Como pode durar dez anos uma briga judicial sobre impostos? No caso concreto, como durou tanto, e ainda continuava há poucos dias, a disputa de R$ 7,39 bilhões, em valor atualizado, entre a Receita Federal e a Petrobras? Um conflito tão longo renderia a Homero mais um poema épico, se ele se interessasse por assuntos fiscais e judiciais.
Dois dias depois de iniciado o noticiário sobre o caso, os leitores mais curiosos continuavam sem resposta a essas perguntas. Tratava-se, no entanto, de uma das grandes histórias do mês, talvez do ano. Por uma semana, a maior empresa brasileira, a Petrobras, esteve proibida de exportar, importar, participar de leilões de blocos do pré-sal e até de obter financiamentos de bancos públicos. Foi o efeito mais dramático de uma longa pendência tributária.
No dia 7 de junho, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional suspendeu a certidão negativa de débito da companhia, transformando-a numa espécie de pária. Só então a maioria dos brasileiros pôde conhecer mais uma história tipicamente nacional, um processo bilionário esticado por dois e meio mandatos presidenciais. OGlobo usou em uma chamada o título mais brutal: “Petrobras com ‘nome sujo’ na praça”.
Saúde financeira
A Petrobras informou a situação ao mercado na quinta-feira (13/6). Condenada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região a pagar imediatamente o débito, a empresa havia recorrido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Uma decisão favorável suspenderia a cobrança imediata e os efeitos do cancelamento da certidão. Mas a liminar foi negada pelo ministro Benedito Gonçalves. No primeiro despacho, ele desconsiderou os argumentos econômicos e financeiros apresentados a favor da empresa e os riscos para o abastecimento. Os jornais de sexta-feira (14) noticiaram a decisão e suas consequências. No dia seguinte, publicaram a nova decisão do ministro: ele havia resolvido, afinal, conceder a liminar, levando em conta as alegações desprezadas anteriormente.
A pendência começou com a cobrança, em 2003, do Imposto de Renda devido, segundo o Fisco, pela remessa ao exterior, entre 1999 e 2002, do pagamento de fretes de plataformas móveis (ou de uma plataforma, segundo um dos jornais). A empresa contestou a cobrança e a briga se estendeu. Segundo a companhia, o afretamento daquelas plataformas seria legalmente equiparável, para efeitos fiscais, ao de embarcações.
Segundo o Estado de S. Paulo, o TRF da 2ª Região aceitou inicialmente esse argumento e depois o rejeitou, mas nenhum detalhe foi acrescentado sobre o desenvolvimento do caso ao longo de dez anos. Até sábado (15), nenhum grande jornal das duas maiores cidades do país contou essa história, mesmo de forma resumida. Todos se limitaram ao mínimo de explicações, embora com algumas diferenças em relação aos detalhes. A Folha de S.Paulo foi além dos concorrentes na exploração do debate jurídico.
A história, no entanto, beira o fantástico. Afinal, os representantes da Petrobras simplesmente inventaram aquela equiparação ou basearam-se no texto de alguma norma legal? A norma existia e foi alterada? Não se trata de minúcias de interesse restrito de alguns profissionais. O Brasil tem fama de ser um país juridicamente inseguro, ou porque as normas sejam defeituosas, ou porque o Judiciário funcione mal, ou porque as regras sejam alteradas com frequência ou, afinal, pela combinação desses fatores.
Uma encrenca tributária ainda sem solução depois de dez anos, especialmente com o enorme valor envolvido e com participação da maior estatal brasileira, não deveria merecer um pouco mais de interesse da imprensa?
Além disso, qualquer notícia sobre grandes negócios ou problemas financeiros da Petrobras, neste momento, vale atenção especial. A diretoria nomeada pela presidente Dilma Rousseff está empenhada em arrumar as contas da empresa, tanto para melhorar sua saúde financeira quanto para restaurar seu potencial de investimentos. Essa política inclui um programa de venda de ativos.
Visão crítica
Na segunda semana de junho a empresa anunciou o cumprimento de pouco mais de um quinto desse programa, com a venda de direitos no valor de US$ 2,17 bilhões. A transação principal foi além da mera transferência de propriedade. Na sexta-feira (14/6), a estatal anunciou a venda ao banco BTG Pactual, por US$ 1,52 bilhão, de 50% da Petrobras Oil & Gas, com operações na África. Em vez de abandonar um negócio, a empresa arranjou um sócio, como informou o Estadão na primeira página do caderno de Economia.
Os grandes jornais já deram mais atenção ao noticiário da Petrobras, com repórteres encarregados de acompanhar bem de perto as atividades da empresa. Essa estratégia nem sempre conduz a bons resultados. A proximidade das fontes pode proporcionar informações quentes, mas também pode comprometer a visão crítica. Mas não é fácil encontrar o equilíbrio – suficiente proximidade para a boa informação e suficiente distância para atenuar o risco de envolvimento.
* Rolf Kuntz é jornalista.
** Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.