Segundo ela, as amizades virtuais, assim como as convencionais, favorecem o aumento da reflexão e da ação dos sujeitos a partir do que o outro fala. “A autenticidade dos afetos nas relações mediadas pela internet revela uma nova maneira de estar junto na qual os sujeitos são mutuamente afetados pelas trocas simbólicas que se dão no registro discursivo das conversas online. Os intercâmbios de experiências e opiniões suscitam transformações subjetivas que modificam formas de pensamento e que podem instaurar o aumento da potência de agir”, diz.
Etnografia virtual
A pesquisadora, que atualmente é professora na Universidade Federal de Sergipe (UFS), utilizou-se de uma metodologia chamada etnografia, que envolve ir a campo e conhecer as pessoas ambientadas nas relações ou situações a serem estudadas. “O método da pesquisa foi a etnografia virtual. Conheci e conversei com as pessoas pela internet”, conta. A divulgação do estudo também foi feita pela internet. “Enviei uma mensagem explicando a proposta do estudo para os meus contatos. As pessoas foram divulgando, inclusive para gente que eu não conhecia, e algumas entraram em contato, disponibilizando-se a fazer parte da pesquisa”.
Lívia diz que esperava conversas curtas e com palavras abreviadas, mas foi surpreendida com entrevistas virtuais de em média uma hora e 45 minutos de duração. “As conversas me mostraram que as relações podem ser duradouras e que há autenticidade afetiva nelas. Também, as novas tecnologias favorecem o encontro entre as pessoas”, revela. Segundo ela, alguns dos entrevistados mantinham projetos profissionais e artísticos com amigos virtuais. “Uma menina, que era atriz, contou que conheceu uma amiga pela internet. Ambas moravam na mesma cidade mas nunca se encontraram, mas uma escrevia roteiro e enviava para a outra, por exemplo. Outro entrevistado conseguiu montar uma banda com gente que conheceu pela internet”.
Perfil dos entrevistados
Ao todo foram 14 entrevistados. Todos eram adultos, tinham em média 24 anos e moravam em diversas cidades, como São Paulo, Belém (PA), Campina Grande (PB), Andradas (MG), Brasília (DF), Manaus (AM), Montes Claros (MG) e até Florença (Itália). “A menina que morava na Itália era brasileira e contou que a internet a ajudou a conhecer outros brasileiros que moravam por lá também. Isso ajudou na sua rede de acolhimento no novo país”, conta Lívia. Os entrevistados também exerciam as mais diversas profissões. Havia entre os entrevistados uma advogada, duas atrizes, dois jornalistas, três psicólogos, dois estudantes, uma fisioterapeuta, uma assistente de qualidade, uma desempregada e um produtor audiovisual.
Segundo a autora, as relações de amizades mediadas pela internet têm como especificidade uma intensa troca de opiniões que mobilizam os amigos a refletir. “As pessoas são instigadas a pensar e encontram-se implicados na exercício político de considerar a opinião do outro. De fato, neste tipo de relação, quando o interlocutor é considerado amigo é porque de algum modo o que ele fala e pensa já sensibilizou ou afetou o seu outro”, afirma. Em outras palavras, a designação de amizade, nas relações mediadas no ciberespaço, articula-se com o fato de que os corpos consideram e são afetados por aquilo que o outro diz nas conversas online. “Os sujeitos destacam que em suas relações de amizades travadas pela internet o amigo ajuda a refletir e a esclarecer dúvidas, colabora na tomada de decisão bem como na relativização do pensamento”.
Lívia ainda afirma que cada vez mais as relações sociais estão sendo mediadas pelas tecnologias da informática. “Muitas pessoas não têm acesso à internet e, por isso, acabam excluídas, não podendo exercer plenamente sua cidadania. O não acesso a serviços que são oferecidos exclusivamente via internet, bem como a dispositivos tecnológicos cada vez mais presentes em todas as esferas da vida cotidiana conduzem a novos territórios de exclusão”, explica.
* Publicado originalmente na Agência USP.