Após piadas sobre a Folha serem as palavras mais repetidas no Twitter, foi ao ar na Folha Online um podcast de Ronaldo Lemos, afirmando que "Estar nos trending topics do Twitter não é tão importante assim", meses depois do inédito "CALA BOCA GALVÃO" ser motivo de matérias e artigos destacados, na Folha e até na própria Rede Globo.
Sobre as mesmas piadas, a jornalista Mary Zaidan chama de "dilmistas digitais", "companheiros pagos" e "militantes crédulos" aqueles que estão em discordância com sua concepção de imprensa livre, e, com bom humor, a criticam; e diz que seu intuito é "Tentar ridicularizar o jornal".
Na outra linha, Marcelo Tas, do "CQC", afirmou - às épocas do movimento #HumorSemCensura - que o seu direito de ridicularizar os candidatos estava sendo oprimido, por conta da legislação eleitoral.
Ora, há contradição entre esses dois argumentos: Ridicularização de políticos é direito constitucional; de jornais, é ataque a liberdade de imprensa.
Isso se dá pelo fato de elas se sustentarem numa distorção da liberdade de informar, com humor ou não. Enquanto do lado defensivo o discurso soa robusto, uma vez que se baseia numa liberdade constitucional, do lado ofensivo as teses são chocantes e põem em dúvida a crença dos seus profetas na tal liberdade.
Mas todas as justificativas tem por base uma mesma interpretação. Elas explicam que o comportamento dos jornais e demais meios de comunicação é correto, uma vez que duvidar dessa correção é atacar a liberdade de imprensa. Discordar ou debochar dos veículos tradicionais é discordar e debochar da liberdade de imprensa. Eis a linha-mestra.
Consequentemente, qualquer opinião que defenda a extensão do direito de informar a todos que desejem exercê-lo é tratada como uma tentativa de cercear esse mesmo direito.
No entanto, desejar que, com a internet e com um novo marco regulatório - o que temos data de 1962, quando não havia internet e mal havia televisão -, a comunicação se horizontalize, não é igual a desejar que os atuais grandes meios de comunicação fechem. Ainda que, por conta da competição econômica, esse risco exista. É desejar o fim do privilégio, não do direito.
Assim, a defesa do direito de informar se reduz à defesa do privilégio de informar.
É certo também que a imprensa - qualquer uma - se move por interesses próprios. Esses interesses podem ou não coincidir com interesses partidários, mas se distinguem, a despeito da freqüência com que eles se misturem, nos mais diversos veículos.
No entanto, eles são exclusivamente privados. Não há legitimidade - a imprensa não elege nem é eleita - para definir a agenda pública. Há legitimidade - como há para qualquer ator político - para influenciá-la, mas privilégios não são louváveis.
Qual direito define que uma matéria da Veja gere investigações policiais e uma da Carta Capital não? Nenhum. Não seria a capacidade de retroalimentação denuncista que quatro ou cinco famílias tem: o privilégio de informar?
Essa prática assemelha-se com o lacerdismo da república de 45: nele, todos os governos sofreram tentativas de deposição. Na república atual, há o mesmo quadro: todos os governos, de Sarney a Lula, com justificativas mais ou menos sustentáveis, sofreram tentativas de desestabilização.
Ressalto que o exercício da oposição pela imprensa, ainda que danosa a ela própria, é legítimo. Mas o privilégio de informar faz com que isso seja danoso à democracia.
Não é de se estranhar que Lula, portanto, que definiu o valor de publicidade para quanto o espaço publicitário valia, seja duramente atacado e enxergue os grandes meios de comunicação como adversários a serem derrotados, já que se comportam como tal. E não há problema nenhum nisso. Há problema, isso sim, em conglomerados privados terem privilégios em detrimento, por exemplo, de mim: cidadão que teoricamente tem mais direitos que uma empresa privada.
É importante ressaltar que um jornalista ou meio de comunicação pode até não ouvir os dois lados, embora seja ética e tecnicamente louvável que o faça. No entanto, o jornalismo e a comunicação tem essa obrigação. Do mesmo jeito, um meio de comunicação, por princípio, tem o direito de portar-se como opositor ou adversário de um governo; mas não pode ter privilégios ou prejuízos por conta de sua posição. Assim, o problema não é o que acredita ou quão capaz é um jornalista, e sim o privilégio ou prejuízo que sua informação tem por estar em determinado veículo.
Não se pode desqualificar milhares de tuiteiros simplesmente por que eles tem opinião diversa. Não se pode diminuir os meios ditos alternativos. Não se pode blindar as empresas de comunicação de quatro ou cinco famílias através de dispensas de licitação pública para que elas continuem imprimindo muito mesmo que sejam menos lidas. Não se pode tratar desigualmente quem tem iguais direitos. Não se pode existir privilégio.
É necessário que não haja privilégios para que o direito de informar seja exercido plenamente. Quando esse privilégio tenta diminuir esse direito, há um problema com a democracia.
Há um problema de contradição com a democracia quando um dos maiores jornais do país fala para uma parcela mínima da população.
Há um problema matemático quando uma revista é cada vez menos assinada e mantém a sua tiragem e seus lucros; um problema que toma dimensão pública quando o dinheiro envolvido é do estado.
Há um problema quando meios de igual circulação e relevância façam duas denúncias e, enquanto uma é apurada, o outro meio seja alvo de investigação pelo Ministério Público.
Há um problema quando o privilégio fica contra o direito e quer usurpar dele a legitimidade que a democracia confere.
*Yuri Santos de Brito tem 18 anos, é tuiteiro(@invictusd), estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia. Vai votar pela primeira vez numa eleição presidencial.