Com o crescimento da cidade não houve mapeamento da infraestrutura subterrânea, mas não há um único motivo para explicar explosão de bueiros.
No penúltimo fim de semana a Light lançou uma campanha publicitária para tentar explicar à população o funcionamento do seu sistema de caixas inserido na rede subterrânea de cabos de energia, gás, TV a cabo e telefone. O Conexão Light (www.conexaolight.com.br) é uma espécie de resposta às notícias quase diárias de incidentes em bueiros no Rio de Janeiro, uma cidade onde apenas 2% da rede elétrica é subterrânea. Noutra tentativa de frear os prejuízos à imagem de seus clientes, recentemente os advogados das empresas envolvidas começaram a pedir segredo de justiça nas investigações dos acidentes com bueiros no Rio de Janeiro, revelou a diretora do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), Nelly Soares Reis.
De acordo com o engenheiro Luiz Alberto Coelho, chefe do Serviço de Perícia do ICCE, a repercussão começou em junho de 2010, quando o casal de turistas americanos, Sara Lowry e David McLaugheim, foi ferido com a uma explosão de um bueiro em Copacabana, mas os incidentes começaram há alguns anos. “Antes saíam poucas notas na imprensa e a população não prestava atenção, mas nós já fazemos perícias neste tipo de incidente desde 2007, começou no Centro e foi se espalhando pelos bairros mais antigos da cidade, com galerias e instalações defasadas, mas alta densidade populacional e de serviços, como Copacabana e Botafogo.” Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os registros deste tipo de incidente no subsolo carioca começaram em 2004.
Coelho afirma já ter perdido a conta das perícias realizadas em caixas subterrâneas, mas acrescenta que o número de casos é muito maior. “Sempre que acontece um incidente com um bueiro é feito um registro administrativo nas concessionárias e agências reguladoras envolvidas, mas se não houver vítima o delegado pode não pedir perícia, a não ser que ele classifique – como está previsto no código penal – como exposição ao perigo.”
“Desalinho completo”
Mas o que a população se pergunta é por que os bueiros começaram a explodir. Na opinião do perito, a cidade cresceu e junto aumentou o consumo de energia, a produção de esgoto, mas não houve por parte da administração pública uma preocupação com o ordenamento do subsolo, um mapeamento da infraestrutura subterrânea. “Cada concessionária tem seus cabos, suas caixas subterrâneas e seu mapeamento, mas nem a prefeitura sabe exatamente o que tem lá embaixo. Hoje, o subsolo é um desalinho completo. Estas plantas estão arquivadas, mas não ordenadas, organizadas. Essa responsabilidade é da prefeitura”, explicou Coelho.
Além da reprodução no subsolo da ocupação desordenada do solo carioca, a falta de manutenção é outro fator apontado pelos especialistas. “Muitas estações são antigas, tanto da CEG quanto da Light, as concessionárias ficaram muitos anos nas mãos do Estado sem o investimento devido, a modernização é complexa”, lembrou o perito.
Caráter explosivo
“Só acontece explosão se há confinamento, é o mesmo princípio de uma bomba ou granada”, garantiu o engenheiro. Para inflamar é necessário que exista o tetraedro formado por ponto ígneo, comburente, combustível e temperatura certa para atingir o ponto de combustão. A fagulha pode ser elétrica, mas pode ser pelo simples atrito da tampa metálica do bueiro quando um automóvel passa. “Vários bueiros pegaram fogo sem que houvesse inflamação, saiu fumaça, mas não explodiram. A inflamação abrupta causa um deslocamento de ar, mas não há necessariamente explosão”, ressaltou.
O gás natural distribuído pela CEG tem vários gases em sua composição, inclusive o metano. Ao periciar um bueiro, se encontrarmos apenas metano, não foi vazamento da CEG. Neste caso, o gás pode vir, por exemplo, de matéria orgânica em decomposição, esgoto, aterramento e até lixo. Quando acontece um acidente e os peritos são chamados, o procedimento é abrir ou isolar o local e tamponar novamente o bueiro, pois já está aerado. Após um intervalo de tempo, os especialistas introduzem um tubo em um orifício para coletar em bolsas o gás que estiver lá. Em seguida lacram novamente e repetem o processo em intervalos de tempo regulares. Depois as amostras são levadas para serem analisadas no cromatógrafo, que vai dizer exatamente qual o percentual de cada gás na amostra coletada. “Só nesse processo já temos uma ideia se o vazamento é ou não da CEG, pois se for gás natural vai atingir alta concentração e nível de explosividade rapidamente. Já se for proveniente de decomposição de matéria orgânica a explosão leva mais tempo.”
