Mais de dez mil participantes inscritos e uma centena de atos promovidos por organizações locais, além das 19 mesas de debates com convidados, compuseram este FSMT, um dos 27 fóruns descentralizados reconhecidos no âmbito do FSM para este ano, no qual não haverá um encontro global, que se tornou bienal em 2005. “A transição para o socialismo” voltou com força ao debate diante da “crise do capitalismo” que aflorou nos dois últimos anos, afirmou José Luiz del Roio, brasileiro que vive na Itália há 25 anos, onde foi eleito senador, ao falar sobre “A esquerda hoje”, tema de uma das últimas mesas do fórum baiano.
Os livros de Karl Marx estão hoje entre os mais vendidos, afirmou Roio. Em sua avaliação, é o momento de “voltar aos clássicos”, recuperar a memória e os velhos teóricos brasileiros e latino-americanos do socialismo, como o peruano José Carlos Mariátegui e o brasileiro Astrojildo Pereira. “Não há transição sem teoria e conhecimento da história”, disse. O pensamento socialista na América Latina se beneficia de um momento favorável, não apenas pela crise mundial aberta pelas quebras no setor financeiro dos Estados Unidos.
“Hoje vivemos um quadro totalmente distinto dos dois ciclos anteriores, das ditaduras militares e do neoliberalismo”, disse José Reinaldo Carvalho, vice-presidente do Partido Comunista do Brasil. Em sua opinião, as ideias internacionalistas do marxismo-leninismo permanecem válidas, mas devem ser adaptadas à realidade regional, inclusive combinadas com o “nacionalismo popular, uma veretente importante na luta pelo socialismo”.
Contrastando com o pensamento tradicional de seus colegas da mesa, a uruguaia Lílian Celiberti, da Articulação Feminista Marcosur, afirmou que uma sociedade mais justa exige lutas múltiplas, “Contra o racismo, o etnocentrismo, o sexismo e o patriarcado” e a esquerda também se compõe de variados movimentos sociais, “não apenas de partidos”. É necessário superar uma “agenda produtivista”, que faz com que os governos progressistas latino-americanos fomentem exportações primárias, como os hidrocarbonos na Bolívia e os produtos do agronegócio no Brasil, acrescentou, em defesa da heterogeneidade no pensamento e na aceitação de conflitos.
Única mulher entre cinco convidados, Celiberti destacou o desequilíbrio de gênero que persiste inclusive na esquerda, recordando que no FSM de Porto Alegre, na semana passada, as mulheres eram 60% dos participantes, mas as integrantes dos paineis não passaram de 20%. “Não creio na revolução de uma pessoa, creio na revolução do povo”, afirmou em uma crítica ao processo venezuelano, depois de dizer que a solução de problemas considerados “menores”, como a violência diária e a cultura masculina de não cuidar dos filhos, também é essencial para a mudança de sociedade.
O francês Crhistophe Aguiton, da Associação pela Taxação das Transações Financeiras e Ajuda aos Cidadãos (Attac), falou sobre a superação da doutrina dominante nas esquerdas do século passado, pela qual as sociedades têm necessariamente de passar por “etapas”, o feudalismo e o capitalismo, para chegar ao socialismo. Vários pensadores da negritude e latino-americanos, como Aníbal Quijano e Mariátegui, puseram em xeque o dogma e também a ideia “socialista” de aceitar aspectos positivos no colonialismo portador do progresso, recordou.
Também é indispensável a tomada do poder por diferentes vias e a “unidade sob a classe operária”, um pensamento agora em crise diante da valorização da riqueza da diversidade. Sobre o quadro latino-americano atual, é interessante o fato de haver governos considerados mais esquerdistas em países como Bolívia, Equador e Venezuela, onde não há partidos de esquerda bem estruturados como no Brasil, Chile e Uruguai, disse Aguiton. Um socialismo democrático que assegure, sobretudo, a “dignidade humana”, foi defendido por Waldir Pires, ex-governador da Bahia e figura importante no Partido dos Trabalhadores.
Além das mesas que discutiram perspectivas da esquerda, o FSMT da Bahia reuniu pensadores de diferentes áreas, como economia, comunicação e educação, para discutir as oportunidades abertas pelas crises de transformação do mundo. O debate avançou do diagnóstico para o “como fazer”, envolvendo o governo e novas formas de gestão, “uma visão mundial aplicada”, resumiu Ladislau Dowbor, economista brasileiro que coordenou os debates sobre “Crise e oportunidade”. “Há agora maior consciência da convergência de várias crises, como a econômica, a climática e a social”, o que impulsiona discussões “com mais proposições” no FSM e em outras instâncias, afirmou Dowbor.
A Bahia habilitou-se a disputar a sede do fórum central de 2013 porque, além de sua grande diversidade cultural, ganhou experiência ao organizar reuniões internacionais e revelou “a combatividade de seus movimentos sociais”, disse Carlos Tibúrcio, assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que apoiou a organização do FSMT. O fórum da Bahia também cumpriu o objetivo de promover o diálogo entre governo e sociedade civil, com a presença de dois ministros, Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, e Samuel Guimarães, de Assuntos Estratégicos, na mesa “Diálogo e controvérsias”, com governantes e diferentes atores sociais, que reuniu mais de mil pessoas no sábado.
“Meu governo e o de Lula estão ao lado dos movimentos sociais”, não buscam “substituir ou cooptar, mas dialogar” com estes movimentos, declarou o governador da Bahia, Jacques Wagner, em resposta a críticas de que o FSMT “é oficialista” devido à participação de governantes em suas atividades. O FSM é um espaço da sociedade civil, os governos só participam como convidados em atos promovidos por organizações participantes, defendem alguns fundadores do grande encontro mundial, baseados em sua Carta de Princípios. “Adoro os radicais e detesto os sectários”, afirmou o governador, para assinalar que no mundo multipolar e complexo de hoje é necessário negociar e fazer alianças, atitude temida pelos sectários que, por suas “raízes rasas, temem o vento”.
Fonte: IPS / Envolverde .