A região era de pinheirais a perder de vista e era fácil encontrar um belo pinheirinho. Este era enfeitado com os materiais rudimentares daquela região ainda em construção. Utilizavam-se papel colorido, celofane e pinturas que nós mesmos fazíamos na escola. A mãe fazia pão de mel com distintas figuras, humanas e de bichinhos, que eram dependuradas nos galhos do pinheirinho. No topo havia sempre uma estrela grande revestida de papéis vermelhos.
Em baixo, ao redor do pinheirinho, montávamos o presépio, feito de recortes de papel que vinham numa revista que meu pai, mestre-escola, assinava. Aí estavam o Bom José, Maria, toda devota, os reis magos, os pastores, as ovelhinhas, o boi e o asno, alguns cachorros, os anjos cantores que dependurávamos nos galhos de baixo. E naturalmente, no centro, o Menino Jesus, que, vendo-o quase nu, imaginávamos, tiritando de frio, e nos enchíamos de compaixão.
Vivíamos o tempo glorioso do mito. O mito traduz melhor a verdade que a pura e simples descrição histórica. Como falar de um Deus que se fez criança, do mistério do ser humano, de sua salvação, do bem e do mal senão contando histórias, projetando mitos que nos revelam o sentido profundo dos eventos? Os relatos do nascimento de Jesus contidos nos evangelhos, contêm elementos históricos, mas para enfatizar seu significado religioso, vêm revestidos de linguagem mitológica e simbólica. Para nós, crianças, tudo isso eram verdades que assumíamos com entusiasmo.
Mesmo antes de se introduzir o décimo-terceiro salário, os professores ganhavam um provento extra de Natal. Meu pai gastava todo este dinheiro para comprar presentes para os 11 filhos. E eram presentes que vinham de longe e todos instrutivos: baralho com os nomes dos principais músicos, dos pintores célebres cujos nomes custávamos a pronunciar e ríamos de suas barbas ou de seu nariz ou de qualquer outra singularidade. Um presente fez fortuna: uma caixa com materiais para construir uma casa ou um castelo. Nós, os mais velhos, começamos a participar da modernidade: ganhávamos um jipe ou um carrinho que se moviam dando corda, ou uma roda que girando lançava faíscas e outros semelhantes.
Para não haver brigas de baixo de cada presente vinha o nome do filho e da filha. E depois, começavam as negociações e as trocas. A prova infalível de que o Menino Jesus de fato passou lá em casa era o desaparecimento dos feixes de grama fresca. Corríamos para verificá-lo. E de fato, a musetta havia comido tudo.
Hoje vivemos os tempos da razão e da desmitologização. Mas isso vale somente para nós adultos. As crianças, mesmo com o Papai Noel e não mais com o Menino Jesus, vivem o mundo encantando do sonho. O bom velhinho traz presentes e dá bons conselhos. Como tenho barba branca, não há criança que passe por mim que não me chame de Papai Noel. Explico-lhes que sou apenas o irmão do Papai Noel, que vem para observar se as crianças fazem tudo direitinho. Depois conto tudo ao Papai Noel para ganharem um bom presente. Mesmo assim muitos duvidam. Se aproximam, apalpam minha barba e dizem: de fato o senhor é o Papai Noel mesmo. Sou uma pessoa como qualquer outra, mas o mito me faz ser Papai Noel de verdade.
Se nós adultos, filhos da crítica e da desmitologização, não conseguimos mais nos encantar, permitamos que nossos filhos e filhas se encantem e gozem o reino mágico da fantasia. Sua existência será repleta de sentido e de alegria. O que queremos mais para o Natal senão esses dons preciosos que Jesus quis também trazer a este mundo?
* Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor, autor de O Sol da Esperança: Natal, Histórias, Poesias e Símbolos, Editora Mar de Ideias, Rio de Janeiro 2007.
** Publicado originalmente no site Adital.
(Adital)