À luz de um lampião, na rua, os insurretos decidiram criar um time de futebol do povo e para o povo.
Atrevidos, decidiram que a nova agremiação não deveria se contentar com a várzea.
O plano era formar um esquadrão para enfrentar, de igual para igual, os clubes da fechada elite paulistana.
Ousados, já meteram a mão em foices para abrir uma cancha num terreno baldio, pertencente a um lenheiro do bairro.
E, no primeiro jogo, contra o União Lapa, saíram em passeata até o palco da contenda.
Mas como passeata? Passeata, sim senhor, porque essa gente era sobretudo anarquista, com a graça do bom Deus.
O primeiro presidente do clube, o ítalo-brasileiro Miguel Battaglia, por exemplo, tivera contanto com o anarcossindicalismo ao prestar serviços para a Light.
É dele a frase cândida, mas também desafiadora, que guia a nação alvinegra até hoje: "Este é o time do povo, e é o povo que vai fazer o time".
Essa turminha do barulho lia o jornal anarquista de Gigi Damiani, o La Battaglia, que exortava os trabalhadores a fundarem suas próprias escolas e agremiações esportivas.
O time dos anarquistas não tinha bagunça. Cada um sabia das suas atribuições. Cada um assumia uma responsabilidade, conforme o que se aprendera de Bakunin e Malatesta.
E assim se estruturou. Em 1913, os meninos bons de bola conquistam o direito de participar da divisão principal do futebol paulista.
Ao mesmo tempo, o Paulistano e a A. A. das Palmeiras (nada a ver com o atual Palmeiras), enojados do cheiro do povo, se retiraram da liga e resolveram disputar um torneio paralelo.
Começava ali uma história de ódio.
A imprensa questionava a presença de um time de iletrados no mundo do chiquérrimo futebol, um jogo inventando por lordes ingleses.
Quanta petulância!
E para acirrar ainda mais os ânimos, o time dos anarquistas admitia gente de todos os tipos.
Logo agregava os negros, os mulatos, os caboclos e outros filhos da terra.
Mais um pouco e atraía também os outros segregados, polacos, libaneses, alemães, sírios, japoneses e gregos, gente que somente se entendia na alegria de torcer pelo Corinthians.
Imaginem o escândalo: um time de anarquistas, pretos, imigrantes e boêmios invadindo as elegantes festas do Velódromo.
Se o Corinthians ainda existe é por conta da brava resistência ao preconceito.
Tudo lhe foi sempre negado ou dificultado.
A mídia paulistana sutilmente construiu um estereótipo desabonador do corinthiano: é o ladrão, favelado, sem modos, sujo e vagabundo.
E mesmo criminalizado o Corinthians sobreviveu, e se fortaleceu.
E fortaleceu-se por qual motivo? Justamente porque sempre se cria um espírito de resistência solidária entre os oprimidos, ofendidos e injustiçados.
Passaram-se 100 anos, e nada mudou.
O Corinthians continua sendo alvo preferencial da mídia monopolista.
Se o grande São Paulo Futebol Clube recebe um financiamento do BNDES não há nada de errado. É a ordem natural das coisas.
Ora, mas se o banco vai financiar a "pretalhada", os "gambás", aí é uma vergonha.
Se a ordem é investir dinheiro público no rico bairro do Morumbi, a imprensa sorri de orelha a orelha.
Mas se a grana toma o rumo de Itaquera, na esfolada Zona Leste, já vira um caso de polícia.
Estadão, Folha, Abril, Globo, ESPN, entre outras organizações midiáticas aproveitaram para criminalizar mais uma vez a paixão de Lula pelo time do povo.
Está aí um prato cheio para colunistas políticos travestidos de colunistas esportivos: juntou o time dos anarquistas, do populacho, com o operário nordestino que se meteu a ser presidente...
Ai, não dá, né? Ainda mais quando ambos, o time e o presidente apresentam atributos que encantam o povo e, logicamente, o eleitorado.
Aqui, no Brás, os fogos espoucaram durante toda a madrugada.
Subiam dos quintais de cortiços, das janelas de apartamentos minúsculos, de ruelas esquecidas e escuras, dos lugares onde o povo do Brasil ainda resiste, invisivelmente.
Ahhh... Quanto ódio, meu Corinthians, mas quanta amorosa resistência!
Parabéns pra você!