Tanques de guerra sobem o morro do Vidigal, na Zona Sul do Rio, para implantação da 19a UPP
No Rio de Janeiro, a escolha do Brasil como país sede das olimpíadas e da copa do mundo acelerou a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora em direção a várias favelas da cidade. A novidade inaugurou uma grande convergência entre o planejamento da militarização — já em andamento na época — e dos preparativos para os mega-eventos.
Somente em 2011, foram militarizadas, na zona Norte do Rio, as favelas São João, Matriz e Quieto, nos bairros do Engenho Novo, Sampaio e Riachuelo; Coroa, Fallet e Fogueteiro, no bairro do Rio Comprido; Escondidinho e Prazeres, em Santa Tereza; São Carlos, no Estácio; e na zona Sul, as favelas Rocinha e Vidigal, nos bairros Leblon e São Conrado. Além disso, a instalação de regimes de exceção em favelas e bairros pobres no Rio de Janeiro começou a ser expandida para outros estados, como a Bahia e o Rio Grande do Sul — como prometeu a gerente Dilma Roussef em sua campanha na última farsa eleitoral.
Em 2011, AND divulgou em todas as suas edições a sofrida rotina dos moradores que vivem nas favelas militarizadas pelo Estado reacionário. Agressões, revistas abusivas, torturas, prisões arbitrárias, censuras à imprensa democrática, toques de recolher, repressão às atividades culturais da favela e até o assassinato de um jovem de 19 anos a sangue frio, com um tiro pelas costas, por PMs da UPP do morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. Um mês depois, uma testemunha ocular do assassinato do jovem André Ferreira foi presa arbitrariamente por PMs, espancada e ameaçada em uma delegacia de Copacabana.
Além disso, em todas as favelas ocupadas, moradores denunciam o encarecimento do custo de vida depois da chegada da UPP. Com isso, antigos habitantes estariam deixando essas favelas e se mudando para outras regiões, como a Baixada Fluminense. Nas favelas militarizadas da zona Sul, além das moradias, albergues e restaurantes estão sendo abertos por estrageniros — aproveitando a vista privilegiada — nos locais onde, antes, viveram gerações e gerações de famílias proletárias.
Esse "estado de sítio inconstitucional" — como definiu o criminologista Nilo Batista em entrevista ao A Nova Democracia e à Agência de Notícias das Favelas — é visto pelos moradores das regiões ocupadas como a simples substituição da opressão do tráfico pela opressão do Estado. Segundo dados da própria secretaria de segurança, atualmente, 420 mil pessoas estão sob as rédeas desse estado de sítio.
No morro da Mangueira, em junho de 2011, a UPP chegou à favela junto com o choque de ordem do prefeito Eduardo Paes, demolindo tradicionais barracas e tendinhas na entrada da quadra da escola de samba. Os comerciantes, alguns há 40 anos no local, receberam em troca de seus imóveis, barracas de ferro, sem água, luz e banheiro. Na ocasião, figuras notórias do morro da Mangueira e de sua conhecida escola de samba se pronunciaram repudiando a ação dos gerenciamentos de turno.
Abusos e resistência
Já em agosto, moradores do morro do Turano foram surpreendidos em uma comemoração do dia dos pais por PMs da UPP encarregados de levar a cabo o toque de recolher que acontece todas as noites nas favelas militarizadas, inclusive nos fins de semana. Revoltados, moradores reagiram atirando pedras, paus e garrafas nos policiais, que tiveram que correr da multidão furiosa. Somente com a chegada da tropa de choque da PM, o protesto foi encerrado. Na ocasião, 13 moradores foram presos e quatro ficaram feridos.
No final do mesmo mês, a redação de AND foi contatada por militantes da Rede Contra a Violência, que denunciaram o sequestro de cinco rapazes do morro da Coroa por policiais militares. Dois deles teriam sido espancados por PMs durante toda a manhã. Seis horas após serem acordados a tapas por policiais e presos arbitrariamente, os jovens foram levados para a delegacia, onde permaneceram presos por quase uma semana.
Na Rocinha, mal a UPP chegou e as denúncias de moradores vítimas de abusos cometidos por PMs já começaram a aparecer. Um homem procurou nossa redação no final de novembro acusando policiais do BOPE de invadir sua casa, quebrar móveis, revirar roupas e roubar fotos de sua mulher. Outro morador contou ter sido espancado e ameaçado de morte por policiais do Choque no morro do Vidigal, chegando a ser arrastado pelos cabelos.
Complexo do Alemão
No Complexo do Alemão, como mostrou AND n° 84, o exército cumpre um papel semelhante ao da PM nas favelas ocupadas pelas UPPs. Desde setembro, AND vem denunciando inúmeros abusos cometidos por militares contra os moradores. Na véspera do feriado de 7 de setembro, no morro da Alvorada, dezenas ficaram feridos quando um grupo de soldados atirou contra mulheres e jovens dentro de um bar. Dois dias depois, moradores protestaram e foram reprimidos com tiros de fuzil pelo exército. Os manifestantes atiraram pedras, paus e fogos de artifício contra os militares. Faixas foram extendidas por todo o complexo do Alemão repudiando o regime de exceção imposto aos moradores pelo Estado reacionário. Mototaxistas fecharam a avenida Itararé — que margeia o Complexo — em protesto contra o ataque do exército dois dias antes.
