Muito antes de proporcionar o tão sonhado acesso de alta velocidade à internet aos brasileiros de baixa renda e das regiões mais remotas, com serviços da melhor qualidade e pelos menores preços, a Telebrás enfrenta três sérios desafios.
O primeiro é de ordem legal. Os outros dois são casos típicos de corrupção, a serem apurados.
Examinemos o primeiro caso. Diversos juristas de renome argumentam que uma empresa criada por lei não pode ter seu objeto ou atividade-fim modificado por decreto. Criada por lei em 1972, a Telebrás nunca foi operadora nem teve autorização legal para operar diretamente serviços de telecomunicações, mas apenas por intermédio de subsidiárias. Sua principal função no passado foi a de empresa controladora (holding) de 27 subsidiárias (as teles). O entendimento dos juristas é de que as finalidades da empresa só podem ser mudadas por nova lei do Congresso.
Corrupção
O segundo caso é o da indecorosa manipulação das ações da Telebrás que chegaram a valorizar-se 36.000% ao longo dos últimos sete anos. Segundo especialistas, caberia à própria Telebrás comunicar a possibilidade de sua reativação à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como um fato relevante, para que a CVM determinasse a suspensão das negociações das ações da estatal na bolsa. Como nada disso foi feito, a cada declaração dos porta-vozes do governo envolvidos no PNBL as ações subiam mais e mais. Cabe à própria CVM e à Justiça apurarem quem se beneficiou dessa valorização e punir os responsáveis.
Como justificar uma valorização tão grande das ações de uma empresa sem patrimônio, sem receita, sem quadro mínimo de funcionários e enterrada em dívidas judiciais?
Mais corrupção
O terceiro caso é ainda mais espantoso e já se arrasta há quatro anos. É mais um caso indenização milionária contra empresa estatal. Vamos aos fatos.
Segundo parecer do Ministério Público Federal, mesmo em fase de liquidação, a Telebrás foi lesada em R$ 170 milhões por não ter recorrido de uma sentença condenatória, em 2006. Em parecer ao Tribunal de Contas da União (TCU), o procurador Marinus Marsico, conclui que a Telebrás foi lesada no acordo extrajudicial celebrado em 2006 com a empresa VT-Um, que prestou serviços de valor adicionado do tipo 0900 à Embratel por poucos meses e cujo dono é Uadji Moreira, amigo do então ministro das Comunicações, Hélio Costa. Com capital registrado de apenas R$ 1 mil, a empresa VT-Um só operou serviços 0900 por menos de um ano e entrou na Justiça contra a Embratel e a Telebrás.
A sentença, acreditem, condenou a Telebrás a pagar a absurda indenização de R$ 1 bilhão, o que poderia levar a estatal à falência. Nesse momento, a VT Um fez acordo em separado com a Embratel, por um valor considerado simbólico, e conseguiu da Justiça a homologação do pagamento, reduzindo a indenização à metade, ou seja, R$ 506 milhões a título de lucros cessantes, a serem cobrados da Telebrás.
Ainda assim, a Telebrás concluiu que não teria condições financeiras de pagar tal indenização à VT-Um. Em luga rde recorrer da sentença, a estatal preferiu renegociar o valor da indenização, reduzindo o valor final à metade, para R$ 253,9 milhões, mas com prejuízo de R$ 170 milhões aos cofres públicos, segundo o Ministério Público.
O Ministério Público refez os cálculos da indenização e apurou que seus valores estavam superestimados e que a indenização chegaria, no máximo, a R$ 84 milhões, valor idêntico ao calculado pela Procuradoria Regional da Advocacia-Geral da União (AGU), em nota interna de setembro de 2007. Mais grave: o acordo teve o respaldo do ministro Hélio Costa e da consultoria jurídica do Ministério das Comunicações, ao qual a Telebrás está vinculada administrativamente.
Com base naquela nota interna, o procurador Marsico baseou sua representação encaminhada ao TCU, há duas semanas, em que pede a rejeição das contas da Telebrás de 2006 e a punição dos responsáveis pelos danos ao erário, no caso o presidente da Telebrás, na época, Jorge da Mota e Silva, e o ministro Hélio Costa. O que era desconfiança agora é fato. Está comprovado que o acordo foi extremamente danoso para a União disse o procurador. A AGU encontrou erros considerados graves no laudo pericial que serviu de base para o acordo.
Para AGU, o perito que calculou os valores do lucro cessante usou critérios obscuros. O valor do faturamento bruto mensal da TV-Um usado como referência pela perícia é totalmente incompatível com informação prestada pela própria empresa em outra ação judicial movida por ela contra as subcontratadas Tecplan e TV-I, que a sucederam na prestação de serviços à Telebrás.
Com base nessa análise, o procurador concluiu que o valor da indenização que seria devida à VT-Um chegaria, no máximo, a R$ 84 milhões, um sexto do valor indicado pela perícia. Por outras palavras, o acordo final com a VT Um, reduzindo à metade a indenização de R$ 506 milhões da dívida apurada, que parecia vantajoso à Telebrás, num primeiro momento, foi na verdade lesivo, segundo a conclusão da AGU e do procurador Marsico. Além de tudo, a Telebrás fechou o acordo com a VT-Um sem primeiro encaminhar o processo para análise da AGU, procedimento obrigatório a ser adotado, por força de lei.
(PUBLICADO PELO ESTADO DE SÃO PAULO, EDIÇÃO DE 23 DE MAIO)