falcone, iniciada na década de 80. O nome acabou sendo usado no nosso sistema penal em 1995.
2) A mudança foi feita na reforma do Código Penal?
Não houve “reforma” do Código Penal. O que aconteceu foi a criação de uma lei específica que tentou definir e tratar do assunto “Organizações Criminosas” em um momento crítico, quando começou a surgir esse tipo de criminalidade no país.
3) E como surgiu este termo: “delação premiada”. Qual a origem?
A “delação premiada” foi inserida na legislação italiana como um “meio de investigação” operacional, usada pelos órgãos do Estado para tirar confissões de criminosos arrependidos, membros de facção criminosa, principalmente nos casos da MAFIA italiana envolvida no tráfico de drogas e outros crimes.
Sendo assim, o certo, agora, é usar a expressão "colaboração premiada”, que acontece quando um “criminoso arrependido”, ou os chamamos, “L’uomo d’onore” – “homem de honra”, em italiano – colabora com a justiça e recebe benefícios de perdão judicial ou redução de sua pena. Na prática, um mafioso era “L’uomo d’onore” e não podia se arrepender delatar a organização criminosa. Foi o caso de Tomaso Buscetta, por exemplo, que denunciou toda a organização mafiosa italiana do tráfico de drogas e permitiu que a Justiça italiana desmantelasse o esquema da “delação” de um criminoso arrependido. Um mafioso “L’uomo d’onore”, quando se arrepende, perde a honra e passa a ser um “Judas”, um “traidor” para sua organização. Então, esta “colaboração premiada” é uma forma de compensação pela sua “coragem” em dedurar seus comparsas.
4) Esse “agente arrependido” seria chamado de “dedo-duro” ou “X-9” na linguagem popular?
Sim. Lembra daquela máxima de Rui Barbosa que dizia: “Deus pode perdoar o ladrão, mas o Judas não tem salvação”? Essa “delação” consiste no seguinte: tem um personagem, que está sendo o delator - que pode receber vários benefícios por sua colaboração, como: redução de pena que pode chegar a até 2/3 (dois terços), substituição por uma pena restritiva de direitos sem ficar preso ou até mesmo receber um perdão judicial - e; caso ele mostre um real arrependimento com a colaboração eficaz, e não sendo líder da organização criminosa, pode até se beneficiar com a exclusão da denúncia pelo Ministério Público.
5) Em outras palavras: ele dedura todo mundo, entrega o esquema da organização e, no final, recebe um benefício, um “prêmio” pela sua colaboração?
É exatamente isso o que acontece. Ele recebe um bônus, um prêmio da Justiça. A Justiça o seduz e ele confessa e delata os comparsas, entregando todo mundo. Contudo, para que tenha resultado nesta “delação” ou “cooperação premiada”, é preciso que a investigação surta algum efeito de prender, acabar com aquele esquema criminoso e desmantelar ou, pelo menos, reduzir a prática daquela organização criminosa.
6) Sendo assim, professor, como o fica em casos de denúncias ou informações vazias, que não sejam verdadeiras e que não resultem em nada?
Nesse caso ele não se beneficia de nada e passa a responder ao processo. É preciso realmente que o Delegado de Polícia e o Ministério Público verifiquem se as denúncias foram eficazes e se produziram algum resultado com a colaboração.
7) Ao longo de seus 25 anos de experiência, o senhor já atuou em algum caso de colaboração premiada?
Sim, mas isso é uma decisão pessoal do acusado e não dos advogados. É o último recurso de defesa quando o agente está encurralado pelas investigações. Eu já atuei em um caso onde o sujeito conseguiu, com a “delação premiada”, que a polícia demovesse toda uma organização criminosa numa determinada comunidade aqui no Rio de Janeiro. Mas esse colaborador teve seu nome, identidade e imagem preservados. Não é o que acontece no caso da PETROBRAS. Isso é muito complicado, porque esses "colaboradores" sempre correm riscos de morte pela organização criminosa em qualquer país do mundo.
8) Em caso de crimes corporativos, como na Operação Lava-Jato, o foco principal não são os crimes em espécie praticados pela organização criminosa investigada?
Não. Na verdade são vários crimes, como formação de cartel, corrupção ativa/passiva, fraudes em licitações, sonegação e crimes contra o sistema financeiro, além de lavagem de dinheiro. Os crimes menores como tráfico de influências, prevaricação, condescendência criminosa e outras infrações de menor potencial ofensivo são absorvidos por serem “crimes meios” para se atingir o “crime fim”, que é o desvio de verba pública através de improbidade administrativa. Logo, atrai a ação conjunta de vários órgãos intervenientes na apuração: PF (Polícia Federal), CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), MPF (Ministério Público Federal), CGU (Controladoria Geral da União), Receita Federal, Tribunal de Contas e Poder Judiciário.
9) Todos esses órgãos são competentes nos limites de suas atribuições?
Com exceção do Poder Judiciário, só podem aplicar penalidades de multas o CADE, o CGU, a RFB e o TCU e nada impede que essas multas sejam objetos de acordos entre as empreiteiras. Contudo, de forma alguma subtraem o poder de polícia investigativa e judiciária da PF, tampouco a ação e julgamento pelo Poder Judiciário, único que tem o monopólio da jurisdição de referendar ou rejeitar esses acordos. Mas, de forma alguma afastam a criminalização ou tipicidade das condutas, porém servem como fator de redução de penas, uma vez reparado o dano pelos agentes acusados, posto que cometidos sem violência ou grave ameaça às pessoas, cabendo inclusive arrependimento eficaz e colaboração premiada pela delação na atual legislação sobre organizações criminosas.
10) Esses acordos são legítimos como estratégias de defesa para redução de penas?
Embora imorais, são legítimos. Diferente dos EUA, o Ministério Público brasileiro não detém parcela de poder para fazer Termo de Acordo para ajustamento de condutas criminosas para extinção de punibilidade dos agentes envolvidos na operação Lava-Jato, mas o MPF tem atribuição em ação civil pública por improbidade administrativa de fazer acordo em caso de desvio de verba pública para reparação dos danos, em caso de imposição de penas de multas.
Crime Organizado e caso Petrobras - parte 1