da BBC, em São Paulo
O
músico carioca Seu Jorge tem 12,9% de genes europeus e 85,1% de genes
africanos, indicam exames de DNA feitos a pedido da BBC Brasil como
parte do projeto Raízes Afro-brasileiras.
"Tinha muita esperança de ser 100% negro. Se fosse, eu ia pedir uma indenização muito pesada nesse país, mas sou filho dos culpados também", disse o músico em entrevista na sua casa, em São Paulo, à BBC Brasil.
O projeto Raízes Afro-brasileiras testou o DNA de outros oito negros famosos no Brasil. Milton Nascimento, Sandra de Sá, Neguinho da Beija-Flor, Frei David, Daiane dos Santos, Djavan, Ildi Silva e Obina, do Flamengo, participaram do projeto.
Apesar de não esconder uma certa decepção com seu recém-descoberto "lado europeu", Seu Jorge disse ter ficado feliz com o que chamou de resistência de antepassados africanos.
"Miscigenação era barbárie. Não tinha isso de história de amor, era barbárie. Fico feliz em saber que parte da minha galera resistiu e compõe 85% dos meus genes", disse o músico.
Segundo o músico, era difícil ser negro na época em que milhões de africanos eram escravizados e continua a ser assim hoje.
"Tem que ser negro para saber o que é você entrar em um ônibus, como uma pessoal normal, e ver os passageiros saltando antes do ponto, escondendo relógio, ligando para a viatura. É uma agressão muito forte. É violento", contou.
Ancestral europeu
Os exames feitos pelo médico Sérgio Danilo Pena, do Laboratório Gene, de Minas Gerais, indicaram que o artista carioca tem apenas 2% de composição genética ameríndia.
"É uma pena eu ter tão pouco de índio", lamentou.
Esses são os resultados dos testes de ancestralidade genômica, nos quais a equipe de geneticistas, a partir de células da saliva de Seu Jorge, analisou 40 regiões do genoma do artista para estimar a proporção de ancestralidades africana, européia e ameríndia.
O laboratório também rastreou os ancestrais maternos e paternos mais antigos de Seu Jorge.
A parte européia foi encontrada no exame do cromossomo Y, que revela a ancestralidade do lado do pai. A equipe do Dr. Sérgio Pena encontrou nessa análise grupos de seqüências genéticas idênticos (haplogrupos) aos que são freqüentes na Europa Ocidental.
"A distribuição de R1b* (nome dado ao haplogrupo de Seu Jorge) tem o epicentro na Europa Ocidental, especialmente na Península Ibérica e Grã-Bretanha", afirma o relatório do geneticista sobre Seu Jorge.
Segundo Pena, o resultado mostra que "em algum ponto do passado, um homem europeu entrou" na história genética do músico, mas é impossível precisar quando e de que parte da Europa esse ancestral teria vindo.
O historiador Manolo Florentino afirma, no entanto, que, pelo passado do Brasil, ele era "muito provavelmente um português".
"É mais provável que fosse não apenas um português, como um português do Algarve, onde vicejou o tráfico", explicou Florentino.
As análises do chamado DNA mitocondrial, herdado apenas da mãe, mostraram que a ancestral materna mais antiga de Seu Jorge era da etnia Banto, que se disseminou por quase toda a África Subsaariana por volta de 3 mil a.C.
"Haplótipos idênticos ao de Seu Jorge foram relatados nas seguinte populações: Banto Cabinda (Cabinda, Angola), Bamileke (Camarões) e Lomwe (Moçambique)", afirma o relatório do Dr. Pena.
Como no caso da linhagem paterna, é difícil dizer de que região específica da África Ocidental (na época do tráfico negreiro dividida em etnias, não em países), a ancestral materna mais antiga de Seu Jorge teria partido.
Esse rastreamento dos genitores é possível porque tanto o cromossomo Y como o DNA mitocondrial são transmitidos praticamente inalterados de geração em geração.
Na analogia usada pelo Dr. Pena, são como sobrenomes que se mantêm intactos ao longo do tempo.
O geneticista explica, no entanto, que os testes de ancestralidade materna e paterna revelam apenas o ancestral mais antigo de cada lado.
Daí a importância de se fazer o teste de ancestralidade genômica que tira uma "média" do DNA e estima as porcentagens de ancestralidade africana, européia e ameríndia.
Sérgio Pena calcula em 2,5% a margem de erro dos testes de ancestralidade genômica.