Cada caso é um caso
É consenso entre os especialistas que não há um único culpado ou único motivo para os incidentes. “Cada caso é um caso. O metano pode vir até da queima do isolamento de PVC, que é derivado de petróleo. Um cabo superaquecido por um mês, por exemplo, produz metano suficiente para causar uma inflamação.” Coelho lembrou de um caso no Centro onde foi verificado que apenas um cigarro caído dentro da caixa acumulou fumaça suficiente para causar alarde na população.
Outro motivo apontado são os furtos de cabo em grande escala, causa apontada para a fumaça em três bueiros no bairro do Leblon semana passada. Como o cabeamento era antigo, havia isolamento com chumbo, que ao derreter causou um cheiro forte alamando os moradores. Para Coelho, em alguns casos, o furto de cabo pode ser considerado um atentado. “Há concorrência entre as empresas, há funcionários que foram demitidos e resolvem se vingar com uma sabotagem. A quantidade de cabo furtado pesa toneladas, é necessário um caminhão para fazer o transporte. Quem comete este crime sabe o que está fazendo. O sujeito não corta o cabo em horário de pico, corta em um fim de semana, de madrugada. Aí, se são quatro cabos por fase pra atender um prédio, ele corta três. Quando chegar segunda-feira e o prédio todo for ligado vai acontecer o curto-circuito e talvez até o incêndio.
Prevenção
Se a preocupação com o ordenamento do subsolo é apontada como solução para acabar com as explosões, algumas medidas são consideradas emergenciais. Além da necessidade de manutenção e modernização das galerias e redes, a simples ventilação ajudaria a evitar incidentes, pois a retenção de gás nos bueiros é que provoca as explosões. “Se as galerias estiverem aeradas, diminui o risco. Há várias alternativas, tanto naturais ou mecânicas. Existem medidas técnicas, soluções de engenharia para evitar que isso aconteça, precisamos trabalhar em cima disto”, defendeu Coelho.
Monitoramento independente
Tanto a Light quanto a CEG afirmam manter planejamento estratégico e manutenções preventivas em suas redes subterrâneas, no entanto, supostamente preocupada com os incidentes em bueiros, a prefeitura do Rio de Janeiro firmou um termo de cooperação unindo Governo do Estado, Ministério Público e Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro (CREA-RJ). A partir deste acordo, a prefeitura anunciou no dia 5 de agosto a contratação de uma empresa terceirizada, a Concremat, para vistoriar os bueiros na cidade durante seis meses. A concessão para exploração dos serviços é pública e a conta da confusão também: o contrato, em caráter emergencial, custará aos cofres públicos R$ 4, 242 milhões. A iniciativa prevê a inspeção de 10 mil bueiros por mês, mesmo que não haja risco de explosão.
O monitoramento é feito com detectores de gás (explosímetros), para verificar a presença de gases inflamáveis e explosivos, e varredura com um termovisor que verifica a ocorrência de temperatura acima do recomendado nas instalações elétricas. Quando é comprovada a presença de gases na faixa de risco, o protocolo de emergência é acionado com a comunicação ao Centro de Operações Rio e às concessionárias Light e CEG.
Desde o inicio da operação, no dia 12 de agosto, foram vistoriados 6.548 bueiros nas áreas apontadas como de maior risco de ocorrência de acidentes como Centro, Copacabana, Botafogo, Laranjeiras, Flamengo e Tijuca. Até o momento foram encontrados 98 bueiros com alto risco de explosão e, segundo a Secretaria Municipal de Conservação, todos foram isolados e sinalizados para reparo imediato pelas concessionárias.
Banalização
Após meses com notícias diárias de incidente em algum bueiro no Rio de Janeiro, apesar de parte da população ainda se sentir insegura, muita gente já trata o assunto com o típico humor carioca. No jornal popular Meia Hora, que já publicou chamadas como “Cidade mudará de nome para Bueiros Aires” e “Osama Bin Light apavora o Rio”, o assunto já não rende.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.
(Carta Capital)