Santiago, 28/08/2007 – O controle dos cidadãos sobre suas instituições e autoridades tem múltiplas formas e está em expansão na América Latina, mas requer um contexto legal e melhor conhecimento pela população de seus direitos, afirmam especialistas. Uma das vertentes dessa fiscalização é a chamada controladoria social, "que tem muitos significados", o que limita suas potencialidades, disse à IPS Felipe Hevia de la Jara, doutor em antropologia do Centro de Pesquisas e Estudos Superiores em Antropologia Social (Ciesas), do México.
Para ele a controladoria social é "uma série de instrumentos e
mecanismos que servem para que os cidadãos controlem a ação do governo", que
podem ser "sistemas de atenção por parte da cidadania, comitês de vigilância,
participação nos órgãos de decisão, observatórios etc". Sua marca característica
é que "têm de ter um resguardo legal que permita (à população) fazer esse
trabalho". Em outras palavras, é uma participação institucionalizada, explicou o
pesquisador convidado do Centro de Estudos de Metrópole (CEM) e do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrab). Sua percepção é que o conceito
está "cada vez mais estendido na América Latina" e vê potencialidades e
limitações.
Entre as primeiras está a possibilidade de abrir espaços de
inovação e promover a cultura da transparência e prestação de contas. Entre os
entraves figuram o desconhecimento da população e o fato de que muitas vezes não
tem a capacidade de vetar o governo, afirmou o antropólogo, um dos expositores
da conferência internacional "Controladoria social na América Latina:
experiências e esperanças", realizada ontem na capital mexicana. A conferência
foi uma das atividades do curso "Controle social, transparência e participação
cidadã na gestão pública", que vai até amanhã, organizado pela não-governamental
Corporação Participa e pelo Programa Cidadania e Gestão Pública, uma aliança
entre a Universidade de Los Lagos e a Corporação Inovação e
Cidadania.
Hevia de la Jara identifica o Brasil como um dos países onde a
controladoria social está mais desenvolvida. É, por exemplo, líder em orçamentos
participativos. Por outro lado, no México "o controle social está mais
institucionalizado na forma do que na realidade", afirmou. Entretanto, se
destacam os Comitês Cidadãos de Controle e Vigilância do Estado do México,
integrados por cidadãos eleitos democraticamente em assembléia geral pelos
moradores beneficiários de obras realizadas com recursos estatais, federais e
municipais, os quais fiscalizam e informal sobre possíveis irregularidades. "A
controladoria social é uma das possíveis formas de controle social, mas há
outras instâncias" cidadãs que exercem essa fiscalização, explicou Hevia de la
Jara.
"Pode-se olhar a história da América Latina, e são vários os
presidentes que deixaram o poder graças ao exercício de controle social
realizado pelos cidadãos de forma legal, legitima", disse o especialista, que
realiza um estudo comparativo de sistemas de prestação de contas no Brasil e no
México. Ele se referiu ao caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello,
destituído e pelo parlamento em 1992, após um julgamento político por
corrupção.
Em 2003, uma persistente mobilização popular contra a política
de hidrocarbonetos do então presidente boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada o
forçou a renunciar. O mesmo teve de fazer seu colega argentino Fernando de la
Rúa em dezembro de 2001, quando sua administração jogou a Argentina em uma crise
econômica sem precedentes e um maciço movimento de cidadãos exigiu sua
renúncia.
No entanto, "dentro desse controle social, como ocorre no
México, acaba sendo mais efetivo ocupar as ruas do que participar de um conselho
consultivo ou de um comitê de vigilância, porque não é aí que são tomadas as
decisões, então, as medidas de força se mostram mais efetivas para controlar o
poder", ressaltou Hevia de la Jara. A seu ver, "o principal risco que têm estas
instâncias de controle social institucionalizadas é que sirvam apenas no papel,
ou que realmente não tenham recursos de poder necessários para agir como
controladoria".
Na conferência foram mostradas outras experiências de
controle social, como o Sistema Vigia Peru, realizado desde 2001 pelo Grupo
Proposta Cidadã, um consórcio de organizações não-governamentais que trabalham
nos âmbitos nacional e departamental. A entidade elabora e divulga informes
quadrimestrais sobre a gestão orçamentária dos governos regionais, os
investimentos públicos, o cumprimento da lei de transparência e acesso à
informação e os indicadores de participação cidadã, entre outros aspectos.
Graças a este programa houve mudanças positivas no comportamento dos governos
regionais, crescente interesse e expectativa por parte dos meios de comunicação
e o desenvolvimento de capacidades institucionais para a vigilância cidadã,
afirmou a representante Cinthia Vidal de la Tore. Também promoveu o surgimento
de outras iniciativas semelhantes entre a população, acrescentou. Para Andréa
Sanhueza, diretora-executiva da Corporação Participa, "no Chile não existe uma
cultura de prestação de contas, e a cidadania não assumiu um papel de
protagonista como sujeito de direitos".
Quem toma as decisões continua
acreditando que o voto é suficiente em uma democracia, que a participação traz
ingovernabilidade e que as pessoas não sabem nem entendem das questões
relevantes, afirmou Sanhueza. "Em comparação com o restante da América Latina, o
Chile tem mecanismos horizontais de controle forte. Há uma controladoria, que,
mais ou menos, funciona bem; um congresso legislativo, que, mais ou menos,
fiscaliza bem; um sistema de justiça que, com todos os altos e baixos que posam
haver, funciona", o que melhora as perspectivas, disse Hevia de la Jara, "O
Chile tem um relativo bom padrão quanto à vigência do Estado de direito, já que
possui um sistema de controle interno, mas tem muito pouca experiência em tornar
visível o papel que os cidadãos têm para que as coisas caminhem bem",
complementou Gonzalo de la Maza, diretor do Programa Cidadania e Gestão
Pública.
"O avanço mais importante feito (pela presidente Michelle
Bachelet) foi em matéria de acesso à informação. Tomou uma decisão valente de
colocar (nos sites de ministérios e dos serviços públicos) informação à
disposição da população, que começa mostrando os salários dos funcionários,
coisa que nenhum outro governo quis fazer", explicou Maza, sociólogo da
Universidade Católica do Chile. "Vejo certa vontade, particularmente por parte
da presidente, de procurar ampliar os mecanismos de participação. Ela enviou ao
parlamento um projeto de lei de modificação constitucional para incorporar a
iniciativa popular como lei. Mas não vejo isto tão claro nas políticas
concretas, nos mecanismos específicos que se desenvolvem", concluiu Maza.
(IPS/Envolverde)
Crédito da imagem: Sxc.hu
(Envolverde/ IPS)