A chamada grande imprensa finalmente despertou para o risco de ser contrabandeada para dentro da legislação a reabertura dos bingos e dos cassinos de máquinas caça-níqueis.
Quase em cima da hora, uma vez que os agentes da jogatina no Congresso Nacional se movimentam com agilidade e contam com apoios importantes. O próprio líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), tem contribuído para dar regime de urgência ao projeto que propõe legalizar o jogo.
Nas edições de terça-feira (14/12), data em que o lobby da jogatina planejou juntar esforços para empurrar o projeto dentro da pauta de votações, os jornais finalmente resolvem atentar para o assunto. Até então, o tema vinha sendo abordado em notas curtas e em comentários de alguns colunistas.
Ainda assim, a imprensa vem tangida por um grupo de trabalho coordenado pelo Ministério da Justiça, que divulgou um documento enviado à Câmara, no qual alerta os deputados para o fato de que a aprovação de uma lei que libera os bingos beneficiaria grupos criminosos. O texto desmonta os principais argumentos dos defensores da jogatina, entre os quais se destaca o sindicalista e deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força, cujo currículo recomenda uma atenção especial da sociedade.
Guerra declarada
Para começo de conversa, diz o documento, a proposta de transferir recursos financeiros dos bingos para a saúde não pode ser cumprida porque seria inconstitucional. Segundo o Ministério da Justiça, o Estado não teria condições de fiscalizar o jogo e conter a "sanha lucrativa da criminalidade organizada".
Em outras páginas dos jornais, noticia-se que o consumo de crack já se estende por 95% das cidades brasileiras, sendo que apenas 15% delas têm alguma estrutura para atendimento dos dependentes.
A epidemia da droga devastadora agora é nacional. O governo federal não parece ter uma estratégia para combatê-la e a tendência é que a situação se torne ainda mais grave nos próximos anos.
A imprensa parece não enxergar a conexão entre fenômenos aparentemente distantes, mas cuja interrelação já foi devidamente demonstrada por especialistas: quando atacados em uma de suas fontes de renda, os investidores do crime organizado buscam assegurar o resultado financeiro em outra área, sempre além dos limites da lei.
Com a guerra declarada aos pontos de droga nas favelas do Rio de Janeiro, o negócio se diversifica e se espalha por todo o país. Com a droga sob cerco, o dinheiro do crime busca uma saída legal, através da jogatina.
Ainda que tarde, menos mal que os jornais comecem a dar mais atenção para os movimentos da bancada de aluguel no Congresso Nacional.
***
Observatório na TV
A Folha de S.Paulo acompanha com interesse e noticia, na edição de terça-feira (14/12), a definição da norma ISO 26000, que deve se tornar a principal referência de responsabilidade social nas empresas e outras organizações. Foram cerca de oito anos de debates que envolveram 450 especialistas de 90 países e 40 entidades internacionais.
A nova norma deve juntar e consolidar um emaranhado de acordos, tratados e manifestações de boas intenções, formando um conjunto de diretrizes para que a responsabilidade social possa ser adotada como parte das estratégias de negócios.
Essa definição deixa para o passado a velha prática da filantropia, baseada no princípio caridoso da boa vontade, que costumam mover fortunas em direção aos menos favorecidos, mas não tem sido capaz de produzir mudanças significativas e duradouras no cenário de desigualdades sociais.
Em agosto, o fundador da Microsoft, Bill Gates, juntou-se ao investidor Warren Buffett e ambos convenceram 40 bilionários americanos a doar pelo menos metade de sua riqueza à caridade. Outras iniciativas, como a do financista George Soros, injetam bilhões de dólares em instituições filantrópicas ou de defesa de direitos civis.
No Brasil, essa prática segue muito restrita, e pode ser estimulada com o advento da norma ISO 26000. Supõe-se que a corrupção, ou a notícia da corrupção, que espalha a insegurança sobre a destinação de recursos doados a boas causas, seja um importante empecilho.
O Observatório da Imprensa na TV vai discutir nesta terça-feira (14) como a mídia pode contribuir para incentivar a prática da filantropia – ou, em termos mais atualizados, da responsabilidade social. Às 22h na TV Brasil, em rede nacional. Em São Paulo, canal 4 da NET e 181 da TVA.
(Envolverde/Observatório da Imprensa)