Desde então, várias festas foram violentamente interrompidas pelo exército no Complexo do Alemão e vários moradores ficaram feridos nessas situações — alguns gravemente. Nossa reportagem foi impedida de filmar por militares; operários que contestaram uma abordagem por soldados do exército passaram dias presos arbitrariamente; um morador foi baleado com um tiro de pistola por policiais; comerciantes foram forçados a fechar as portas; e por aí vai. Na mais emblemática situação, as câmeras de AND flagraram com exclusividade um morador sendo espancado por mais de dez militares. A imagem foi veiculada por inúmeros veículos de comunicação, inclusive os do monopólio.
Cinturão dos mega-eventos
A milionária propaganda institucional — além da publicidade de ponta promovida pelo monopólio da imprensa — serve para mascarar esse regime de exceção não declarado. Um esforço que custará a já combalida liberdade de quase 1 milhão de pessoas, além dos bilhões aos cofres públicos.
Em março, o próprio secretário executivo municipal do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), Ricardo Rotenberg, disse em entrevista pública que a principal finalidade das UPPs, de fato, é a formação de um cinturão de segurança no entorno da nobre região que abrigará os mega-eventos em 2014 e 2016. Com o avanço da militarização em 2011, esse cinturão ficou ainda mais perceptível geograficamente. Resta saber: depois de um ano de opressão, um ano sob a mira do fuzil do Estado reacionário, um ano vivendo em um autêntico regime de exceção, qual será o legado desses jogos para o povo pobre no Rio de Janeiro e em todo o Brasil?
Militarização avança em outros estados
Ocupação da favela Calabar, Salvador (BA), para instalação da 1a UPP
E não é só no Rio de Janeiro que, em 2011, a militarização avançou sobre as favelas e bairros pobres. Como prometido pela gerente Dilma Roussef em sua campanha durante a farsa eleitoral do ano passado, a expansão das UPPs do Rio de Janeiro — laboratório de políticas antipovo do Estado reacionário — para outros estados já abriu caminho para a militarização de favelas na Bahia e no Rio Grande do Sul. Cabe lembrar que ambos os estados são gerenciados pelo PT — Jaques Wagner e Tarso Genro, respectivamente.
Em Porto Alegre, em setembro do ano passado, a favela Vila Restinga foi ocupada pelas polícias civil e militar gaúchas para a implantação do primeiro "Território da Paz" no Rio Grande do Sul. O modelo de militarização é uma cópia das UPPs do Rio de Janeiro, como afirmou na ocasião o delegado Carlos Roberto Sant'Ana, coordenador do Programa Estadual de Segurança com Cidadania (Proesci). Além disso, outras três favelas da capital gaúcha — Santa Teresa, Rubem Berta e Lomba do Pinheiro — receberam o ônibus fixo da Brigada Militar.
Em abril, foi a vez dos gerenciamentos de turno da Bahia se inspirarem na militarização de favelas no Rio de Janeiro para a instalação da primeira UPP na capital Salvador. Seguindo a risca o modelo do Rio, o gerente Jaques Wagner escolheu a favela Cabalar para começar o processo de militarização. A favela fica próxima a bairros nobres da capital baiana, como Ondina e Barra.
Nos meses seguintes, o gerenciamento estadual instalou sete câmeras dentro da favela e anunciou a militarização de outras favelas baianas. Como no Rio de Janeiro, a UPP na favela baiana Cabalar — com efetivo de 100 PMs — recebeu o amplo apoio do monopólio dos meios de comunicação.
Moradores fazem novas denúncias contra o exército no Alemão
No dia 24 de novembro, soldados do exército que há mais de um ano ocupam o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, trocaram tiros com traficantes na região conhecida como Pedra do Sapo. No confronto, um cabo das ditas ‘forças de pacificação’ teria sido atingido no braço por um tiro disparado pelos bandidos.
Um comerciante que preferiu não se identificar disse que, após o confronto, militares o mantiveram detido por horas e fizeram um longo interrogatório, acusando o trabalhador de ter informações sobre os traficantes que confrontaram os soldados.
— Eles vieram aqui e me mandaram fechar o bar. Pediram notas fiscais das mercadorias e eu apresentei tudo direitinho. Depois, um coronel disse que ia fechar o meu bar por falta de alvará. Nenhum comerciante do Complexo do Alemão tem alvará, porque nenhum barraco aqui tem escritura. É tudo posse. O exército já está há mais de um ano aqui e não providenciou a documentação correta para os comerciantes, como eles tinham prometido em 2010. Esse coronel sabia que não podia fechar o meu bar, mas ele fechou mesmo assim. Eu tenho mulher e dois filhos. Tenho que levar o sustento da família para casa. Mesmo que eu soubesse de alguma coisa, não poderia falar. Você acha que eu não tenho medo de fazerem alguma coisa comigo e com os meus filhos?— pergunta o trabalhador, observado de longe por um grupo de soldados, fixados no local para garantir que o bar continue fechado.
— Essa pacificação não mudou em nada a nossa realidade. Não trouxe nada de bom, como o saneamento que nós precisamos e mais escolas e hospitais. Só trouxe esses soldados mal educados que vivem destratando os moradores. Se isso é paz, imagine se fosse guerra? — questiona o presidente da associação de moradores da localidade, Roberto de França.