Uma característica comum aos dois governos que mostra bem a questão da politização é fato de no governo FHC o ministério das Minas e Energia sempre pertencer ao PFL, atual DEM, enquanto no governo Lula ao PMDB. Nos dois governos a área econômica, por exemplo, sempre teve como titulares técnicos reconhecidos pelo mercado como conhecedores do assunto, que deram segmento as políticas anteriores aperfeiçoando-as e adaptando-as a conjuntura, com uma visão de longo prazo. Na área de energia é exatamente ao contrário, o que prevalece é a ideologia e a politização, com i e p minúsculos.
No governo FHC se prometeu implantar um modelo onde seriam privatizadas as empresas de geração, transmissão e distribuição, cabendo ao Estado a fiscalização e a regulação do setor. O modelo não foi inteiramente concluído e ficamos com um hibrido privado-estatal que impediu investimentos na geração e provocou o racionamento de 2001-2002. No governo Lula, com um diagnóstico político e ideológico acusou-se a privatização que não houve pelo racionamento e depois de quase dois anos implantou-se um modelo que continuou deixando o setor frágil e vulnerável.
No fundo os dois modelos são anacrônicos, pois estão baseados em políticas de planejamento velhas, presas ao falso dilema público versus privado, centralizadores e completamente distantes das necessidades reais do país e de nós consumidores. O setor elétrico brasileiro precisa de um banho de modernidade, precisa de um Plano Real.
As premissas principais para a elaboração desse Plano Real são produzir uma quantidade cada vez maior de energia emitindo menos CO2 e consumir essa energia com uma eficiência crescente. Os velhos planejadores dirão que esse plano levará a um grande aumento das tarifas. No caso da implantação de um planejamento moderno com certeza as tarifas não irão crescer como se imagina. E porque não?
Uma forma de diminuir os preços da energia elétrica no Brasil seria revendo, de uma forma moderna, a carga de encargos e tributos. Essa revisão deve ser feita em duas frentes. A primeira é uma redução substancial tanto dos tributos quanto dos encargos setoriais. Um aspecto, por exemplo, é o fato de que a interpretação dada ao Dispositivo Constitucional que define para a energia elétrica a incidência do ICMS como tributo único, não estabeleceu a metodologia para sua aplicação. Hoje, aplica-se simplesmente ao somatório dos custos desde a geração nas usinas até a porta do consumidor, o tributo como definido na Constituição.
Ora, entre os custos arrolados existem despesas administrativas, como aquelas da ANEEL, custos com a prestação de serviços, como, por exemplo, com o transporte da energia desde a geração até a conexão do consumidor e sua transformação em diferentes tensões. Esses custos deveriam ser enquadrados como serviços de outra natureza e serem taxados numa alíquota menor que os 33% do ICMS. Adotada esta separação do que é energia elétrica e serviços aderentes poderíamos ter um preço para a energia menor que aquele atualmente pago pelo consumidor.
Cabe relembrar ainda, que a metodologia atualmente aplicada não permite que a empresa geradora de energia elétrica destaque o tributo – ICMS – sobre o valor da energia que vende ao sistema. Este fato impede que os tributos pagos quando da construção da usina com a compra de equipamentos e prestação de serviços possam ser compensados. Ao serem imobilizados os tributos pagos quando da construção são embutidos no preço de venda da energia nos leilões. Se fosse permitida a compensação seguramente os preços da energia na origem seriam pelo menos 10% menores. A segunda frente seria estabelecer uma política tributaria que considere o aspecto poluidor de cada fonte energética. Ou seja, combustíveis fosseis deveriam sofrer uma taxação mais elevada que os renováveis. Também, é importante criar uma legislação tributária que incentive a fabricação de equipamentos e veículos mais eficientes.
O planejamento moderno implica no abandono de uma centralização em favor de uma descentralização. Essa excessiva centralização do planejamento energético no Brasil é uma herança dos governos militares, baseado na filosofia da segurança nacional. Um país continental como o Brasil, com a complexidade do seu parque industrial, com a população tendo cada vez mais acesso a equipamentos grandes consumidores de energia, precisa incentivar a geração distribuída e não pode prescindir de nenhuma fonte de energia. A matriz elétrica brasileira precisa ser diversificada e com uma maior presença de térmicas na sua base, mais não as usinas a óleo e sim a de bagaço de cana, gás natural e eólica. É preciso elaborar uma política que leve em consideração e estimule as vantagens comparativas das diferentes regiões do país. Por exemplo, a geração a bagaço de cana em São Paulo e as eólicas no nordeste. Com isso, evitaremos racionamentos como o de 2001 e daremos uma maior confiabilidade ao sistema elétrico afastando apagões como o de 1999 e o da terça-feira dia 10 de novembro de 2009.
(*) Adriano Pires é Colunista de Plurale, colaborando com um artigo sobre Energia e Sustentabilidade por mês. É Diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).
(Envolverde/Plurale)