Há pouco mais de uma semana, a imprensa brasileira informou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia cancelado o lançamento do programa de incentivo à produção do carro elétrico.
Nos dias anteriores, alguns jornais e portais noticiosos da internet haviam antecipado parte dos planos, o que demonstra que ele existia de fato e tinha conteúdo suficiente para ser colocado sob análise da sociedade.
A solenidade na qual o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deveria fazer a apresentação do programa, acabou se transformando em um momento de constrangimento para ele: apenas cinco minutos antes do início do evento, a assessoria do ministro informou aos empresários e jornalistas que lotavam o auditório do Ministério que o anúncio estava cancelado.
A informação oficial alegava que o presidente da República havia pedido mais tempo para conhecer melhor a proposta.
Antes de se dirigir ao local do evento, o ministro havia se reunido com o presidente, que aparentemente havia autorizado a divulgação do projeto.
O que aconteceu entre a conversa do ministro com o presidente e o cancelamento do anúncio, apenas alguns minutos depois?
A imprensa noticiou o constrangimento do ministro, ouviu representantes da indústria presentes ao evento, e depois esqueceu o assunto.
Publicações especializadas do setor automobilístico divulgavam, naqueles dias, reportagens esclarecedoras sobre as condições para o sucesso de um programa de incentivo à produção de carros elétricos.
Observava-se, por exemplo, que um dos maiores entraves para o sucesso dessa tecnologia é o desenvolvimento de baterias de lítio ou processos ainda mais avançados, já produzidos em laboratórios mas ainda não disponíveis em larga escala no mercado.
Quanto ao mercado, segundo a imprensa, trata-se simplesmente de oferecer uma alternativa mais interessante, em termos econômicos, do que os carros com motores flex.
O custo da energia elétrica seria um empecilho.
Mas não se trata apenas disso.
Como a imprensa abandonou o assunto, restam apenas as especulações e o divertido jogo da teoria da conspiração.
O ponto de mutação
Há cerca de um mês, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, apresentou, durante a Conferência Internacional Ethos de Responsabilidade Social, um detalhado plano de exploração das reservas de petróleo da camada de pré-sal.
Foi um momento raro, que a imprensa em geral desperdiçou.
Gabrielli projetou gráficos, ofereceu dados em profusão, anunciou investimentos, defendeu o sistema de partilha no programa de exploração do óleo, anunciou a reativação do setor petroquímico e assegurou que a Petrobrás está garantindo o abastecimento de combustíveis por pelo menos mais trinta anos.
Os jornalistas convidados para debater com ele não conseguiram questionar os fundamentos do programa de investimentos acertado com o governo.
Foi, como se costuma dizer, um verdadeiro passeio.
A profusão de informações oferecidas pelo presidente da Petrobrás seria suficiente para deixar os brasileiros tranqüilos quanto ao futuro da empresa, a não ser por um detalhe: a estratégia do governo e da Petrobrás considera que a transição para um sistema de transportes completamente diferente do modelo baseado no motor a explosão – com gasolina, diesel ou etanol – vai ocorrer lentamente, num período de duas ou três décadas.
Aí é que entra o mistério sobre o cancelamento, ou adiamento, do programa de incentivo à produção de motores elétricos.
Qual seria o impacto da substituição rápida, digamos, num prazo de cinco anos, dos atuais motores a explosão por motores elétricos de alta eficiência?
Como ficaria a estratégia da Petrobrás, com todo o potencial de riqueza das reservas do pré-sal, se, no ponto de maturação, os bilhões de dólares investidos na extração, refino e distribuição não encontrassem a retribuição esperada do mercado?
E se a transição for uma ruptura, um ponto de mutação, como já observava há mais de trinta anos o físico Fritjoff Capra?
Quem conversou com o presidente da República depois que ele autorizou o ministro da Fazenda a divulgar o plano dos carros elétricos, e que o convenceu a cancelar o anúncio?
Quanto esforço de reportagem seria necessário para esclarecer essas questões?
O que impede a imprensa de continuar perseguindo temas como esse, e de discutir profundamente os sistemas que resistem ao processo de mudanças que a realidade nos impõe?
(Envolverde/Observatório da Imprensa)