A criatividade mesquinha

Consta que um alto quadro da revista Veja nos anos 1970, fez a seguinte pergunta ao carnavalesco Joaosinho Trinta: "Você não acha que o povo gosta de luxo, e intelectual é que gosta de miséria?" Ao que o carnavalesco respondeu algo como "É". Ficou famosa a declaração bombástica de Joaosinho Trinta: "Povo gosta de luxo, intelectual é que gosta de miséria".

 

Também na Veja, mas nos anos 1980: chamado a fazer uma matéria sobre o medium Chico Xavier, que psicografava livros (isto é, escrevia livros quando nele "baixava" o espírito de algum autor morto), um repórter escreveu que, na opinião de Jorge Amado, Chico Xavier era o melhor autor brasileiro. O editor estranhoum chamou o repórter e perguntou: "o Jorge Amado disse isso mesmo?" Ao que o repórter respondeu: "Não, ele ainda não disse, mas estamos negociando". O repórter fizera uma série de telefonemas a Jorge Amado para lhe perguntar o que achava de Chico Xavier, mas ainda não conseguira a desejada frase. A "declaração" de Jorge Amado acabou nunca sendo publicada.

Ainda na Veja, na passagem dos anos 1970 para os anos 1980. Lula tinha acabado de surgir como liderança nacional e um alto quadro da revista ordenou que um repórter o entrevistasse. O repórter voltou com uma entrevista bastante informativa, mas o alto quadro da revista se queixou, dizendo algo assim como o Lula tinha de declarar alguma coisa na linha de que, se não for na lei, vai ser na marra, do contrário não havia razão para publicar a entrevista. O repórter voltou sucessivas vezes a falar com Lula, mas não dizia nada de parecido. A entrevista jamais foi publicada.

Estranhei quando vi na primeira página da Folha de S.Paulo, nos anos 1980, uma foto de um muro de um casarão numa ladeira em Campinas -SP, pichado com a frase, em letra de homem, "Ana, te fiz mulher", e com a resposta, em letra de mulher, "Como é mesmo o seu nome?".

O texto dizia que as frases tinham inspirado uma famosa pesquisadora a escrever um livro sobre sexo nos dias atuais. Eu conhecia bem o Centro Velho de Campinas e não me lembrava de ter visto um casarão numa ladeira tão acentuada. Perguntei à fotógrafa em que região de Campinas ficava aquele casarão. A fotógrafa respondeu que o casarão ficava na rua da casa da pesquisadora, em São Paulo. O repórter e a fotógrafa estavam na casa da pesquisadora, a entrevistando e fotografando, quando a pesquisadora disse que seu livro tinha sido inspirado no choque que ela levou ao ver aquelas frases escritas num muro em Campinas. Terminada a entrevista, já na rua, o repórter pediu que a fotógrafa comprasse pincéis de grafite. Ele escreveu a frase de cima e, ela, a de baixo.
 
(fonte: "Memórias de um jornalista não-investigativo", revista Caros Amigos outubro de 2009. p. 26)

Renato Pompeu
jornalista e escritor
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